quarta-feira, 30 de maio de 2007

A Existência de Deus - Razões Para Acreditar

Esta abordagem pretende ser simples.
O meu objectivo é motivar a reflexão – a razão é imprescindível à fé.
Talvez não consiga focar pontos para ti essenciais. Mas, como disse, não se pode prescindir da razão, da reflexão. E se há alguma coisa em que vale a pena pensar neste mundo, penso que é em Deus.
Nestas coisas de Deus há um método fundamental que se traduz em comparar a minha relação com Deus com a amizade que tenho por alguém de muito especial.
Surge assim a primeira questão: como surge a amizade entre duas pessoas ?
O primeiro requisito para que nasça a amizade entre duas pessoas é conhecer a pessoa com quem vamos travar amizade. E o mesmo sucede com Deus, pois, como dizia Santo Agostinho, ninguém ama quem não conhece.
Mas será que Deus existe mesmo ? E será possível entrar em relação com Ele ?
Para “responder” a esta questão vou começar por alinhar de um lado razões para não acreditar em Deus e de outro lado as razões para acreditar em Deus.
Entre as razões para não acreditar em Deus é vulgar encontrar as seguintes:
· se Deus existe, porquê o sofrimento, a morte, a doença, a fome, as diferenças sociais, etc. ?
· falam de Deus porque não acreditam no homem ( ateísmo humanístico );
· se Deus existe, porque razão há tantos que não acreditam na sua existência ou, pelo menos, não sabem se Ele existe ou não ? ( ateísmo reflexo );
· quem teria criado Deus ?
· porque me teria Deus feito inferior a Ele ?
· os cientistas não precisam de saber que Deus existe para estudar a natureza e as pessoas ( ateísmo metodológico );
· se Deus sabe desde já se me salvo ou se me condeno, porque tenho de me preocupar com Ele ?
· porquê um só Deus ?
· porque razão hão-de ser os cristãos os que têm razão ?
· porque razão hão-de ser os católicos os que estão certos ?
· porque se terá limitado Cristo a uma acção religiosa quando tantas reformas políticas, sociais e económicas urgiam ?
Tentando responder a tais questões, direi que o tudo ( o universo ) não vem do nada: é necessário falar de uma Causa Suficiente ( Criador ), de uma Origem sem origem, dum Criador perfeito – Deus. E isto por uma razão de lógica – a mesma que dá sentido ao princípio científico da causalidade.
O ateísmo, a negação de Deus, é uma atitude científica incorrecta, pois nega uma hipótese ( a existência de Deus ) sem comprovar a sua falsidade. Assim sendo, o ateísmo não se enquadra na metodologia actual adoptada pela crítica filosófica, que postula a aplicação do método científico ao pensamento crítico da filosofia.
Admite-se apenas o agnosticismo.
Leia a este respeito o livro da Sabedoria 13, 1 a 9, de onde se infere, porém, a própria censura do agnosticismo, sobretudo do que leva à perversão dos valores.
Quanto a Deus ter-te criado inferior a Ele, não te esqueças de que se Deus é perfeito não pode renunciar ao que É – como pode a perfeição dar lugar a coisa melhor ?! Não há lugar para alternativas iguais ou melhores, pois a perfeição ocupa toda a dimensão possível do ser em Deus, não havendo lugar para o plural. Tu não poderias ser Deus. Contudo, Deus oferece-te a possibilidade de participares da sua perfeição.
Quanto ao sofrimento, ele não é uma obra imperfeita de Deus. Deus quis que o homem nascesse sujeito às leis da natureza por Ele criadas ( a lei da saúde e da doença, da vida e da morte, etc. ).
Mas porque terá sido esse o plano de Deus para o homem ?
