terça-feira, 29 de maio de 2007

Regulação do Exercício do Poder Paternal

A REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL

Se a formação do casal é geralmente precedida de um processo de namoro, de aconselhamento familiar, de aconselhamento de amigos, de um curso de preparação para o matrimónio, se a gravidez da mulher é acompanhada dos carinhos acrescidos, se depois do casamento vem a lua de mel, que faz parecer que tudo é fácil, o certo é que regra geral os casais não estão preparados para a crise da relação, quando ela surge, e isto porque a crise surge muitas vezes de forma inesperada.
Mesmo quando a relação se vem deteriorando há muito, os membros do casal raramente estão preparados para o período que se segue à ruptura do matrimónio.
E é precisamente nessa altura que muitos dos casais vão ter o seu primeiro contacto com o aparelho judiciário.
O ambiente das conferências de pais é muitas vezes marcado por estes factores, pela animosidade entre o casal, pelo ressentimento decorrente de agressões e traições, pela fome, desemprego e abandono e pela vergonha.
“Ela saiu de casa, vive com um estranho para o menor e a mim nem me deixa ver o filho”.
“Anda vestida com roupas caras, anda no automóvel do amante e ainda tem a lata de me pedir alimentos. Ainda se fosse para o meu filho ...”
“Dou o que for preciso, mas não lhe dou a ela. Que trabalhe.”
Qual a melhor postura dos magistrados, pergunta-se.
Em primeiro lugar, tem de haver tempo e este aspecto é por demais importante.
Em segundo lugar, não podemos encarar as conferências de pais como meras diligências a despachar antes dos julgamentos.
É importante procurar estimular o diálogo entre o casal, pois muitas vezes não tiveram oportunidade de falar um com outro até à conferência de pais.
Não se devem forçar as vontades, mas deve-se chamar a atenção.
Os advogados devem desempenhar aqui um papel tão ou mais importante que o do tribunal.
É importante não esquecer, por outro lado, que na maior parte das vezes a instância judicial não é solicitada a intervir como árbitro de uma disputa, mas sim como instância formalizadora de uma determinada situação previamente definida.
Não existindo ainda, na prática, nas comarcas a mediação familiar, importa aqui salientar que muitos dos processos de regulação do exercício do poder paternal se iniciam por requerimento do Ministério Público, na sequência de atendimento ao público.
A importância do atendimento ao público é de salientar, pois aí se estabelece o primeiro contacto com o tribunal. Por outro lado, regra geral, só um dos pais vem ao tribunal, pelo que há que ter o cuidado de não adoptar desde logo uma perspectiva parcial, isto no que diz respeito ao Ministério Público.
Na verdade, são frequentes as mentiras para se obter desde logo a confiança provisória, conhecendo nós um caso de uma senhora que chegou a engessar um braço para alegar maus tratos e pedir a confiança imediata do menor.
