terça-feira, 29 de maio de 2007

Adolescência, Socialização e Delinquência

Adolescência, socialização e delinquência.


I .
1. A delinquência juvenil é o fenómeno mais importante dentro do mundo do delito. Senão vejamos:
- a quase totalidade dos reincidentes foram delinquentes juvenis;
- é raro iniciar-se uma carreira criminosa na idade adulta;
- para o delinquente juvenil o crime transcende o simples "carácter profissional" para se converter em modo de vida;
- a um incremento da delinquência juvenil corresponderá no futuro uma maior delinquência em termos gerais.
Por outro lado, denota-se hoje um incremento da delinquência juvenil (que tem vindo a fazer-se sentir desde as grandes guerras mundiais), tanto em volume como em gravidade. E o que é preocupante é que o autor se inicia cada vez mais com idade mais baixa.

2. Se para o direito o delinquente é apenas, por exigências do princípio da legalidade e de segurança jurídica, aquele que comete uma infracção à lei penal, já à simplicidade da definição jurídica corresponde uma complexidade de noções psicológicas, psiquiátricas e sociológicas utilizadas para compreender essa forma de inadaptação social.
Ora, o objecto deste trabalho é precisamente analisar os factores e as diversas manifestações da delinquência juvenil, cuja importância já se realçou.

II. Factores
1. Factores Individuais
1.1. É conhecida a teoria do criminoso nato, desenvolvida por César Lombroso no fim do século XIX. Para ele, uma grande parte dos delinquentes eram-no em consequência de uma constituição especial que os caracterizava desde o nascimento. Impregnado das ideias de Darwin sobre a selecção natural das espécies vivas, pensava ele, em razão das particularidades morfológicas minuciosamente estudadas em vários milhares de sujeitos, que esses malfeitores eram seres que ainda não tinham acabado a evolução para a humanização e que, por isso mesmo, eram necessariamente inaptos para obedecer a leis adaptadas a homens mais evoluídos do ponto de vista biológico e psíquico.
Essa ideia tem sido objecto de várias críticas.
Contudo, vários estudos estatísticos demonstram uma maior frequência nos delinquentes de uma anomalia cromossómica: a duplicação do cromossoma Y, que caracteriza o sexo masculino.
A fórmula genética destes sujeitos é 47 XYY ( sabe-se que a mulher normal possui em cada célula do seu organismo dois cromossomas sexuais idênticos – XX – ,enquanto no homem os dois cromossomas sexuais são diferentes – XY.
Repare-se que certas características são comuns aos delinquentes portadores desta anomalia cromossómica:
· são de estatura elevada ( mais de 1, 80 m );
· o nível intelectual deles é pouco inferior à média;
· o seu comportamento é sobretudo inibido e imaturo; e
· os actos delituosos que cometem estão muitas vezes marcados por forte agressividade e ligados à sexualidade.

Estas considerações foram tomadas em consideração por certos tribunais, no estrangeiro, para atenuar a responsabilidade de certos criminosos portadores desta anomalia, o que suscitou viva discussão. Com efeito, se parece quase certo que a frequência desta fórmula cromossomática é efectivamente superior em certos delinquentes, ainda não dispomos de trabalhos que estabeleçam, ao invés, a frequência da inadaptação nos sujeitos XYY.
Seja como for, estudos psicológicos – incidindo embora sobre um pequeno número de casos – indicam que o risco está muito longe dos 100 % , pois certo número desses indivíduos fazem uma vida inteiramente normal. A opinião que podemos avançar no estado actual dos nossos conhecimentos é que existem talvez uma ou duas constituições genéticas que favorecem a inadaptação social, mas não podemos considerá-las como fatalidades.
Por outro lado, não há uma perfeita coincidência entre delinquência e inadaptação social.
Interessante será referir que um estudo que se propunha despistar, por meio de exames sistemáticos, desde o nascimento, os sujeitos XYY, e seguir-lhes a evolução, foi interdito nos USA em 1979.
1.2. A patologia mental
A ideia de que a inadaptação e a delinquência são formas de patologia mental também não é nova e encontra-se com frequência. É habitual mencionar, a este respeito:
- a epilepsia;
- a debilidade mental;
- as perturbações da personalidade; e
- as psicoses.
Contudo, tais perturbações psicopatológicas ( cuja despistagem é importante em cada caso individual, tanto mais que existe a possibilidade de um tratamento apropriado ) nem sempre se encontram nos jovens inadaptados sociais. De facto, salvo no que respeita à atitude deles em relação à moral e à transgressão das regras estabelecidas, a maior parte não se diferencia psicologicamente da média dos indivíduos. Esta verificação deve ser, todavia, um pouco atenuada.
1.3. As rebeldias da insegurança
Parece-me que são estas que devem ocupar lugar de primazia entre os factores individuais que podem favorecer a delinquência.
As rebeldias da insegurança podem revestir diversas modalidades:
- rebeldia regressiva;
- rebeldia agressiva; e
- rebeldia transgressiva.
Trata-se de rebeldias defensivas ( defesa do “eu ameaçado” ), negativas e de simples recação, que nascem de sentimentos de auto-afirmação, de insegurança e de imaturidade.1.3.1.a). A atitude de auto-afirmação

