sexta-feira, 23 de maio de 2008

VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRACÇÃO

Acórdão do STJ de 02-04-2008

 ROUBO/ FURTO /VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRACÇÃO/ CONCURSO APARENTE/ CONSUMPÇÃO/ ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA/ PENA ÚNICA/ RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME/ SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA/ APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO/ REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL



I - No crime de violência depois da subtracção, também denominado de roubo impróprio, protegem-se os mesmos bens jurídicos tutelados no crime de roubo. De facto, entendeu-se que se deviam equiparar as situações em que a violência (em sentido amplo) é meio para subtrair ou constranger à entrega de uma coisa móvel alheia e aquelas em que constitui meio para conservar ou não restituir o objecto. Trata-se, assim, da defesa do bem furtado através dos meios do roubo. O presente tipo legal consome o furto praticado e a coacção (violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir para se conservar o objecto furtado), unindo o conteúdo do ilícito dos dois crimes (neste sentido S/S/Eser § 252 1); consome ainda as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, nos mesmos moldes que o crime de roubo (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 193).
II - Resultando da matéria de facto apurada que:
- o arguido MS e outros indivíduos furtaram um automóvel, dirigiram-se à ourivesaria L, estroncaram o aro da porta principal, introduziram-se no estabelecimento, retiraram os objectos em ouro e, porquanto se tivessem aproximado algumas pessoas que se encontravam na área, alertadas pelo barulho, um dos indivíduos que se encontrava ao volante de um dos veículos automóveis efectuou um disparo, para o ar, com a arma de caça ou caçadeira que detinha, de forma a evitar a aproximação dessas pessoas;
- os referidos arguidos, depois de terem feito deles os referidos objectos, quiseram usar, e usaram, de violência contra aqueles que os surpreenderam para dessa forma lograrem conservar, como conservaram, aqueles objectos;
- acertaram entre si, os arguidos MS, JC, G, JM, FS, M, e CA, que estariam munidos de armas de fogo e respectivas munições, admitindo todos poderem utilizá-las, quer exibindo-as, quer efectuando disparos, nomeadamente se se verificasse uma situação de resistência por parte das pessoas visadas com as suas actuações ou por parte de agentes da autoridade ou como forma de facilitarem a execução do crime projectado ou perante perigo iminente;
conclui-se, como na decisão sob recurso, que se verificam todos os elementos do tipo estabelecido no art. 211.º do CP - violência depois da subtracção.
III - Já no que respeita ao excerto da factualidade assente que envolveu a actuação na ourivesaria M[nesse mesmo dia, os arguidos MS, JC, MG e dois outros indivíduos lograram aceder ao interior do veículo automóvel, colocá-lo em marcha, e dirigiram-se à Ourivesaria M; todos usavam máscaras e alguns empunhavam espingardas caçadeiras; uma vez ali, o arguido MS e os dois indivíduos cuja identidade se não apurou saíram da viatura, deram um tiro para o ar, e entraram na referida ourivesaria, tendo, de imediato, ordenado à funcionária e a uma cliente da mesma para que entrassem numa casa de banho ali existente, o que estas fizeram, após o que aqueles fecharam a respectiva porta (tendo as mesmas saído da casa de banho no final do assalto) e retiraram e fizeram deles inúmeros objectos em ouro no valor de 47.744,31, em prata, no valor de 1.275,12, e vários relógios avaliados em 1.184,71; os arguidos quiseram cercear a liberdade das ofendidas obrigando-as a permanecer contra a sua vontade fechadas na casa de banho, enquanto e pelo tempo estritamente necessário para subtraírem, como efectivamente subtraíram, os mencionados objectos da ourivesaria; após abandonarem a ourivesaria, um dos aludidos arguidos ou indivíduos não identificados, disparou vários tiros na direcção deste estabelecimento e bem assim do Café M, atingindo a estrutura de alumínio de uma janela exterior, partindo o vidro respectivo, furando a parede ao fundo do balcão e atingindo um relógio de parede ali colocado; seguidamente, puseram-se em fuga], e que fundamentou a condenação dos arguidos pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao disposto no art. 204.º, n.º 2, als. a), f) e g), do CP, e de um crime de violência depois da subtracção p. e p. pelo art. 211.º do mesmo diploma legal, se impõe concluir pela não verificação deste último ilícito, pois a matéria de facto dada como provada não revela com nitidez se, após os arguidos abandonarem a ourivesaria, alguém os terá encontrado em flagrante delito, e neste caso quem, nem que pessoa foi visada pela violência dos arguidos - sendo certo que a utilização dos meios previstos no art. 210.º do CP (violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir) tem que visar, necessariamente, uma ou mais pessoas , nem, ainda, em que medida a actuação deles se destinava a conservar ou não restituir as coisas subtraídas.
IV - De qualquer modo, o crime de violência depois da subtracção só se pode verificar na sequência de um crime de furto e não de um crime de roubo ou de qualquer outro. Entendimento diverso colidiria com o princípio da tipicidade, sendo certo, ainda, que não faria sentido aplicar as penas do roubo ao autor de um crime de roubo, já que, por esse facto, a elas já está sujeito - cf. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., pág. 772, e, em sentido contrário, Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 198.
V - O crime de violência depois da subtracção entra numa relação de concurso aparente com o furto, qualificado ou não, que tiver ocorrido. Esta relação será de consunção, uma vez que na previsão do art. 211.º do CP já está acautelada a protecção tanto do bem jurídico patrimonial como dos bens jurídicos pessoais atingidos com os meios violentos.
VI - O instituto da atenuação especial da pena só é aplicável relativamente às penas singulares, não o sendo quanto às penas únicas, sob pena de eventual duplicação da valorização de circunstâncias atenuantes - cf. Ac. deste STJ de 07-03-2005.
VII - Sendo o demandado civil co-autor de um crime de violência depois da subtracção é o mesmo responsável pelo pagamento da indemnização fixada pelos danos emergentes do crime, ainda que se não tenha apurado qual dos co-arguidos foi o autor do disparo que atingiu o ofendido.
VIII - O regime de suspensão da execução da pena previsto no art. 50.º do CP na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, é claramente mais favorável do que o anterior, desde logo porque veio possibilitar a aplicação do instituto em casos em que a lei anterior não permitia (condenações em pena de prisão até 5 anos, quando, na redacção anterior, a suspensão de execução da pena de prisão estava prevista para penas aplicadas em medida não superior a 3 anos), estando sujeito à disciplina do art. 2.º, n.º 4, do CP.

Proc. 07P803

Relator:  SORETO DE BARROS


 

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