Algumas ideias-mestras:
· o sofrimento desencadeia o amor; dá um relevo especial à nossa relação com os outros;
· João Paulo II fala na eloquência do sofrimento num mundo assolado pelo pecado, cego aos valores definitivos;
· O sofrimento ensina-nos a brevidade da vida humana, a nossa total dependência da generosidade do Criador – a salvação é gratuita e universal;
· O sofrimento estimula a purificação, a valorização dos valores definitivos: é profético;
· O sofrimento proporciona-nos a possibilidade de sermos co-redentores, pois o sofrimento tolerado por amor a Deus valoriza a nossa opção por Ele, dando-nos méritos e poder de intercessão pelos irmãos;
· Só tem méritos quem tem de optar e a opção produz, ao nível da escolha, muitas vezes, sofrimento, mas o sofrimento tolerado e vencido por amor ao bem transporta o homem para o lugar cimeiro entre todas as criaturas que Deus pudesse criar. Deus podia ter criado um homem sem sofrimento, mas colocado ao lado do homem tal qual somos, como poderia Deus ser justo se a ambos desse o mesmo ? Deus opta pela humanidade tal qual ela é porque só ela, vencendo a dor pelo amor, é capaz de ocupar o lugar cimeiro entre todas as criaturas, inclusive os anjos – é uma razão de justiça;
· O sofrimento tem um valor educativo e uma valor de prova;
· São Paulo diz: “é tão grande aquilo que espero que nas penas me deleito”.
Sobre isto recomendo-te a leitura da “Salvifici Doloris” de João Paulo II.
É verdade que Deus sabe se te salvas ou se te condenas ( não o demónio ). Contudo, tu és livre e responsável pelas tuas acções. É que Deus pode conhecer o futuro sem influir nos resultados.
A condenação eterna é a consequência da tua opção pelo mal, pela negação de Deus. O pecado e, por isso, a condenação são a recusa de Deus e a sua consequência.
Deus não te impõe a opção por Ele, embora te estimule, através das graças actuais, a amá-Lo. E repara que é matéria de fé ( dogma ) que Deus dá a cada alma a graça suficiente para alcançar a salvação, acredite-se Nele ou não. Ninguém se condena a não ser por culpa própria, por não utilizar as graças ( actuais e/ou sacramentais, eficazes e/ou suficientes ) que Deus lhe dá.
Repara ainda que o conhecimento de Deus não é fundamental para a salvação ( Lucas 10, 25 a 37 ). Fundamental não é saber o nome de Deus, mas entrar em relação com Ele ( ainda que Ele permaneça incógnito ), isto é, amar ( num certo sentido: Coríntios 13, 1 a 13 ) – Deus é amor ( 1 Jo. 4, 8 e 16; 1 Jo..10, 19 a 21 ).
Com isto podes compreender porque razão há quem ainda não esteja em relação com Deus: e verás que são mais do que parecem...ou melhor, que às vezes as aparências iludem.
Vê o que se diz à frente sobre o baptismo de desejo implícito e compara, ou melhor, relaciona com o que se disse atrás.
Quanto à questão “...porque se limitou Cristo a uma acção religiosa, quando tantas reformas políticas, sociais e económicas urgiam ?”, deixo-te estas palavras extraídas de “Questões do nosso tempo ( I )”, de Louis Evely ( Colecção Poliedro ):
« ...creio ter compreendido hoje que nada há de mais temporalizante do que o espiritual, se o espiritual é o amor, e nada há que mais comprometa e responsabilize do que o amor.
Na verdade, não há libertação religiosa da humanidade sem uma libertação política, económica e social. Mas compreendi porque é que Cristo não se dirigiu explicitamente senão á primeira: ela comandava todas as outras ».
Louis Evely diz ainda:
«...Cristo é o maior revolucionário da história e o cristianismo revolucionaria o mundo, se os cristãos não humedecessem cuidadosamente a sua pólvora com toda a água benta do paganismo ressuscitado – triste ressurreição ! – sob um verniz cristão !».
Em relação à questão “...porque razão é que os cristãos têm razão ?”, dir-te-ei que para a catequese cristã existem três espécies de baptismos: o baptismo de água, o baptismo de sangue e o baptismo de desejo.
O baptismo de água é aquele que é administrado geralmente por um sacerdote e extraordinariamente por um leigo e que constitui o sacramento do baptismo.
O baptismo de sangue é o baptismo do martírio.
O baptismo de desejo pode ser implícito ou explícito.
Ora, é precisamente o baptismo de desejo que nos interessa agora abordar, sobretudo o de desejo implícito.
A ideia é esta: um não crente ou um crente de outro culto ou crença recta pode muito bem estar na posse desse baptismo de desejo implícito.
Como disse atrás, Deus confere a todas as almas, independentemente da respectiva confissão religiosa, a graça suficiente para se salvarem.
Contudo, conhecer Cristo é a melhor maneira de chegar ao conhecimento de Deus como Pessoa; daí a célebre frase de São Paulo: « Ai de mim se não evangelizar ! ».