A adolescência é um período de crescimento que se traduz, sobretudo, no nascimento da intimidade e descoberta do «eu». Neste período a consciência infantil, ligada ao colectivo, é substituída por uma consciência pessoal. Por outro lado, o adolescente adquire capacidades novas:
- o pensamento lógico; e
- o sentido crítico.
Ora, o adolescente está normalmente interessado em estrear as suas capacidades novas e em pô-las ao serviço das necessidades de «auto-realização»:
- «ser eu mesmo» ( identidade pessoal );
- «estar comigo mesmo » ( intimidade );
- «valer-me a mim mesmo» ( auto-realização );
- «poder escolher e decidir» ( autonomia ); e
- «amar e ser amado» ( aceitação ).
Esta atitude de auto-afirmação, que se aponta como estando na origem das rebeldias da insegurança, não é outra coisa que a afirmação da personalidade nascente.
Mas se a atitude de auto-afirmação é, em si mesma, necessária ao desenvolvimento da personalidade, contudo, corre o risco de crescer desmesuradamente e de radicalizar-se perante determinadas atitudes dos adultos ou certas influências do ambiente. Surgem então:
- a obstinação;
- o espírito de contradição;
- a busca de independência; e
- a rebeldia perante as normas estabelecidas.1.3.1.b). O sentimento de insegurança

Este sentimento de insegurança é característico da adolescência, para ele contribuindo:
- a enorme desproporção que existe entre a meta proposta e os meios disponíveis para alcançá-la ( dificuldade do objectivo); e
- por outro lado, o que é ainda um dos conteúdos possíveis da afirmação anterior, o adolescente debate-se com o problema de saber como comportar-se perante situações novas e mais difíceis, isto é, «como adaptar-se ao seu novo papel na vida».
Este sentimento de insegurança tem, pois, a ver com a falta de recursos e de experiência, com a ausência de metas claras e, em algumas ocasiões, a incompreensão dos mais velhos.1.3.1.c). A imaturidade

São suas manifestações:
- o conceito de liberdade como simples ausência de limitações ou condicionalismos externos;
- a falta de vontade: os adolescentes são mais pessoas de projectos do que de realizações – custa-lhes muito realizar o que decidiram e ser perseverantes nas tarefas que empreenderam;
- o radicalismo nos juízos; e
- a ausência de raízes.
Estes dois últimos aspectos são consequência tanto da pouca experiência prática da vida como da carga emocional que costuma acompanhar as suas acções.1.3.2. Caracterizemos agora as rebeldias da insegurança:

Elas estão relacionadas com a sensação de vazio ou carência de sentido da própria existência.
A rebeldia regressiva nasce do medo de agir e traduz-se numa atitude encolhida, de reclusão em si mesmo. Equivale muitas vezes a um regresso à vida despreocupada e livre de responsabilidades da infância – e ao abrigo deste refúgio adopta-se uma atitude de protesto mudo e passivo contra tudo.
Este tipo de rebeldia é próprio, sobretudo, da primeira fase da adolescência (puberdade ).
O púbere começa a deixar de ser menino, sentindo-se admirado e surpreendido com as mudanças do seu corpo e forma de ser.
Tudo isto pode levar ao medo de agir, com a consequente tentação de «regressar» psicologicamente ao mundo infantil que se converte agora num refúgio. A partir deste refúgio o púbere olhará o mundo dos adultos com uma hostilidade silenciosa.
A rebeldia agressiva expressa-se de forma violenta, sendo própria do fraco, daquele que não podendo suportar as dificuldades que surgem da vida diária, tenta aliviar o seu problema fazendo sofrer os outros.
Este tipo de rebeldia costuma aparecer na adolescência média, fase em que se produz a ruptura definitiva com a infância e a busca de novas formas de comportamento. Do «despertar do eu» passa-se à «descoberta consciente do eu». A análise de si mesmo será o ponto de partida para o redescobrimento e crítica do mundo que o rodeia. É a idade da impertinência ou fase negativa.
A rebeldia transgressiva traduz-se em arremeter contra as normas da sociedade, ou por egoísmo e entidade própria ou pelo simples prazer de quebrá-las.
No seu desenvolvimento podem ser decisivos certos problemas de personalidade, um clima ruim na família e determinadas influências negativas do ambiente.
Este tipo de rebeldia pode surgir também na adolescência média.2. Factores do meio

Os factores ligados ao meio sociológico e familiar desempenham um papel considerável. Ressalta esse facto dos inquéritos estatísticos que são, porém, de interpretação delicada, pois esses factos interpenetram-se muitas vezes de tal maneira que é difícil isolar um só que seja para estabelecer com precisão a sua influência. É ainda de acrescentar que as conclusões destes inquéritos nem sempre são concordantes.2.1. O nível sócio-económico

Numerosos estudos mostram que a inadaptação social e a delinquência dos jovens são mais frequentes nas classes sociais mais desfavorecidas. Esta diferença deve ser todavia matizada. Com efeito, ela não é tão marcante para todos os tipos de actividades delinquentes: se é clara para os delitos de violência e a para a delinquência de grupo, é menos clara e até inexistente para as toxicomanias, por exemplo. É possível também que um maior número de jovens delinquentes dos meios favorecidos escapem, graças à protecção da família, à acção policial e, por isso mesmo, às estatísticas.
A pobreza é um factor do crime. Não é, certamente, a causa do crime, pois há muitos pobres que não delinquem. A pobreza releva indirectamente, pelas condições frequentemente marginais que impõe, nomeadamente, a promiscuidade e a formação de grupos de “subculturas” nas zonas das barracas.2.2. A urbanização

