sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Escritura de dissolução de sociedade – crime de falsificação do art. 256.º, n.º 1, al. d), do Código Penal

Acórdão da Relação de Coimbra, de 20-12-2011

Processo: 40/08.1TAPNH.C1

Relator: ISABEL VALONGO

 

Sumário:

Para o efeito do disposto na al. d), do n.º 1, do art.º 256º, do C. Penal, nomeadamente, no que respeita ao alcance da expressão “facto juridicamente relevante”, a relevância jurídica existe sempre que o facto inscrito no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício.

E, assim, a falsidade existe mesmo que o facto não seja dos que o documento tem por finalidade certificar ou autenticar ou dos que são essenciais para a validade do documento.

Transcrição parcial:

“…Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

A inconformidade dos recorrentes dirige-se à matéria de direito, pelo que se tem por assente a matéria de facto.

Os arguidos interpõem o presente recurso por entenderem que os factos provados não preenchem o requisito subjetivo do tipo legal de crime por que foram condenados – crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nº 1, al d), e 3 do CPenal.

Resulta dos factos apurados que os arguidos, a 9 de março de 2006, os arguidos se dirigiram ao primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, e outorgaram a escritura pública de “Dissolução” da “XX...-, LDA.”, tendo declarado perante o Primeiro Ajudante daquele Cartório e do Centro de Formalidades de Empresas de Viseu, estando aquele no pleno exercício de funções notariais, “... que decidem dissolver a sociedade, que já cessou atividade, tendo já liquidado todo o seu ativo e passivo, sendo as respetivas contas encerradas e aprovadas nesta data”.

Os arguidos sabiam que as declarações que faziam constar no documento não correspondiam à realidade, uma vez que a sociedade, naquela data e ainda atualmente, tinha dívidas a terceiros, nomeadamente à Segurança Social, no valor de 14.722,66€ e dívidas referentes a IVA e Coimas referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004. Além do mais, a sociedade foi condenada, por sentença do Tribunal de Trabalho da Guarda, nos autos de Acidente de Trabalho (Proc. 99/98), transitada em julgado a 24.02.1999, no pagamento à autora C... da pensão anual e vitalícia de 214.982$00 e a cada uma das filhas menores, a pensão anual e temporária de 143.322$00, valores discriminados na sentença junta aos autos a fls. 126 a 130 e que a “XX...-, LDA.” não pagou. Acresce que a citada sociedade, naquela data, era titular de um bem imóvel, prédio rústico, sito em …, adquirido por compra a 24.07.1998, inscrito na Conservatória de Registo Predial de Pinhel, e ali descrito, com o nº … , inscrito na matriz da citada freguesia com o número …

O crime de falsificação de documento, previsto no art. 256.º, do Código Penal, pune com pena de prisão até três anos ou com pena de multa:

1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;

b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;

c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;

d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;

e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou

f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito.

O art 255.º do CP, considera documento “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.”

A norma do art. 256º nº 1 do Cod. Penal indica como elemento do tipo subjetivo a intenção por parte do agente de "causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime".

"Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do ato de falsificação ou do ato de utilização do documento falsificado" - Comentário Conimbricense do Código Penal Conimbricense, tomo II, pag. 685.

O bem jurídico tutelado/protegido pelo crime de falsificação de documentos é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, ou seja, o valor probatório dos documentos em geral e particularmente dos enunciados na sua “qualificativa” – nº 3 do preceito -, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II (1999), p. 680.

O dolo específico, traduzido na intenção do agente causar prejuízo a outra pessoa ou de obter para si um benefício ilegítimo, não altera o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação, acima mencionado.

Como refere Helena Moniz «O facto de o agente ter de atuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico-probatório. Não constitui objeto de proteção o património, tão pouco a confiança no conteúdo dos documentos ( S/S/ Cramer § 267 1), mas apenas a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.» - Cfr. "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo II, pág. 685.

De facto o crime de falsificação de documentos é um crime intencional, terminologia associada à existência de um dolo específico enquanto particular intenção do agente, definida pelo tipo, quando da realização do mesmo, para além da mera existência de um dolo genérico, como mero conhecimento e vontade de realização do tipo.

No caso concreto, essa especial intenção concretiza-se na fórmula "Os arguidos sabiam que, dessa forma, obtinham para si um benefício ilegítimo a que não tinham direito.” Conjugada com o facto provado nº 9. “Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente ao outorgarem na escritura pública nos termos supra referidos, o que fizeram com vista a criar um documento a que fosse atribuída fé pública, sabendo que o que declaravam e faziam constar no mesmo era juridicamente relevante e não correspondia à verdade, logrando assim inscrever no registo e tornar pública a dissolução da sociedade e inexistência de ativo e passivo e levar à extinção da sociedade “XX...-, LDA.” enquanto pessoa coletiva.”

O crime de falsificação de documentos constitui um crime de perigo, ou seja, após a falsificação documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança pública e a fé pública foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo – ob cit pag 681.