Deve o Ministério Público, nesses casos, procurar dotar-se de alguns elementos de prova, como, por exemplo, informação discreta de técnico de serviço social, relatório social urgente, ainda que abreviado, não devendo logo pedir a entrega do menor a um dos progenitores, salvo situações justificadas, devendo antes descrever a versão que obteve, mas pedindo antes a realização de conferência de pais urgente.
O requerimento do Ministério Público deve ser imparcial, sob pena de suscitar a desconfiança do outro progenitor e violar a igualdade de armas.
O atendimento ao público por parte do Ministério Público é um espaço privilegiado, que poderia ser rentabilizado como espaço de mediação, em situações justificadas.
Mas o certo é também que a mediação não é papel do Ministério Público, nem se vê que o mesmo esteja habilitado a tal. Poderia era encaminhar os casais para a mediação familiar.
A nosso ver, porém, a organização judiciária actual encontra-se ultrapassada. É incrível que ainda se imponha a intervenção em primeira linha do tribunal, na ausência de acordo. O tribunal, por diversas razões, não é um espaço adequado para o efeito.
Solução interessante é a que resultou do art. 14º do Dec. Lei n.º 272/01, de 13.10.
Recebido o processo de divórcio por mútuo consentimento da conservatória de registo civil, o Ministério Público pode propor diferente regime de regulação do exercício do poder paternal, que, a ser acolhido, impede a remessa dos autos ao juiz.
Importante é que a proposta do Ministério Público seja feita no confronto de ambos os progenitores, procurando, até onde lhe for possível, o consenso dos pais. Tal deverá ser feito em processo administrativo interno e não na própria acção de divórcio, pois nesta só há lugar a formalização da proposta do Ministério Público.
Deve é procurar evitar-se que com as sucessivas propostas se crie morosidade processual.
Deve existir uma única proposta, para o que se pressupõe uma recolha, rápida, embora suficiente, de elementos que habilitem o Ministério Público a elaborar tal proposta.
Em caso de incumprimento já o juiz intervém em primeira linha, devendo a questão ser decidida em acção a instaurar para o efeito, instruída com certidão do acordo relativo ao regime de regulação do exercício do poder paternal – não é necessário nem conveniente requisitar o processo de divórcio á Conservatória de Registo Civil.
Quanto ao regime de regulação do exercício do poder paternal, são três as questões a decidir:
o destino do menor;
o regime de visitas; e
a fixação de alimentos devidos ao menor e a forma de serem prestados
( arts 1911º, 1878º e 2003º e segs do Cód. Civil ).
Tais questões deverão ser decididas à luz do interesse superior do menor, princípio este que tem consagração no art. 69º da Constituição da República Portuguesa, art.s 1878º, nº 1, 1905º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil e art.s 3º, 9º, 18º, 20º, 21º, 37º, alª c), e 40º, n.º 2, alª iii), da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
A pedra de toque fundamental em matéria de regulação do exercício do poder paternal é precisamente o interesse superior do menor.