A urbanização é acompanhada na maior parte dos países por um crescimento da inadaptação juvenil e delinquência.
Concorrem para este aumento vários elementos:
- a maior complexidade da vida urbana ( aumentaram as ocasiões de transgredir os múltiplos regulamentos );
- as exigências da sociedade industrial, que exclui dos circuitos económicos os sujeitos portadores de deficiências, por pequenas que sejam;
- as solicitações numerosas ( lojas de grande área, necessidades suscitadas por uma publicidade omnipresente, etc. ) associadas ao anonimato, que torna mais fácil a passagem ao acto;
- enfim, as deslocações de população, que fazem desaparecer os quadros tradicionais de vida e provocam a formação, na periferia das grandes cidades, de verdadeiras zonas “subculturais”, que diferem de maneira mais ou menos pronunciada do resto do grupo social, no seu modo de vida e, por vezes, também na adesão às regras morais;
- saliente-se ainda as condições de trabalho, sobretudo no que diz respeito às do transporte dos pais, que aumenta o distanciamento e a falta de tempo disponível.
2.3. As perturbações sociais

Observa-se geralmente um decréscimo da delinquência tanto adulta como juvenil, no início dos conflitos armados. Este decréscimo verificado nas estatísticas oficiais pode ser apenas um reflexo das perturbações administrativas habituais nesses períodos ( desorganização dos serviços de polícia, falta de registo dos delitos, etc. ). Por consequência, quando o estado de guerra dura ( como sucedeu com os conflitos mundiais de 1914-1918 e 1939-1945 ), a delinquência, e em especial a dos jovens, aumenta nitidamente.
Para os sociólogos, a síntese destes diferentes factores encontra-se na noção de anomia, que traduz a tendência para a desorganização social. A sociedade está com efeito marcada pela existência, no seu seio, de grupos diferentes do ponto de vista cultural e económico e, todavia, submetida a uma única regra de vida. Resulta destas distorções uma falta de coesão do corpo social, que será um dos factores essenciais da delinquência.2.4. O meio familiar

O papel desempenhado pela dissociação dos lares é confirmado por numerosos inquéritos. Mas mesmo fora da ruptura completa da célula familiar, a ausência da relação de boa qualidade entre os membros da família, o elitismo ou a patologia mental dos pais – todos eles factores bem conhecidos, que misturam mais ou menos carência afectiva e carência educativa – levam muitos adolescentes a procurar noutra parte compensações afectivas ou uma valorização.
Note-se que é grande a percentagem de delinquentes juvenis que não se sentem amados pelas suas famílias.
Tem-se observado também que muitos dos delinquentes provêm de famílias numerosas sem meios económicos, são filhos únicos ou filhos primogénitos.
As famílias desses jovens delinquentes têm, na sua maior parte, baixo nível de formação. Por outro lado, os seus planos para a progressão na carreira profissional não existem.
É frequente em famílias de delinquentes a punição corporal e severa, injustificada, utilizada muitas vezes como meio de “ensinar”.
O desemprego da mãe é um factor mais negativo do que o seu emprego: o emprego implica um melhor estatuto material e mentalidade mais aberta.
Contudo, o absentismo da mãe por razões de trabalho reforça o sentimento de insegurança e de abandono da criança.
As carências afectivas precoces são consideradas por um grande número de autores um factor essencial favorável. Elas são consequência de separações precoces dos pais, do mau comportamento da mãe ou do abandono da criança sem substituto materno válido.
Nas sociedades modernas tem-se observado a desvalorização progressiva do estatuto dos pais enquanto autoridade, desvalorização essa agravada pelo seu estatuto profissional muitas vezes pouco atraente e pela sua atitude muitas vezes demissionária perante os pedidos, exigências ou problemas da criança.
Os adultos são mais incitados ( pelas imagens impostas pelos mass media e publicidade ) a assemelharem-se aos filhos do que o inverso.
A incapacidade em que se encontram certos pais em assumirem plenamente o seu papel educativo, numa sociedade em que a moral é incerta, contestada, coincide com toda uma contestação do valores tradicionais, sem que um consenso se tenha ainda feito à volta de uma ética nova. Seja qual for a posição que se adopte a este respeito, temos de reconhecer que o desaparecimento das referências morais deixa um vazio que não favorece a estabilização dos jovens.
Diga-se ainda, repetindo, que as condições materiais de vida demasiadamente fáceis com carências afectivas e educativas podem favorecer a delinquência.
A falta de vigilância dos pais, sobretudo durante os tempos livres, é também apontada como sendo um factor negativo.
É grande também a percentagem de pais analfabetos com filhos delinquentes.
Permitimo-nos reproduzir aqui uma parte do estudo realizado pela equipa do Instituto de Reinserção Social do Círculo Judicial da Figueira da Foz, datado de 19.03.2001, sob o título “Contributos para a Avaliação das Situações de Delinquência e de Risco no Concelho da Figueira da Foz”:. “...Nos resultados do grupo em estudo, a estrutura familiar apresenta-se desorganizada e incapaz de fornecer aos menores modelos de referência adequados ao seu desenvolvimento harmonioso, ascendendo aos 87,7 % as famílias caracterizadas com padrões disfuncionais. Nestas famílias apesar de estarem quase sempre associadas problemáticas múltiplas procurámos evidenciar a problemática mais frequente e que se entendeu como relevante na sua incidência e intensidade. Assim a avaliação diagnóstica dos sistemas familiares, revelam-nos por ordem decrescente:
· Problemática alcoólica;
· Pobreza psicológica que se reporta às famílias com dificuldades sérias na gestão de recursos pessoais, sociais e económicos. Há, de uma forma geral, uma situação sócio-económica desajustada à satisfação das necessidades familiares básicas e logicamente às expectativas que os estímulos ao consumo geram. São famílias que traduzem dificuldades no desempenho dos papeis sociais e na assunção das responsabilidades/compromissos, mantendo uma dependência estrutural das prestações de acção social. Nestas famílias a coesão familiar não aparece prejudicada já que existem elos afectivos entre os seus componentes, todavia é relevante a falta de consistência na disciplina e controle parental.
· Práticas de prostituição – a singularidade festas famílias é que estão organizadas em sistema fechado e com dificuldade de responderem aos estímulos de mudança. De uma forma geral os progenitores estão associados a sub-culturas marginais e as crianças crescem isoladas socialmente.
Esta problemática tem por vezes contornos difusos passando as crianças despercebidas quando da sua frequência no 1º ciclo de escolaridade, já que em termos objectivos de uma forma geral as necessidades e bens básicos apresentam-se como bem preenchidos.
· Má qualidade na relação afectiva – que se traduz na privação total dos laços afectivos normais que toda a criança tem direito a receber duma mãe ou dum substituto materno. As situações de maus tratos estão associadas, numa fase precoce do desenvolvimento destas crianças, à incapacidade das mães em estabelecerem relações afectivas e calorosas, não conseguindo lidar com as situações de stress que a interacção da díade suscita.
· Toxicodependência – (...) Na intervenção efectuada nestas crianças tiveram de ser retiradas das famílias de origem (...). O comportamento toxicodependente encontra-se, por vezes, associado a mães com práticas de prostituição, contudo, nestes casos não se determinou esta variável como factor principal de disfuncionalidade.
· Reclusão do progenitor – a perda neste caso do pai associada à incapacidade materna ou outras figuras de substituição determinaram o internamento das crianças.
· Saúde mental onde estão presentes patologias psiquiátricas.
· Alcoolismo e saúde mental enquanto problemáticas associadas.
· Falta de controle parental. Este indicador apesar de estar associado à restantes famílias estudadas com padrões de disfuncionalidade, foi em dois casos isolado, já que apesar de estarem ultrapassadas outras problemáticas e nomeadamente não existindo deficiente enquadramento sociocultural estas famílias revelaram de uma forma determinante incapacidade na função reguladora/normativa.
· Fragilidade sociocultural respeitante a famílias detentoras de algum grau de coesão e socialmente integradas mas com precárias condições de vida e cujas preocupações estão orientadas para as necessidades de sobrevivência.
Trata-se assim de um indicador menos prevalecente, o que nos leva a concluir que de acordo com o diagnóstico da situação familiar a componente sócio-económica e cultural é a menos dominante, já que apesar de estar presente noutras famílias do estudo, ela não determinou por si própria o padrão de disfuncionalidade...”.
2.5. A influência dos mass media e de certo tipo de literatura