Deixar-te-ei ainda alguns pontos de reflexão...
Enquanto muitas religiões consideram tudo santo ( ex. animais, fenómenos naturais, etc. ) menos o homem, para o cristianismo nada é santo senão o homem ou por causa dele – só o homem é imagem de Deus ( ser criado à imagem de Deus tem que ver com a capacidade de amar e pensar; mas também com a “filiação divina” ).
No cristianismo o perdão assume um relevo principal – o acto de perdoar não significa fraqueza, mas capacidade de ser pessoa, fortaleza de carácter.
A novidade do cristianismo não consiste no amor ao próximo – recordemos que este mandamento é citado no Novo Testamento como um mandamento antigo: é preciso amar o próximo como a si mesmo -, mas nesta transformação inaudita: os dois mandamentos são um só, para Cristo – a novidade do cristianismo é o amor ao próximo como amor a Deus ( lê as Cartas de São João ).
Eis-nos finalmente perante a última e mais complicada das questões: “ Porque existe um só Deus ? ».
Para o cristianismo Deus é a Santíssima Trindade: três pessoas mas uma só natureza divina ( monoteísmo ).
A distinção entre as três pessoas divinas ( Deus Pai, Deus Filho – Jesus Cristo após a união hipostática operada pela encarnação do verbo de Deus - e o Espírito Santo ) tem por base a relação que existe entre elas.
Primeiro temos Deus Pai que se contempla na sua mente divina e se vê como realmente é, formulando um pensamento sobre si mesmo.
Mas se o conceito que Deus tem de si mesmo deve ser um pensamento infinitamente completo e perfeito, tem de incluir a existência, já que a existência é própria da natureza de Deus; a imagem que Deus vê de si mesmo, a Palavra silenciosa com que eternamente se expressa a si mesmo, deve ter uma existência própria, distinta. A este pensamento vivo em que Deus se expressa perfeitamente a si mesmo chamamos Deus Filho (Jesus Cristo após a encarnação ).
Portanto: Deus Pai é Deus conhecendo-se a si mesmo; Deus Filho é a expressão do conhecimento que Deus tem de si – assim, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade é chamada Filho, precisamente porque é gerada ( e não criada: Deus Filho também é incriado ) desde toda a eternidade, engendrada na mente divina do Pai; mas também chamamos «Verbo de Deus» porque é a «Palavra Mental» em que a mente divina expressa o pensamento sobre si mesma. Note-se que Deus Pai conhece-se desde sempre, não sendo possível falar-se de uma anterioridade temporal de Deus Pai em relação às outras duas pessoas da Santíssima Trindade.
Depois, Deus Pai e Deus Filho contemplam a natureza que ambos possuem em comum. Ao verem-se ( falo, naturalmente, em termos humanos), contemplam nessa natureza tudo o que é belo e bom, isto é, tudo o que produz amor, em grau infinito.
Assim sendo, a vontade divina origina um acto de amor infinito para com a bondade e a beleza divinas.
Ora, uma vez que o amor de Deus por si mesmo é da própria natureza divina, tem de que ser um amor vivo. E a este amor infinitamente perfeito e intenso que eternamente flui do Pai e do Filho chama-se Espírito Santo, «que procede do pai e do Filho». É a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade – o resultado do amor de Deus por si mesmo.
Portanto, em relação ao Espírito Santo fala-se de emanação passiva, sendo incriado e Deus com o Pai e o Filho.
É por isso que há um só Deus.
E se Deus existe fala-se de adoração:
“...somente a atracção de um superamor real, isto é, de uma “superpessoa real” ( Deus ), que surja, ao mesmo tempo, “no cimo e no coração do mundo unido”, só tal atracção pode desencadear “até ao extremo” as energias do amor entre os homens e matar o egoísmo” (Teilhard de Chardin ).
Portanto, “adoração em vez de suspeita de absurdo” ( Teilhard de Chardin ), de um mundo sem lei nem sentido de justiça.
Gostava de colocar-te duas questões, que são estas:
Que imagem tens de Deus ?
Até que ponto essa imagem determina a tua atitude como cristão ?
Termino neste ponto de partida e de chegada:
Jesus Cristo é a imagem verdadeira de Deus Pai,
a chave do conhecimento de Deus.