I. O destino do menor
Regra geral, os requeridos neste tipo de acções encontram-se separados, não vivendo nem pretendendo viver juntos.
Põe-se assim a questão de saber quem, em tal situação, deve ficar com a guarda do menor.
Existindo acordo entre os requeridos nesta matéria, afigura-se-nos que se deverá respeitar tal acordo, desde que conforme ao superior interesse da criança ou menor.
Seguindo o critério preconizado, o menor deve ser entregue ao progenitor que mais garantias dê de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e lhe possa prestar maior assistência e carinho.
O menor deve ser entregue ao progenitor que ofereça melhores garantias de assegurar o crescimento no meio social e familiar em que o menor se encontra bem inserido, proporcionando-lhe o desenvolvimento harmonioso, o que não tem necessariamente a ver com conforto, comodidade e acesso a tecnologias ou outros recursos.
Tem-se seguido o critério quase objectivo, no que respeita a crianças em idade de amamentação, de que devem ser as mesmas confiadas à mãe. Tem-se entendido que não devem, salvo circunstâncias excepcionais, ser separadas da mãe – diz-se: o bom relacionamento afectivo da criança com o pai e família deste não se sobrepõe, por si só, aos benefícios normalmente resultantes da assistência materna em termos regulares.
Ultrapassada que seja a fase de amamentação, em que, por razões fisiológicas, a figura paterna se apaga perante a materna, esbate-se, na situação actual, em que o homem e a mulher repartem entre si os encargos do lar e o tratamento dos filhos, o entendimento de que a mulher cuida sempre melhor do que o homem dum filho de tenra idade.
E a situação a considerar é aquela que se verifica no momento em que o tribunal é chamado a pronunciar-se, embora não seja de pôr totalmente de parte os factos anteriores que poderão intervir como coadjuvantes a uma correcta decisão.
É, porém, por vezes muito complexo na sociedade actual, em permanente mutação, definir em cada caso qual é e onde se situa o interesse do menor que se encontra sujeito ao poder paternal.
Podemos aqui perguntar se existe uma ética dominante e a existir se o interesse em causa deve atender ao que tal ética preconiza.
Podemos perguntar também se não deve intervir aqui uma ideia de necessário respeito pela diferença, de pluralismo democrático.
Ou, afinal, estamos numa sociedade do desenrasca, não havendo propriamente uma nova ética, aliás, não existe é ética nenhuma.
Diga-se o que se disser, há princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados.
E o interesse superior do menor não é algo que deva ser só visto à luz da ética, seja ela qual for. A ciência é certa e segura e ela deve ser aqui chamada a intervir, quando necessário.
Não devemos confundir a discussão a respeito de uma nova ética com a questão a decidir nestas acções de regulação do exercício do poder paternal.
Não devemos impor uma nova ética, mas não podemos ser acríticos.
Parece-nos que há aspectos que são manifestamente prejudiciais aos menores e tais riscos devem ser combatidos com determinação e, se necessário for, com coerção.
É importante a intervenção na família, por forma a reabilitá-la, mas a tal pretexto não se deve procurar impor uma visão própria do mundo. Tem de haver um espaço de liberdade de decisão.
Muitas vezes, porém, é difícil isolar a questão do interesse superior do menor de outras questões, de que se deu exemplo.
Em Portugal não há casamento de homossexuais e estes não podem adoptar em conjunto. Mas invocar tais argumentos para denegar uma confiança de um filho a um pai, mais idóneo que a mãe ou havendo acordo dos progenitores, é um erro.
Não podemos esquecer, porém, que a comunidade ainda lida mal com tais realidades. Mas a comunidade não tem direitos sobre o menor, apenas um interesse... Penso, no entanto, que aqui, como noutros “sítios”, se podem encontrar situações que ultrapassam o direito à diferença para se converterem em motivo de intervenção, para o que basta recordar os inúmeros casos de pedofilia que têm surgido.
Pergunto se a confiança a um membro de casal homossexual de um menor seu filho é ou não, em abstracto, consentida por lei. Note-se que se tem relevo legal a união de facto independentemente do sexo, já não é admitida a adopção conjunta por homossexuais.
Penso que não existe obstáculo legal a tal confiança. Mas também penso que não existe um direito a educar para a homossexualidade ( com o que não defendemos que a homossexualidade se deva analisar segundo a perspectiva conhecida de “homossexualidade por tendência – homossexualidade por perversão”, que nos parece limitada ).
E nessa medida, penso que importará fazer um estudo da situação, até pelo seu melindre objectivo. Não digo que se deva intervir necessariamente, através de processo de promoção e protecção. O que digo é que o tribunal deve decidir de forma esclarecida e esclarecedora.
Podemos aqui referir um caso que conhecemos de uma menor confiada a uma mulher prostituta de estrada, sua avó, menor essa que foi educada exemplarmente, frequentou a catequese da sua paróquia, chegou a chefe de acólitos e tirou curso universitário, sendo cidadã exemplar. Isto para concluir que o tribunal não deve cair na tentação de impor qualquer ética, mas antes e apenas deve preocupar-se em fazer vingar o interesse superior do menor.
Mais uma vez sublinho, para terminar, os benefícios da guarda conjunta do menor, solução esta, porém, que pressupõe alguma estabilidade relacional.