Por vezes, este tipo de influência pode ser negativa em jovens de espírito sugestionável. Com efeito, nota-se, por vezes, que os jovens não só copiam as façanhas dos personagens televisivos e do cinema, personagens que glorificam muitas vezes a violência, o erotismo e o desprezo pelas instituições sociais, como inclusivamente lhes adoptam os apelidos.
Certa espécie de literatura, sobretudo pornográfica, pode, ou melhor, exerce uma influência preocupante sobre os jovens, contestando toda a ideia de sexualidade em função do amor, para a converter em simples instrumento de prazer.
O cinema, a publicidade e a televisão contribuem também muitas vezes para a criação de um mundo jovem oposto ao dos adultos e que se traduz por modas no vestuário e tempos livres específicos, tendentes a deixar crer que os adolescentes possuem um estatuto à parte e que a juventude é um fim em si. Isto tem muito a ver com a exploração do poder de compra dos adolescentes.2.6. Outros factores ou consequências da inadaptação social relativos ao meio ou com ele relacionados

- É frequente observar-se nos delinquentes juvenis um coeficiente de inteligência indicativo de deficiência;
- O delinquente juvenil geralmente alimenta-se mal e não tem hábitos de higiene;
- É frequente observar-se nos delinquentes juvenis: medo do futuro, completa indecisão, imaturidade, imediatismo, sugestibilidade, falta de resistência a estímulos criminógenos e presença de neurose de ansiedade, traumas infantis, traços paranóicos e esquizóides,
- Muitos delinquentes desconhecem o fim da mãe, não conhecem os pais ou são órfãos;
- A um aumento da religiosidade do jovem corresponde uma conduta melhor, regra geral;
- A insuficiência da frequência escolar contribui para lançar crianças na rua, onde vivem em bandos ou grupos marginais, muitas vezes dirigidos por um chefe mais velho[1];
- As faltas e a vagabundagem podem levar o jovem à delinquência de necessidade ( furtos e roubos de subsistência ) e, por outro lado, não raro estes jovens procuram refúgio em comunidades marginais e, por vezes, fazem nelas a sua primeira experiência de toxicomania;
- O trabalho a tempo parcial tem consequências nefastas sobre os projectos de carreira a longo prazo.
- Factores importantes são também a droga, o álcool, a instabilidade laboral e a atracção pela vida fácil.2.7. As amizades nocivas

As amizades nocivas têm sido apontadas como o factor principal, segundo inquéritos feitos a delinquentes juvenis, da delinquência juvenil.
Elas assumem particular relevo quando o jovem delinquente se encontra inserido num bando ou num grupo de delinquentes.
Este é um factor difícil de combater, pois é muito difícil e problemático afastar os jovens dos seus companheiros.III. Associações para delinquir