Trata-se de um crime de perigo abstrato, (o perigo não constitui elemento do tipo, mas apenas a motivação do legislador) pois como se alude no citado Comentário Conimbricense (p. 681) “…para que o tipo legal esteja preenchido não é necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo (de violação do bem jurídico); basta que se conclua, a nível abstrato, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico-criminal aqui protegido; basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico – verifica-se, pois, uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual”.

É também considerado como um crime formal ou de mera atividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado, considerando os interesses que o tipo legal visa proteger. Mas se considerarmos a atividade do agente, isto é, o ato de falsificar o documento, podemos considerar que se trata de um crime material de resultado.

Assim, ao nível do tipo objetivo, o documento é falso quando não corresponde à realidade, como ocorre com o fabrico de documentos falsos e a alteração de documentos verdadeiros (falsificações materiais), como com a falsificação do conteúdo de documento verdadeiro (falsificação ideológica).

Na falsificação intelectual, a declaração é conforme com a vontade, todavia contra a verdade dos factos – contra a vontade real – como ensina Helena Moniz (O Crime de Falsificação de Documentos, pág. 191) e ilustra com o seguinte exemplo: “A diz que quer vender o seu carro y, e quer mesmo vender 8 vontade real) e declara isso mesmo (e é o que mais tarde está escrito no documento) todavia, o carro não é dele. Ao dizer que vende o seu carro faz uma declaração de facto falso (juridicamente relevante – pois de outro modo não poderia vender o carro) em documento.”

Na falsidade em documento, integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falso, juridicamente relevante, trata-se pois de uma narração de facto falso, sendo que a relevância jurídica desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é que abra ensejo à obtenção de um benefício (neste sentido vidé, Helena Moniz "Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 667" e Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-05-2009, Processo: 457/07.9TASCD.C1 (JusNet 2903/2009), Relator: DR. JORGE DIAS e de 07-02-2007,Nº 1540/05.0TAAVR.C1 (JusNet 300/2007), Relator: DR. ESTEVES MARQUES, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2009, Processo: 1289/06.7TAVCT.G1 (JusNet 7567/2009), Relator: TERESA BALTAZAR, in www.dgsi.pt).

Consequentemente, “a mentira" inserida no documento deve apresentar-se como relevante, sem o que não haverá falsificação, ou seja, é necessário que "a declaração corporizada em escrito...", seja "... idónea para provar facto juridicamente relevante....", como resulta do teor dos artigos 255º, al. a) e 256, nº 1 al. d) do C.Penal. (Acórdão Rel Coimbra, de 2 Mar. 2011, Processo 909/09.6TALRA.C1 - Relator: CALVÁRIO ANTUNES.)

No caso vertente os arguidos declararam perante notário deliberar dissolver XX...-, LDA. declarando também que tal sociedade “já cessou a sua atividade”, tendo já sido liquidado todo o ativo e passivo, sendo as respetivas contas encerradas e aprovadas nesta data.

Resulta pois da matéria de facto provada que os arguidos declaram perante o notário a existência de um facto – a liquidação e encerramento das contas – que não correspondia à verdade.

Assim, como se salienta na sentença recorrida, verifica-se que através dessa declaração, e à luz do que dispõe o Código das Sociedades Comerciais no art. 160.º, n.º 2, foi-lhes possível extinguir a sociedade comercial, o que fizeram, inscrevendo o próprio encerramento da liquidação no registo.

Com efeito, dispõe o art 160.º do CSC sob a epígrafe “ Registo comercial “:

Artigo 160.º Registo comercialclip_image001

1 - Os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação.clip_image001[1]

2 - A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação.clip_image001[2]

Em concreto, a relevância jurídica resulta da própria lei: o ato permitiu uma alteração no mundo do Direito, traduzida na extinção de uma pessoa coletiva, com o consequente benefício, que no caso não tem relevância patrimonial direta, traduzido no próprio encerramento, gerador de aparência perante terceiros de uma realidade diferente da existente, suscetível de gerar inação daqueles na reclamação de créditos. Acrescida da cessação das responsabilidades dos arguidos enquanto gerentes. E impediram que terceiros pudessem requerer a insolvência da sociedade, o que teria consequências diretas para as suas pessoas. E conclui-se que a influência de um ato destes no mundo do Direito é de tal ordem, que a simples extinção da sociedade, quando havia património e dívidas por cobrar, se traduziu num benefício que, de outra forma não lograriam e, logo, injusta e legalmente não tutelada.

De notar que o art 1º, nº 1 do Código de Registo Comercial dispõe que “O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. “ sublinhado nosso.

O que ultrapassa a simples constatação de que a escritura pública de dissolução da sociedade, enquanto documento autêntico faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que neles são atestados com base na perceção deste (artº 371º do CCivil).

É certo que, como se refere no ac RP de 19/10/2010 “As declarações emitidas pelos sócios de que a sociedade não tinha ativo nem passivo e de que não existiam bens a partilhar – são da mera responsabilidade daqueles, não representando a escritura prova plena quanto a esses factos. Trata-se de uma declaração re inter alios ata, não vinculativa para os credores sociais”.