II. O direito de visitas
O exercício do poder paternal por parte do progenitor que detém a guarda do menor não é exclusivo - porque deve respeitar o direito de visita do outro progenitor -, nem totalmente discricionário - porque é por este fiscalizado.
O regime de visitas é estabelecido no processo de regulação do poder paternal, determinando-se os períodos de tempo em que o progenitor, que não detém a guarda do filho, poderá estar com ele.
Quanto a este particular aspecto, importa salientar a importância de que o progenitor que não tem a guarda comparticipe no processo de desenvolvimento do seu filho, não devendo o outro levantar qualquer obstáculo ao exercício do direito de visitas.
É também importante a interacção do menor com os seus irmãos, que só através do direito de visitas muitas vezes se pode alcançar.
Dever-se-á estimular o progenitor que não tem a guarda a assumir as suas responsabilidades parentais, o que terá de passar pelo seu envolvimento no processo de crescimento do menor, designadamente estimulando-o a levá-lo consigo e a apresentá-lo aos seus irmãos, se estiverem separados.
O não exercício do direito de visitas é um verdadeiro incumprimento. Na verdade, estamos perante um direito-dever.
Por vezes, porém, o seu exercício é demasiado oneroso, como será o caso de o progenitor que tem a guarda residir no estrangeiro e o outro não dispor de capacidade económica para poder suportar os custos da viagem e estadia.
Nestes casos, na ausência de apoios de outro género, deve o tribunal, se necessário, intrometer-se na forma como são agendadas as férias do progenitor que detém a guarda, por forma a permitir o convívio do menor com o outro progenitor. Como fazê-lo, perguntar-se-á. A nosso ver, em certos casos poder-se-á falar de verdadeiro incumprimento por parte do detentor da guarda, a apreciar em sede de incidente de incumprimento, com todas as consequências legais aí previstas.
Na maior parte das vezes, conseguem-se regular estes casos através da entrega do menor ao pai, nas férias daquele ou em parte das mesmas, custeando ambos os progenitores metade das despesas de viagem ou ficando tais despesas a cargo do progenitor que tem o direito de visitas. Outras vezes, estabelece-se que sempre que o progenitor que tem a guarda venha a Portugal deverá disso dar conhecimento ao outro progenitor, para que exerça o seu direito.
E, na verdade, só excepcionalmente, quando do relacionamento do menor com o progenitor resultar um irreparável ou grave prejuízo para o primeiro, poderá deixar de se fixar o regime de visitas.
“Não pode lá ficar porque a casa do pai não tem um mínimo de condições de habitabilidade, pois é uma barraca que nem quarto de banho tem”, dizia a mãe do menor num processo que tivemos. Nestes casos é importante que o tribunal não só sensibilize o pai para que obtenha melhores condições de vida como também que tome a iniciativa de despoletar os mecanismos de apoio necessários, como por exemplo através da Segurança Social.
A problemática do alcoolismo está também muitas vezes presente nos incidentes de incumprimento em sede de visitas. E, na verdade, assiste à mãe o direito de recusar a entrega do menor constatando que o pai se encontra embriagado.
Havendo rejeição de um dos progenitores por parte do menor, como acontece em casos de anos de abandono e ausência, ganha todo o relevo a realização de exames médico-psicológicos, pois no seu âmbito serão melhor equacionadas as razões daquela atitude e a possibilidade de as superar.
Neste ponto não podemos deixar de referir aqui o douto Acórdão da Relação do Porto, de 26-03-1998, in CJ 1998, T. 2, p. 218, segundo o qual não deve o pai, separado de facto de sua mulher, apesar de se encontrar em prisão preventiva por factos relacionados com a morte do seu sogro, ser privado da visita do filho menor, com quem mantinha boa relação. Segundo tal arresto, as visitas, a acertar com o Director do Estabelecimento Prisional, serão acompanhadas por técnico do Instituto de Reinserção Social, que lavrará relatório, para processo, do que se considerar relevante para eventual alteração do seu regime.
O regime de visitas não pode, pois, ser visto à luz de um pretenso direito dos pais ou dos seus interesses, mas antes numa perspectiva de satisfação do interesse real do filho. O direito de visita é, fundamentalmente, um direito subjectivo clássico do menor, seu único titular activo, um verdadeiro direito de personalidade, com assento no art. 36º, n.º 6, da Constituição da República.
Assim, será de manter a convivência diária entre o pai e o filho, à hora do almoço, no intervalo da escola primária, com condução a cargo do pai, designadamente quando a mãe, a cuja guarda o filho se encontra, sai de casa de manhã só regressando pelas 22 horas.
Fala-se hoje em “responsabilidades parentais acrescidas” em caso de separação ou divórcio e recomenda-se aos progenitores:
.que não envolvam os filhos nas disputas que têm;
.que estimulem a relação do filho com o outro progenitor e ambas as famílias alargadas;
.que entreguem o filho ao outro progenitor no caso de férias ou ausências e não a terceiros;
.que facilitem o contacto telefónico do filho com o outro progenitor;
.que seja entregue ao menor toda a correspondência e prendas do outro progenitor;
.que se valorize sempre ( ou, pelo menos, que não se desvalorize ) o outro progenitor;
.que não se permitam críticas na presença dos filhos em relação ao outro progenitor;
.que se facultem ao outro progenitor todas as informações escolares e de saúde;
.que haja participação conjunta dos pais nas idas ao médico e às reuniões da escola;
.que se avise o outro progenitor do evoluir das situações (ex.: novas consultas, resultados de exames médicos, etc. );
.que se consulte o outro antes de se decidir;
.que se facultem informações ao outro progenitor a respeito da escola, desporto, etc.; e
.que não se marquem actividades nos fins-de-semana em que o menor vai para o outro progenitor.