Dada a sua especial importância, cabe agora falar das associações para delinquir.
Elas são de duas espécies: o bando e o grupo.
Quando as instituições sociais não podem satisfazer a necessidade que o adolescente tem de aceder à virilidade ( “ser ou não ser homem” ), ele elabora substitutos psicológicos da condição de adulto que lhe é barrada.
Entre esses substitutos, o bando é um dos mais significativos. Verdadeira contra-sociedade, com os seus ritos, as suas leis, os seus interditos, o bando traz ao adolescente que dele faz parte uma segurança psicológica e a garantia de um estatuto valorizado por aqueles mesmos cujo julgamento ele forma, os seus pares.
Uma vez que o bando esteja formado entra em competição séria com outras instituições, a título de factor dominante na vida do rapaz. A importância do bando está em relação com a qualidade do mundo social cívico da mesma idade do rapaz que ele representa e com o facto de o bando ser criação de si mesmo. Todas as outras organizações pertencem aos mais velhos; o bando pertence aos rapazes.
Contrariamente a certas ideias correntes, segundo as quais este fenómeno de agrupamento de jovens delinquentes remonta a tempos imemoriais, temos de ver nos bandos de adolescentes das nossas sociedades industriais um fenómeno específico e que se vai acentuando.
Atrás do fenómeno do bando encontra-se a dificuldade em que a sociedade industrial está para responder ao problema que lhe é posto por uma adolescência cada vez mais longa, cada vez mais disponível, cada vez mais impaciente.
Foi sobretudo na década de 50 que se viu formarem-se, nos arredores das grandes cidades, bandos que reúnem jovens dos treze aos vinte ou vinte e dois anos. Se esses grupos só raramente tiveram a organização que os literatos ou cineastas lhes atribuíram, é verdade que se observa neles uma certa estruturação que se exprime essencialmente em regras impostas aos recém-vindos. Nesses bandos a violência e os actos delinquentes são a expressão da vida do grupo – para a coesão do qual contribuem – e não a sua finalidade primitiva. Reside aí a diferença com os bandos delinquentes adultos, que se juntam com o fim de realizar certos actos, tais como roubos.
Entra os factores que mais contribuem para a constituição de bandos encontra-se a urbanização, quando esta leva a más condições de vida e, paralelamente, se verifica a dissociação da vida familiar.
Os jovens de hoje têm uma consciência de grupo muito marcante, uma forte solidariedade quando colocados em face dos adultos. Fala-se até em consciência de classe. Nos grupos de adolescentes, a adolescência não é só um período de transição, uma simples situação de passagem, mas uma forma de viver e um mundo com sentido próprio.
Os jovens estão a formar a sua própria sociedade à margem da sociedade dos adultos, de tal modo que muitas vezes não há conflito de gerações, mas vidas justapostas que se ignoram mutuamente.
Disse-se atrás que o bando delinquente e grupo delinquente são coisas distintas. Na verdade:
a) Os bandos delinquentes formam-se pela união de três ou mais sujeitos, são dirigidos por um deles, constituem-se por um período de tempo relativamente definido e com finalidade delituosa.
Quando falta algum desses elementos não existe bando, mas grupo criminal. Contudo, repare-se que o bando pode surgir para a comissão de um só acto criminoso – pense-se na organização para cometer um delito que necessita de certa preparação, como, por exemplo, um assalto a um banco; uma vez cometido o delito, o bando pode continuar ou dissolver-se.
b) Os rasgos mais importantes que diferenciam o grupo delinquente do bando delinquente são os seguintes:
- os grupos têm menor período de gestação, podendo até nem existir, pois, basta a proposta de um para cometer um delito, configurando-se o grupo com a aceitação dos outros;- nos grupos o chefe – caso exista – tem menor relevo; por outro lado, nem sempre é o sujeito mais inteligente ou de maior capacidade criminal;
- no bando os interesses individuais são subalternizados, enquanto que no grupo eles assumem lugar de relevo;
- ao bando é inerente maior independência, considerando-se por vezes auto-suficiente, não necessitando do apoio da família, amigos ou do próprio trabalho;
- o grupo pode ser constituído por apenas dois sujeitos; do bando exclui-se a parelha criminal, pois apesar de ser o grupo onde existe maior concentração, contudo, na parelha criminal não é possível falar-se de uma estrutura hierárquica do género atrás descrito – as tarefas dividem-se por igual e com grande autonomia de execução;
- o delinquente profissional dá-se melhor no bando do que no grupo;
- os comportamentos do grupo costumam variar com frequência, o que não acontece no bando;
- o bando apresenta maior perigosidade e prepara melhor os seus delitos;

Note-se, porém, que a maior parte dos bandos são evoluções de grupos criminosos.
Repare-se ainda que a participação dos jovens em associações para delinquir é elevada.
Por outro lado, a tendência para a constituição de grupos e bandos é mais elevada nas zonas urbanas.IV. Manifestações da delinquência

A delinquência juvenil é mais forte nos rapazes do que nas raparigas; mas também é verdade que é de natureza diferente, na maior parte dos casos.
Por outro lado, as formas mais correntes de “delinquência” são o furto para o rapaz e a prostituição para a rapariga ( repare-se que a prostituição não é constitutiva de um tipo legal de crime em muitos países; sempre se dirá, porém, que é uma situação que favorece a delinquência ).1. Manifestações da delinquência juvenil

1.a). Crimes contra o património:
Ocupam um lugar cimeiro entre as formas de delinquência juvenil.

