quinta-feira, 14 de junho de 2007

Resistência e Coacção sobre Funcionário

O tipo de ilícito do artigo 347º do Código Penal, na redacção de 1995 (que se manteve com a revisão de 1998), cuja epígrafe é “resistência e coacção sobre funcionário” prevê que: quem com violência ou ameaça grave contra membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, se opuser a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, é punido com pena de prisão até 5 anos.

O texto deste normativo resulta da revisão do Código Penal levada a efeito pelo Decreto Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

Corresponde, com algumas alterações de forma e outras de fundo, à redacção do n.º 1 do artigo 384º da versão originária do Código Penal, que correspondia ao n.º 1 do artigo 414º do Projecto da Parte Especial de Código Penal de 1966.

Além da epígrafe “coacção de funcionários” que passou a ser “resistência e coacção sobre funcionário”, as alterações foram as seguintes: incluíram-se as forças de segurança; em vez de acto relacionado passou a constar acto relativo; a moldura penal foi agravada e foi eliminado o n.º 2 do artigo 384º que qualificava o n.º 1 quando a violência ou a ameaça grave produzisse o efeito querido.

Dúvidas não ficam de que é este um crime comum, na medida em que o vocábulo “quem” indica que qualquer pessoa pode praticar este delito.

O mesmo se não diga relativamente aos elementos objectivos do ilícito “violência” e “ameaça grave”.

O bem jurídico que a lei quis proteger com esta incriminação é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aqueles agentes. Importa dilucidar se o âmbito de protecção desta norma abrange a tutela da integridade física e a liberdade pessoal dos mesmos, como bens pessoais.

Na vigência da versão originária do Código Penal, foi proferido um acórdão que preconizava que “o réu que, através de distintas condutas, agride outrem a murro, recusa identificar-se quando intimado para tal por agente de autoridade e, pretendendo impedir que este o conduza à esquadra, lhe dá uma cabeçada no rosto, comete três crimes: ofensas corporais, desobediência e resistência. No que concerne a estes dois últimos crimes são diversos os interesses titulados: no primeiro, o interesse administrativo do Estado em que as ordens legítimas dos seus agentes sejam obedecidas, no segundo, o interesses do Estado contra a oposição violenta ao livre exercício das funções dos agentes. Cometido o crime de resistência, previsto no artigo 384º do Código Penal, através de ofensa corporal a agente de autoridade no exercício das suas funções – ilícito previsto no artigo 385º, n.º1, com referência ao artigo 142º, n.º1 do mesmo código – deve o seu autor ser punido pela disposição de que resulte pena mais grave e, assim, melhor assegure a defesa dos interesses protegidos” – sublinhado nosso – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 345, 235].

Da leitura das Sessões 35º e 50º das Actas e Projectos da Comissão de Revisão do CP [Ministério da Justiça, Lisboa, 1993] conclui-se, como aliás conclui Maia Gonçalves [Código Penal Anotado e Comentado e Legislação Complementar, 10ª edição, p. 891] em anotação àquele preceito, que “a revisão […] eliminou ainda dispositivos correspondentes aos artigos 385º (ofensas a funcionário) e 387º […] da versão originária. […] entendeu-se que se tornava desnecessário, em virtude da previsão dos artigo 132º, nº2 alínea h) – hoje j) –; 142º, nº 2; 158º, nº 4 e 184º”.

Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 1999, tomo II, p. 193, diz que: “[…] não abrangendo, por isso, a tutela da integridade física dos mesmos, como bem pessoal. A protecção da integridade física do funcionário agente de autoridade […] passa a ser prosseguida nos termos do artigo 143º e seguintes do Código Penal (Reforma de 1995), com a possível qualificação resultante do disposto no artigo 146º, n.º 2, referido ao artigo 132º, n.º 2, actual alínea j) do mesmo código”.

Todavia, o meio de execução deste crime é a violência ou ameaça grave, deste jeito, apenas se prefigura a possibilidade de concurso efectivo real entre o crime de resistência e coacção sob funcionário e o crime de ofensa à integridade física ou ameaça quando o último exceda a medida da necessidade para a prática do primeiro. De outro modo, esvaziar-se-ía o conteúdo do elemento objectivo do ilícito “violência” ou “ameaça grave”.

Assim, não obstante a alteração legislativa, perfilha-se a posição do primeiro acórdão citado, no sentido de que existe uma relação de consunção entre os tipos de ilícito “resistência e coacção sobre funcionário” e “ofensa à integridade física”; em uma relação de consunção “[…] o preenchimento de um tipo legal (concretamente mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (concretamente menos grave)” [José de Faria Costa, Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal – o Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Centro de Estudos Judiciários – Fase I – p. 178].

Os bens jurídicos integridade física e liberdade são protegidos no tipo de ilícito “resistência e coacção sobre funcionário” de modo reflexo, ou secundário, sendo certo que o bem primeiramente protegido é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança.

Mais se acrescente que, e fazendo aqui um paralelo com o tipo de ilícito “coacção” p. e p. pelo artigo 154º do Código Penal, nunca a jurisprudência entendeu que existisse concurso efectivo entre a prática deste ilícito e a ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal, integrada pela violência, ou a ameaça p. e p. pelo artigo 153º do Código Penal, integrada pela ameaça com mal importante. Pois que, quer a violência, quer a ameaça com mal importante, sempre se consideraram um meio para atingir um fim: a coacção.

Uma outra questão: tendo por assente que são vários os sujeitos a que o arguido resiste, quantos crimes de resistência e coacção sobre funcionário comete? Tantos quantos os sujeitos a que o arguido resiste? Ou apenas um, independentemente, do número de sujeitos a que o arguido resiste?

Ainda que seja um número determinado de sujeitos, que o arguido representa como tal, afigura-se que comete apenas um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na medida em que os actos de resistência do arguido visam a oposição à autoridade manifestada na liberdade de actuação do(s) seu(s) funcionário(s) ou membro(s) das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança que pratique(m) acto relativo ao exercício das suas funções. Assim, um grupo de membros das forças de segurança, com a verbalização de um determinado comando, visa um determinado fim, a resistência dirige-se à consecução dessa finalidade, sendo certo que se viola o bem jurídico protegido na norma, independentemente do número de sujeitos a que o arguido resiste.

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