III. Sustento
Os pais devem prover ao sustento dos seus filhos menores.
Isso implica que os progenitores são responsáveis por todas as despesas ocasionadas pela educação, alimentação, saúde, vestuário e instrução dos seus filhos menores, ou, melhor dizendo, pelas despesas ocasionadas pelo crescimento e desenvolvimento dos mesmos, em todos os seus aspectos.
Essa é, aliás, a noção que a lei dá de «alimentos» no art. 2003º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil.
O termo corrente na doutrina e na jurisprudência é de «obrigação alimentar». No entanto, nota-se a tendência para substituir essa expressão por outra, com um significado mais semelhante ao de sustento: assim, na doutrina francesa fala-se de «obligation d’entretien» e as publicações do Conselho da Europa sobre o assunto aconselham a mudança da terminologia, nesse sentido.
Parece indubitável que os pais devem proporcionar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus.
Devem, além disso, os pais, porfiar, na medida do possível, por terem uma situação económica estável, não só por eles próprios, mas também pelos seus filhos.
Compreende-se que o critério do julgador seja mais apertado em relação aos alimentos devidos aos filhos, onde repugna menos estimular mais fortemente a capacidade de trabalho dos pais, forçá-los à alienação de bens ou a apertar o cinto conjuntamente com os filhos ( cfr. Antunes Varela, Direito da Família, p. 341 ).
Os alimentos encontram-se sujeitos a actualização, devendo fixar-se o critério respectivo na sentença.
Por vezes fixa-se o aumento por indexação à taxa de inflação, outras vezes por indexação aos aumentos da função pública e outras vezes em função dos aumentos no vencimento.
A indexação aos aumentos da função pública tanto pode ser um bom critério como um mau critério, tudo dependendo do facto de os aumentos compensarem ou não a taxa de inflação, o que nem sempre sucede.
A aplicação da fórmula:
Salário ( do devedor ) de Janeiro do ano a actualizar : salário de Janeiro do ano anterior x pensão de alimentos do ano anterior = pensão actualizada
pode a dada altura tornar-se demasiado onerosa para o devedor de alimentos.
O critério da fixação da actualização em função da taxa de inflação também esquece certos produtos que não entram no cabaz para cálculo de tal taxa.
De qualquer das formas, deve sempre procurar-se um critério que seja o mais adequado à situação dos pais.
Assim, não faz sentido o critério da actualização da pensão em função do aumento dos salários da função pública quando o pai trabalha numa empresa privada que lhe aumenta o salário de forma mais generosa.
Por outro, lado, pode o pai trabalhar no estrangeiro, devendo então o critério ser o mais conforme ao nível de vida em tal país.
E poder-se-ão peticionar juros de mora em execução de alimentos se no acordo de regulação do exercício do poder paternal não foi fixada a obrigação de os pagar em caso de mora ? Tem-se defendido duas teses, uma negativa e outra afirmativa. Por exigências de tempo não abordaremos tal questão, até porque não é uma questão propriamente dita de direito de menores. Todavia, é recomendável, face à tese mais restrita, fixar tal obrigatoriedade nos acordos mediados pelo tribunal.
Já os juros compulsórios são líquidos, à luz do art. 829-A, n.º 4, do Cód. Civil, o qual estabelece que «Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos...».
Nesta sede importa desde já advertir para o facto de que não se deve recorrer à Associação Portuguesa para o Serviço Social Internacional só para apurar a situação económica do devedor de alimentos. Outras soluções existem, como por exemplo as convenções bilaterais e a Convenção de Nova Iorque, sendo também possível solicitar a elaboração de relatório social ao Consulado competente, o qual, porém, só o poderá fazer com a anuência do visado.