1.a).1. Furto e roubo
Entre os crimes contra o património, o furto e o roubo ocupam lugar cimeiro.
O furto é muito banal na criança e pode revelar uma situação conflitual. Nestes casos a apropriação de um objecto em si mesmo tem uma importância muito secundária e o produto do furto é muitas vezes destruído, distribuído pelos outros e até entregue ao dono; o que conta aqui é a vítima, simbolicamente enfraquecida pela perda daquilo que lhe foi tirado – não é de admirar observarem-se tais furtos, por vezes até repetidos, em crianças submetidas a constrangimentos educativos excessivos.
Outras formas de furtos e certos roubos de adolescentes aproximam-se do que acaba de ser descrito. Trata-se de pequenos furtos feitos por jovens, a maior parte das vezes em grupo e num momento em que estão afastados do seu meio habitual ( em férias, por exemplo ). Estes roubos e furtos, que tomam o ar de brincadeira, quase de desporto, têm também uma dimensão de provocação, de libertação das pulsões agressivas em relação à “boa sociedade” dos adultos.
São elementos essenciais do roubo e do furto praticados por delinquentes juvenis:
- a dificuldade em deferir a satisfação dos desejos;
- a atitude agressiva para com os adultos identificados como possuidores; e
- muitas vezes, a droga.
A reincidência é cada vez mais frequente.
Os objectos subtraídos podem ser revendidos ou bem utilizados pelo próprio sujeito com a finalidade de se prestigiar junto dos outros adolescentes. Temos de lembrar a este respeito o valor simbólico que podem Ter os roubos ou furtos de motas ou carros que correspondem evidentemente a desejos de posse e de afirmação viril.
Este tipo de furto ou roubo pode, aliás, integrar-se na actividade de bandos organizados: é um dos aspectos da delinquência de grupo.
Constata-se um ligeiro aumento da tendência para utilizar um veículo furtado para cometer outro delito.

1.a).2. Estragos materiais

Representam outra forma, mais recente e cada vez mais frequente, de ataque à propriedade. São muitas vezes cometidos por grupos de adolescentes que atacam casas desabitadas ( residências secundárias ) ou lugares públicos ( cafés, locais de baile, etc. ), que devastam de maneira gratuita. Neste caso a dimensão da agressividade para com a sociedade adulta é particularmente evidente.
Saliente-se aqui a actividade de “hooligans” ligados a equipas desportivas que lhes servem de protesto para exercerem violência ou destruição – atrás deles observa-se em certos países o renascimento de ideais nazis ( cfr. neonazismo ).

1.b). Os delitos de violência

Os delitos de violência têm aumentado de forma acentuada. Trata-se de agressões físicas, de golpes e ferimentos cometidos produzidos por adolescentes já crescidos, por vezes acompanhados de jovens adultos. Estes actos são inteiramente gratuitos ou verificam-se por ocasião de pretextos menores, tais como acidentes de circulação. Os estudos psicológicos feitos a este propósito insistiram na presença latente de um estado de frustração na origem de uma agressividade maior susceptível de se revelar à menor causa. É de assinalar, de passagem, que o álcool ou certas drogas excitantes podem ter um papel estimulante sobre esses delitos.
Estas agressões físicas podem igualmente fazer parte da actividade de bandos; então tomam, por vezes, o ar de verdadeiros confrontos organizados entre grupos adversários e as suas consequências são por vezes graves.

1.c). O homicídio

É um facto excepcional nas crianças e adolescentes.
Importa salientar como elemento associado a posse de armas, sem segurança, por parte dos pais, que, por vezes, ensinam a criança ou o jovem a manuseá-las.

1.d). Infanticídios

São frequentes os infanticídios cometidos por raparigas muito jovens que conseguiram dissimular até ao fim a gravidez.

1.e). Parricídios

Foi notado que, em especial no caso de parricídio, o próprio acto é muitas vezes cometido num clima de desrealização, de semi-incosnciência.

1.f). Delitos sexuais

Este tipo de delitos dizem respeito a jovens em fase pubertária: as idades em que são mais frequentes situam-se entre os 14 e os 16 anos; mas o número de menores de 13 não é de desprezar – a frequência reduz-se consideravelmente depois dos 17 anos, o que se explica em parte pela maturação da personalidade, que permite um maior controle da pulsões, mas também, sem dúvida, pelo facto de que, cada vez mais, os jovens desta idade terem relações sexuais de tipo adulto.
Os delitos registados são diversos:
- atentados ao pudor;
- exibicionismo neurótico, em subtenção por uma forte carga ansiosa ( de certa frequência nos adolescentes masculinos );
- violações, muitas vezes colectivas; e
- prostituição.
A toxicomania é um factor importante de passagem à prostituição. Nas grandes toxicomanias – em particular a heroinomania – que são praticamente incompatíveis com um trabalho regular, quase não há outro modo de conseguir o dinheiro necessário á compra das drogas que não seja o tráfico e a prostituição.
Ainda sobre a prostituição são de salientar factores que a ela podem levar:
- a atracção pelo dinheiro face à indigência do meio familiar;
- nível intelectual muitas vezes medíocre;
- imaturidade, muitas vezes grosseira, de uma personalidade passiva e sugestionável; e
- tendências depressivas ligadas a componentes neuróticas, conducentes à busca masoquista da punição.
Relações sexuais precoces, realizadas de maneira ostensiva, com diversidade de parceiros e frequência, que lhes confere um carácter espectacular e até provocador, são o modo de expressão da inadaptação de certas raparigas. Todavia, tal comportamento pode ter apenas o significado de uma tentativa de se ver reconhecer mais depressa um estatuto de adulto.

1.g). Toxicomanias

Contrariamente aos intoxicados de outrora, que permaneciam fieis ao mesmo produto, os jovens toxicómanos de hoje utilizam múltiplos produtos.
Tem-se observado um aumento acentuado de consumidores de drogas. Por outro lado, há cada vez mais crianças e mais jovens no grupo dos consumidores de drogas.

