sexta-feira, 1 de junho de 2007

Rejeição da Instrução - obstáculo de caso julgado formal ?

Quando o requerimento do assistente para a abertura de instrução não narra os factos que integram um crime, não pode haver pronúncia, sob pena de violação dos artigos 303., 283.º, n.º do CPP e 32.º, da CRP.
De facto, a pronunciar-se o arguido por factos que não constam do requerimento de abertura de instrução e que importam uma alteração substancial dos mesmos, tal configuraria uma nulidade, prevista no art. 309.º, n.º 1.
Ora, uma instrução que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido é uma instrução que a lei não pode admitir.
Não faz qualquer sentido admitir uma instrução que, desde o início, está condenada ao insucesso.
Enfermando, pois, o requerimento do assistente da omissão da própria configuração do objecto da instrução, inviabiliza a sua abertura, tornando-a inexequível, conforme escreve Souto Moura, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 120 e 121:“Se o Assistente requer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível, ficando o Juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados".
De acordo com a lei, nomeadamente de acordo com os já citados artigos 287.º, 283.º e 303.º, um requerimento para abertura de instrução que não contém factos através dos quais se possam retirar os elementos objectivos e subjectivos do crime deve ser indeferido, por ferido de nulidade, nos termos do art. 283.º, n.º 3 ex vi do art. 287, n.º 2.
Sendo o requerimento para a abertura de instrução nulo por falta de objecto, o mesmo tem de ser obrigatoriamente indeferido, não sendo admissível a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento, sob pena de violação dos citados artigos 287.º, n.º 3 e 283.º, n.º 3 (neste sentido cfr., entre outros, Ac. da RL de 11 de Outubro de 2001, in CJ , T. IV, pág. 141) .
A este respeito o recente acórdão da Relação do Porto de 04.10.2006, publicado na CJ 2006, T. 4, pág. 200 e ss, estabelece uma síntese jurisprudencial sobre a questão em apreço, no sentido da jurisprudência que vem sendo dominante.
A questão assim arrumada leva-nos então a questionar se é ou não de afirmar a existência do obstáculo de caso julgado formal que inviabilize a rejeição da instrução já depois de inadvertidamente ter sido declarada aberta.
Cremos que não. Na verdade, sendo nulo o requerimento de abertura de instrução, pelos motivos indicados e desde logo porque tornaria a instrução inexequível, então nulo será o despacho que a admite, por força do disposto no art. 122º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, onde se estabelece que “As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar”.
Na verdade, sendo inexequíveis os actos subsequentes a despacho nulo, nunca tal nulidade se pode ter por sanada, o que acontece no caso em apreço, o que permite a afirmação do vício mais grave da inexistência do despacho que admitiu a instrução, pois a eventual instrução a realizar não teria objecto, sendo o despacho de pronúncia a formular igualmente inexistente, posto que se trataria de uma “invenção processualmente inadmissível”.
A respeito da identificação das situações de decisões inexequíveis com decisões inexistentes, consulte-se Maia Gonçalves, no Código Penal Anotado, em anotação ao art. 468º do Cód. Proc. Penal. E se decisões existem feridas de inexistência, também o próprio rito processual se pode encontrar ferido do mesmo vício, designadamente em casos em que o mesmo se processa de forma de tal maneira anómala que não pode produzir qualquer decisão exequível, ou seja, quando se trata de mero processado inútil.

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