III. a). Medida dos alimentos
Decorre do art. 2004º do Cód. Civil que a medida dos alimentos será determinada pelas seguintes condições:
1º. necessidade do alimentando;
2º. possibilidade do obrigado; e
3º. possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Nos termos da lei, é necessário que o obrigado tenha excedentes dos seus rendimentos sobre as suas despesas necessárias para que seja condenado a pagar uma pensão alimentícia até ao montante daquele excedente ( cfr. Vaz Serra, in B.M.J., 108, pág. 105 a 106 ). Todavia o obrigado à prestação de alimentos deve sacrificar, na medida do razoável, o seu próprio capital, se for necessário ( cfr. Vaz Serra, artigo citado, pág. 112 ).
Em caso de doença do menor, deverá o requerido contribuir para o pagamento de metade das despesas de saúde, desde que devidamente comprovadas.
Na determinação das necessidades do menor deverá atender-se ao seu padrão de vida, ao ambiente familiar, social, cultural e económico a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos.
Também aqui deve intervir o princípio do interesse superior do menor, que poderá, em situações extremas, impor ao menor uma contenção de gastos...

III.b). Modo de prestar os alimentos
Em regra os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais (art.º 2005º, n.º 1, do Cód. Civil ). Mas não há que fixar a prestação alimentícia em mais de 12 ( doze) prestações anuais ( cfr. Acórdão in Colectânea de jurisprudência, Ano IV, 1979, T. 3, págª 779). Além do mais, é na fixação dos alimentos que se devem levar já em consideração as despesas acrescidas que o progenitor que pagará os alimentos terá de suportar nos períodos em que tenha o menor consigo, não fazendo sentido isentá-lo depois do pagamento no período de férias do menor em que fica com tal progenitor.
Afigura-se-nos também conveniente que os alimentos sejam prestados por meio de cheque, vale postal ou contra recibo até ao dia 8 de cada mês, por forma a evitar conflitos no que respeita à prova do seu pagamento. O desconto no salário, pelo seu caracter estigmatizante, em princípio só deverá ser ordenado em situações que o justifiquem, designadamente após o incumprimento.

III. c). A garantia de alimentos
Recentemente foi criado o regime de garantia de alimentos, regime este que consta da Lei n.º 75/98, de 19.11, e Dec. Lei n.º 164/99, de 13.05, diplomas estes que pressupõem ainda o que fixa anualmente o valor do salário mínimo nacional, que neste momento é de 348, 01 €.
Quanto a este regime, várias questões têm surgido:
Pode ou não fixar-se uma prestação a suportar pelo fundo de garantia de alimentos quando o progenitor que não tem a guarda, por ser indigente, não pode ser condenado a prestar alimentos ?
Deve ou não demonstrar-se a impossibilidade de demanda prévia dos obrigados subsequentes referidos no art. 2009º do Cód. Civil ?
Sendo demandados estes devê-lo-ão ser em acção de alimentos apensa à Acção de Regulação do Exercício do Poder Paternal ou poderão ser citados nesta última acção para uma conferência nos termos do art. 177º da OTM ?
Pode ou não fixar-se uma prestação superior à fixada ao progenitor que não tem a guarda quando a mesma prestação deva ficar a cargo do referido fundo ? E existirá depois sub-rogação legal também nessa parte ?
Pode o Fundo ser condenado a suportar os alimentos depois da maioridade do menor, designadamente nos casos do art. 1880º do Cód. Civil ?
Quando no art. 3º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 164/99, de 13.05, se diz que as prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, quererá mesmo dizer por cada devedor ? E se o mesmo devedor tiver 10 ( dez ) filhos em situação de necessitarem de apoio do Fundo ?
Assiste ou não ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social direito de queixa pelo crime de violação da obrigação de alimentos p. e p. pelo art. 250º do Cód. Penal, quando fique sub-rogado ?