1.g).1. Motivações que conduzem à toxicomania

As motivações sociológicas desempenham um papel determinante nos primeiros ensaios de consumo de drogas. Além da busca dos estados psíquicos artificiais ( sobre os quais uma publicidade um tanto suspeita tem sido feita pela imprensa ), a toxicomania inscreve-se numa tentativa de integração num universo especial.
Esta “subcultura”, como lhe chamam os sociólogos americanos, que se define em oposição com a sociedade actual, possui as suas próprias normas, os seus costumes vestimentários, a sua música e até a sua própria linguagem.
Entre as motivações individuais podem referir-se:
- o desejo de experimentar;
- o desejo de apaziguar a angústia ou os sentimentos de vazio;
- a pretensão de encontrar uma forma de passar por cima da incapacidade de viver;
- a descoberta de si próprio; e
- a procura de prazeres novos.
Mas, para além da motivações mais ou menos conscientemente exprimidas, existe, na maior parte das toxicomanias importantes um desejo inconsciente de autodestruição, que se exprime especialmente na escalada das doses – nem sempre justificada pela habituação – e pelo ensaio de cocktails de drogas cada vez mais perigosas.
Em relação às toxicomanias é de salientar que as mulheres se iniciam em idades mais baixas. Por outro lado, do consumo facilmente se passa à revenda de droga.
Os assaltos a farmácias têm muitas vezes a ver com as toxicomanias.

1.h). Actos incendiários

Estes actos são pouco frequentes.
O que parece ressaltar do exame de crianças que cometeram tais actos é que se tarta de um modo de expressão entre outros de uma agressividade ligada a dificuldades familiares ou até a frustrações encontradas no domínio escolar.
O incêndio surge sobretudo como meio de agressão fácil e ao mesmo tempo espectacular, e por isso mais facilmente utilizado por seres fracos ou diminuídos.

IV. Prevenir e curar a delinquência juvenil

IV.1. É fácil compreender que a prevenção da delinquência implica todas as medidas que favoreçam uma boa higiene mental da infância. Estas medidas respeitam ao meio de vida da criança, familiar, escolar, profissional ou de tempos livres. Importa, portanto, despistar precocemente as primeiras manifestações de desequilíbrio ( fugas, mentiras, agressividade, vagabundagem, furtos, roubos, perturbações de comportamento e do carácter, fracassos escolares, etc. ) e favorecer as medidas de ordem social que permitam um melhor desenvolvimento ou desabrochar familiar ( protecção maternal e infantil, educação dos pais, melhoramento geral das condições de vida, luta contra o alcoolismo e as barracas ou pardieiros, intervenção de assistentes sociais, médicos de ordem educativa e psicológica no quadro dos institutos médico-profissionais e médico-psicopedagógicos de diagnóstico e de tratamento ).
A melhor prevenção da delinquência é constituída pelo próprio meio familiar. Os casais desunidos, sem harmonia, ou simplesmente desequilibrados mostram-se com frequência incapazes de criar filhos correctamente.
As famílias demasiado rígidas, ou alternando os dois tipos de comportamentos, vão impedir a criança de adquirir uma personalidade estável e adaptada às circunstâncias exteriores.
A ideia do bem e do mal deriva dos sistemas de interdições dos pais. Punir a criança com lucidez e proporcionalmente à falta cometida, desculpabiliza-a, dá-lhe os limites das suas possibilidades pulsionais e diminui a sua angústia.
No período pubertário o grupo paternal vê com frequência a sua autoridade contestada e criticada. Assim, a demissão do pai enquanto representante simbólico da ordem favorece o desvio para o comportamento associal e para a delinquência; mas uma atitude despótica dá o mesmo resultado. A tendência para se fixar electivamente na mãe, tendência apresentada por muitos jovens delinquentes, não traduz a maior parte das vezes senão a desunião do casal e a desvalorização da imagem do pai pela mãe.

IV.2. É bom insistir contra os perigos de um certo “activismo” que se encontra, por vezes, nos serviços de assistência social. É tentador, na verdade, perante um meio familiar deficiente ou considerado patogénico, propor que a criança dele seja separada. Mas trata-se de uma decisão grave em que é preciso pesar os possíveis inconvenientes. Mesmo se a qualidade dos serviços melhora, raras são ainda as instituições que reúnem as condições educativas e afectivas ideais. É também de Ter em conta, na escolha de um eventual internamento, as influências que pode sofrer um jovem em “perigo moral”, mas ainda não delinquente, posto em contacto com outros jovens mais gravemente atingidos na inadaptação.
Todas estas observações reforçam ainda o interesse que se deve consagrar ao outro tipo de medidas que, mesmo quando são de execução mais difícil, mantêm a criança no seu meio natural (educação em meio aberto ) ou procuram reconstituir uma inserção familiar estável ( colocação familiar ).
Muitos dos jovens delinquentes abandonam o mundo do delito de forma espontânea – alguns logo após a primeira experiência; outros após algum tempo de delinquência; outros quando se tornam adultos. São muitos os factores que levam ao abandono da delinquência:
- encontrar trabalho;
- medo de ser detido;
- dissolução do grupo de delinquentes;
- incorporação no serviço militar;
- não querer problemas familiares; etc.
Ora, por vezes, com o internamento em algum centro, está-se a colaborar para a consolidação de uma carreira criminal.
Com isto não se quer dizer que não se deva combater a criminalidade juvenil; quer-se apenas dar preferência ao sistema de tratamento em liberdade, à educação em meio aberto e à colocação familiar.
A confirmar aquela preferência está a constatação da falta de estabelecimentos adequados e a resistência das famílias ao trabalho dos centros.
Note-se, contudo, que o sistema de tratamento em liberdade ainda não existe em muitos países. Por outro lado, mesmo quando funciona, sucede, por vezes, que se limita a um simples encontro periódico com o jovem delinquente em que se lhe pergunta se se tem mantido afastado dos problemas, da criminalidade. Ora, as mentiras são inevitáveis, por parte do jovem delinquente, entregue a si mesmo.