No mesmo sentido o ac. da RP de 14/4/2010 “a escritura pública outorgada não serve para infirmar a existência de créditos que sobre a sociedade se venham a reclamar: não é meio de prova suscetível de ser usado para excecionar eventuais débitos. Portanto, o bem jurídico protegido pela norma do artigo 256.º, do Código Penal [a confiança da sociedade no valor probatório dos documentos, e em particular, que os outorgantes produziram perante o notário aquelas declarações] não sofreu qualquer dano: o documento reproduz fielmente o que se passou e mantém íntegra a finalidade e o potencial probatório a que se destina”.

A declaração inverídica feita pelos recorrentes ao notário e inserida na escritura pública não é suscetível de integrar a prática de um crime de Falsificação de documento, do artigo 256.º, do Código Penal: o documento não exibe qualquer aspeto suscetível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado ou alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado. É um documento exato [regular] que contém uma declaração inverídica.

Por outro lado, haverá que conjugar o disposto no artº 1020º do CCivil, «encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, com o que dispõe o Artigo 163.º Passivo superveniente :

“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.” (sublinhado nosso)

Os antigos sócios responderão por esse passivo social mas apenas até ao montante do que receberam na partilha (salvo quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada). Como refere Raúl Ventura, in Dissolução e Liquidação das Sociedades, pág. 484, "(...)A responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha, (...). «Montante que receberam na partilha» apura-se relativamente a cada sócio, i.é, cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha e não por aquilo que outros sócios também tenham recebido, (...).

A sociedade poderá dissolver-se por deliberação dos sócios (art. 141º, nº 1, al. b), do CSC (JusNet 32/1986)), devendo seguir-se a liquidação da mesma (nos termos dos arts. 146º e segs.), a menos que a sociedade não tenha, à data da dissolução, dívidas, caso este em que os sócios poderão proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais (art. 147º, nº 1). Havendo dívidas, deverá o liquidatário proceder ao pagamento das dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o ativo social e, relativamente às dívidas litigiosas, deverão acautelar os eventuais direitos do credor por meio de caução, prestada nos termos do Código de Processo Civil (art. 154º, nºs 1 e 3).

A sociedade dissolvida, mas em liquidação, mantêm a personalidade jurídica (art. 146º, nº 2). Mas já se considera extinta, sem prejuízo porém do disposto nos artigos 162º a 164º, com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º, nº 2).

Como decorre das mencionadas disposições legais, mormente da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, dissolvida a sociedade e efetuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC).

É que, como também decorre dessas disposições, mormente do art. 163º, nº 1, a extinção da sociedade não determina a extinção dos créditos, não satisfeitos ou acautelados aquando da liquidação, de que sejam titulares os credores sociais.

Pois bem andou o tribunal recorrido ao que a relevância jurídica existe sempre que o facto inscrito no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício – Leal-Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 1982, Vol. 3, 1986, Ed. Rei dos Livros, pag. 147. E sendo esse o critério – da relevância jurídica – para a própria punição, “a falsidade existe mesmo que o facto não seja dos que o documento tem por finalidade certificar ou autenticar ou dos que são essenciais para a validade do documento – idem. Leal-Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 1982, Vol. 3, 1986, Ed. Rei dos Livros, pag. 147[1]”

Por último, resultaram provados factos suscetíveis de revelar o elemento subjetivo do tipo – falsificação de documento - a intenção de causar prejuízo a outra pessoas ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo. Aliás, nem sequer se descortina com que outra intenção poderão ter agido os arguidos que não seja a de conseguir o «benefício ilegítimo».

Estão, por isso, verificados os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito imputado aos arguidos.

*

(…)

III. DISPOSITIVO

Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se totalmente improcedente o recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.

Isabel Valongo (Relatora)

Paulo Guerra

______________________________________________________________________________________

[1] Sufraga-se, pois, entendimento diverso daquele plasmado no Acórdão do TRP no processo n.º 5316/04.4TDPRT.P1 de 14 de abril de 2010, onde se decidiu que a conduta em causa nos autos não constituía crime, sendo a pedra de toque de tal entendimento, se bem se interpreta a fundamentação do acórdão, à consideração de que a falsidade intelectual se restringe aos casos de desconformidade entre o que se declarou e o que se escreveu e à necessidade de o próprio documento ser apto para fazer prova do facto documentado:

“19. Por outro lado, a escritura pública tinha por objetivo a dissolução da sociedade, e não é a circunstância de conter uma declaração inverídica sobre a existência de um débito [pontos 3. e 6.] que abala ou anula essa sua finalidade. O elemento alterado não tem alcance suficiente para causar dano ou pôr em perigo a segurança jurídica probatória que o documento, pela sua natureza e características, está destinado a projetar. A escritura pública outorgada não serve para infirmar a existência de créditos que sobre a sociedade se venham a reclamar: não é meio de prova suscetível de ser usado para excecionar eventuais débitos. Portanto, o bem jurídico protegido pela norma do artigo 256.º, do Código Penal [a confiança da sociedade no valor probatório dos documentos, e em particular, que os outorgantes produziram perante o notário aquelas declarações] não sofreu qualquer dano: o documento reproduz fielmente o que se passou e mantém íntegra a finalidade e o potencial probatório a que se destina … ”- Sic.

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