Quanto à primeira questão invoca-se a letra da lei, pois que, o art. 1º da Lei n.º 75/98, de 19.11, refere-se, de forma expressa, a pessoa judicialmente obrigada e utiliza-se a expressão até ao início do efectivo cumprimento da obrigação. Acrescenta-se ainda que no art. 3º, n.º 1, da mesma Lei se refere de forma expressa o requerer nos respectivos autos de incumprimento, sendo ainda acrescentado o facto de a sub-rogação legal só existir dentro dos limites da condenação do progenitor e o facto de para os excluídos do regime se poder aplicar outro tipo de regimes, como por exemplo o do rendimento mínimo garantido.
Não temos esta perspectiva, pois a vingar a mesma ter-se-ia de considerar tal interpretação inconstitucional por violação do princípio da igualdade de tratamento ( cfr. Art. 13º da Constituição da República ).
Na verdade, seria um absurdo excluir do âmbito de aplicação da lei os casos em que mais se justifica a sua aplicação, como são os casos dos indigentes, que não podem ser condenados a pagar uma prestação de alimentos.
Além do mais, no art. 2º da lei n.º 75/98, de 19.11, manda-se tão-só atender à prestação de alimentos fixada, o que tira o carácter determinante à sua fixação prévia.
Aliás, se o judicialmente obrigado a pagar alimentos vier provar a sua impossibilidade futura, pedindo a cessação da obrigação de pagar os alimentos, ficará, só por força daquele argumento formal, arredada a possibilidade de recorrer ao regime em causa ? Pensamos que não, até porque no preâmbulo do diploma se refere expressamente que “De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais”.
Além do mais, por força de tal princípio da igualdade dever-se-á interpretar a lei de forma que atenda ao seu espírito e não apenas com base no argumento literal da interpretação.
Já não consideramos, porém, que seja violadora do princípio da igualdade a norma do art. 3º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 164/99, de 13.05, dado que não se exclui ninguém do regime, apenas se limita o valor a pagar. Porém, em situações de famílias verdadeiramente numerosas pode gerar-se uma desigualdade flagrante, que deverá impor uma correcção da lei, pelo menos no sentido de que o legislador pressupôs uma família média ou ideal.
Também entendemos que a Segurança Social só é obrigada a pagar alimentos devidos a menor por progenitor com rendimento não superior ao salário mínimo nacional até que este perfaça os 18 anos, estando fora os casos de alimentos devidos a maiores de 18 anos previstos no art. 1880º do Cód. Civil – neste sentido o douto Ac. Rel. Porto, de 02.04.2001, in CJ 2001, t. 2, p. 195.
Quanto à demanda prévia dos obrigados do art. 2009º do Cód. Civil, afigura-se-nos a mesma imperiosa, até porque a família deve responder em primeira linha e a obrigação do Estado é residual.
Estes devem ser demandados em acção de alimentos ou a regulação do exercício do poder paternal pode prosseguir em relação aos alimentos contra eles nos termos do art. 325º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.
A acção de alimentos pode ser intentada, correndo por apenso.
Quanto à fixação de uma prestação superior à judicialmente fixada, pensamos que quando a lei manda tão-só atender à prestação fixada permite que sendo o Estado a pagar se fixe uma prestação, dentro do limite estabelecido, mais consentânea com o princípio da dignidade humana. Não haverá é sub-rogação nessa medida.
Quanto ao direito de queixa, afigura-se-nos que manifestamente não é o mesmo consentido pelo disposto no art. 113º do Cód. Penal.

1 comentário:

  1. Sobre a matéria e no sentido do exposto, posso mencionar os acórdãos seguintes:
    - Ac. Rel. Porto, de 23.02.06, in www.dgsi.pt;
    - Agravo n.º 926-02, do Tribunal da Relação de Coimbra (relatora: Desembargadora Maria Regina Rosa ).

    Ao longo dos diplomas relativos ao Fundo de Garantia de Alimentos confrontamo-nos com uma prestação de alimentos ficcionada na medida em que as condições económicas do devedor deveriam ter determinado a cessação da obrigação de alimentos, que não é declarada apesar de estar comprovada, mantendo, ainda que sem suporte na realidade, uma obrigação de alimentos que só formalmente é substitutiva, pois está a substituir uma obrigação de alimentos que ou não podia ter sido fixada ou deveria ter cessado por falta de meios do devedor para a suportar.

    Concluindo: nada impede que o Fundo pague em substituição de progenitor que não pode ser condenado a pagar alimentos por impossibilidade económica devidamente comprovada.

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