IV.3. Acções preventivas e ressocializadoras de iniciativa privada têm um papel interessante. Certas equipas procuram estabelecer um contacto permanente, por meio de actividades de tempos livres, com jovens de sectores geográficos em que a delinquência está particularmente espalhada. É de salientar o empenho de certos grupos cristãos.
Mas uma acção preventiva em grande escala, que necessita de mobilização de equipamentos socioculturais e educativos consideráveis, paralelamente à luta contra os factores sociais não pode ser empreendida senão ao nível do próprio Estado.

IV.4. No que diz respeito à delinquência juvenil em particular, é fundamental a investigação científica da personalidade do delinquente, na fase da instrução do inquérito tutelar crime. Esse exame criminológico permitiria o conhecimento integral do homem, sem o qual não se poderá vislumbrar uma justiça eficaz e apropriada.
A personalidade do delinquente juvenil é o factor mais importante para o estudo da sua perigosidade.
Esse exame criminológico reclama a participação de sociólogos, médicos, psicólogos e assistentes sociais.
Até ao século XIX o ponto de vista jurídico dominava amplamente o estudo da criminalidade: “o crime não é uma acção, mas uma infracção”, dizia-se.
O estudo do crime ficava limitado pelas disposições do direito penal.
Já no final do século XIX, com o desenvolvimento das ciências da observação, sobretudo as directamente ligadas à biologia e á medicina, a pessoa do delinquente chamou a atenção dos pesquisadores e, como era um século do cientismo determinista, foram os traços fisiológicos e os dados hereditários ( dos criminosos submetidos a análise ) considerados como pedra de toque da personalidade criminógena.
Mais tarde, já no século XX, surgem as correntes colectivas - todos os crimes são resultantes das condições individuais e sociais e a influência desses factores tem a ver na sua intensidade e importância, com as posições particulares do corpo social: a cada fase da evolução e a cada estágio de uma sociedade corresponde um “dossier” dos factores individuais e sociais da delinquência (princípio da saturação criminal ).
Quanto ao que fica dito, teremos, porém, de dizer sucintamente que os fundamentos hereditários e as estruturas biológicas do indivíduo não têm, à vista da criminalidade, o verdadeiro significado, pois o crime não é frequentemente o resultado de uma falta de inteligência, mas um defeito da vontade.
Em Portugal só com muito custo se poderia afirmar a existência nos processos de menores de um verdadeiro exame criminológico.
Não queremos terminar sem salientar os seguintes pontos:
- é premente evitar um intervalo prolongado entre a detenção de menores e a aplicação de medidas;
- o comportamento antisocial atinge o estado de cristalização em diferentes idades a partir do qual o tratamento se torna particularmente difícil;
- um dos aspectos fundamentais é a integração social do jovem delinquente: é aqui que tudo acaba ou recomeça;
- observa-se hoje a tendência ( que nasceu nos anos 50 ) para substituir a repressão da delinquência juvenil pela reeducação.
- Permitimo-nos reproduzir aqui outro segmento do estudo atrás referido do Instituto de Reinserção Social da Figueira da Foz:. “...É portanto prioritário o destaque para a prevenção primária e para formas de intervenção em idades mais precoces do desenvolvimento. Todavia a extensão do problema contrasta flagrantemente com a exiguidade dos meios de prevenção e concretamente deverá apontar em especial para a organização e reorganização dos serviços e instituições desde os primeiros anos do ensino básico e mesmo pré-escolar. É escasso o trabalho individual que se faz com as crianças e a vertente escolar não é dimensionada numa linha de desenvolvimento.
A partir de uma avaliação diagnosticada das situações de forma individual mas abrangente ao nível dos diversos domínios de funcionamento as actividades devem ser planificadas de forma a melhorar as competências sócio-afectivas e morais, as competências físicas e motoras e as cognitivas. O trabalho com as famílias deve ser convergente à função educativa, ensinando os pais a identificar as variáveis da família que possam ser responsáveis pelo comportamento anti-social da criança e ensinar-lhes como alterar o padrão de interacções muitas vezes inadequadas e de contornos coercivos.
Os comportamentos de agressividade em meio escolar devem ser alvo de intervenção nos níveis de ensino mais precoce – 1º ciclo. É no 2º ciclo que eclodem os fenómenos de indisciplina e de violência com a agravante de não existirem técnicos de apoio psicossocial. Torna-se necessário diversificar os espaços de escuta e de informação. Tendo como referência a vocação indusiva da escola urge criar equipas especializadas de apoio psico-pedagógico e com o reforço da colaboração entre os diversos agentes educativos.
Importa reunir competências múltiplas que favoreçam o desenvolvimento de acções inovadoras, sendo exemplo o desporto escolar e a animação social.
Todavia a promoção de actividades só tem sentido se estiverem sustentadas num projecto concertado e coerente.

PROPOSTA:

· Criação de um centro de informação e divulgação dos recursos existentes que facilitem a articulação entre os serviços e entidades tendentes à sua operacionalização, a exemplo as actividades a nível de ocupação de tempos livres e desportivas.”.

[1] A escola é um lugar privilegiado para as primeiras manifestações da inadaptação social. Quase não há jovem delinquente em que não se encontre um longo passado de inadaptação escolar.
Os insucessos constituem frustrações que o jovem mal tolera. Uma indisciplina que toma cada vez mais o ar de provocação procura, pela fanfarronice, compensar a imagem desvalorizada que de si próprio dão os insucessos. Paralelamente, o meio escolar tende a rejeitar esse perturbador.

Estes elementos atrás referidos, associados ao absentismo escolar, às faltas esporádicas e vagabundagem convergem para a delinquência do jovem.

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