quarta-feira, 30 de maio de 2007

Furto em contentores de obras de construção civil

O furto cometido num contentor/escritório, ainda que com arrombamento deve ou não ser qualificado pelo n.º 1 ou 2 do art. 204º do Cód. Penal ?
A respeito de situação idêntica à referida, entendeu o douto acórdão do S.T.J., de 23.02.2005, publicado na CJ n.º 181 ( Acórdãos do STJ ), Ano XIII, Tomo I/2005, p. 207 a 209, que o furto não é qualificado pelo n.º 2, al. e), do Cód. Penal, para cuja fundamentação remetemos. E, em síntese, a protecção dispensada neste normativo é restrita à casa, por força do art. 202º, al. d), do Cód. Penal, não o sendo um simples contentor/escritório de uma obra em construção.
Resta assim saber se é ou não possível integrar os factos no art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal.
A este respeito opina em sentido negativo o Comentário Coninbricense (Coimbra Editora, 1999 ), em anotação das páginas 67 e 68, da autoria do Prof. Dr. Faria Costa. No mesmo sentido, decidiu o douto Ac. STJ de 15.06.2000 ( Processo 182/00 – 5ª ), que consta em nota da página 652 do Cód. Penal Anotado de Maia Gonçalves, p. 652, 14ª Edição ).
No fundo, o que importa ter em consideração é que o conceito de espaço fechado das alíneas e) e f) do art. 204º do Cód. Penal não deve servir como critério interpretativo dos demais segmentos de tais alíneas. Espaço fechado para tal efeito não é qualquer espaço fechado, sob pena de aí caberem, por exemplo, os veículos automóveis, posto que a protecção penal é reclamada para a casa.
Por outro lado, o contentor não se enquadra na noção de estabelecimento, concebido como uma universalidade constituída por elementos materiais ( bens, espaço físico ) e imateriais ( o nome, clientela, o seu aviamento ), os quais devidamente integrados, concatenados e aglutinados, concorrem para uma organização apta a um fim específico, de produção de bens ou serviços, dissociando-se aqueles elementos, seus componentes, do todo unitário a que conduzem, formando um valor que se não confunde com a soma atomística daqueles elementos.
Perante um vulgar estaleiro, vulgo, “obra”, o furto ao referido estaleiro, mesmo enquanto espaço fechado, pelo processo descrito de arrombamento, não configura arrombamento de espaço fechado dependente de qualquer casa, dependência de que não pode abdicar-se porque a tutela penal pressuposta no tipo qualificado de furto, nos termos do art. 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal não pode desprender-se daquela acessoriedade – a protecção penal é reclamada para a casa. E o mesmo se passa em sede do art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal, pois o único elemento distintivo é a ausência de arrombamento, permanecendo a referida acessoriedade a casa - neste sentido, embora sem necessidade de se pronunciar sobre se a condenação deverá ser feita apenas por referência ao crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, ou também, em concurso efectivo, por referência ao crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191º do Cód. Penal, decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de 09.05.07, Rec. 173/05.6PBFIG.C1.
E aí – art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal - porquê ? Alcança-se, numa ordem lógica e racional, com apoio em argumento de índole histórica, que a protecção penal é reclamada para a casa, que não já para um qualquer espaço fechado, dela autonomizado, como é um estaleiro, quantas vezes sem grande segurança, erguido de forma improvisada e onde, com frequência, apenas, temporariamente, se resguardam materiais de aplicação em obra em construção e pelo período em que o estiver e àquela restam serviços de apoio ( cfr. Ac. STJ, de 01.10.97, in CJ, STJ, 1997, III, 182, na esteira do de 15.01.97, in CJ, STJ, 1997, 196 ).

Termos em que se entende que apenas existe autoria, em concurso, de um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191º e de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, ambos do Cód. Penal.

Fica, porém, a questão seguinte: quando o furto for efectivamente qualificado pela introdução em lugar vedado ao público ( cfr. art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal ) e depois desqualificado pelo n.º 4 do art. 204º do Cód. Penal, existe ou não concurso efectivo entre o furto simples do art. 203º, n.º 1, e a introdução em lugar vedado ao público do art. 191º do Cód. Penal ?
Se o furto foi desqualificado, pelo valor, tendo já a qualificativa da al. f) do n.º 1 do art. 204º do Cód. Penal, torna-se de difícil sustentação o referido concurso. E se assim for, ou seja, se o concurso não for já possível, então também não haverá concurso efectivo entre a introdução em lugar vedado ao público e o furto simples no caso de furto em veículos (art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal ), dada a incoerência sistemática que tal concurso efectivo representaria.

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