terça-feira, 9 de setembro de 2008

Princípio da Indivisibilidade da Queixa

Deixo à consideração dos colegas a seguinte situação:

António furta da carteira do pai 5oo euros, o que faz de forma concertada e em comunhão de esforços com Berta.

Estamos perante uma co-autoria de crime de furto p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal.

Como António é filho do ofendido, cumpre aplicar a regra do art. 207º, al. a), do Cód. Penal, que estabelece que "No caso do artigo 203º (...) o procedimento criminal depende de acusação particular se: a) O agente for (...) descendente (...) da vítima (...) ".

Mas Berta não é irmã de António.

A questão a resolver é a seguinte:

- Sendo o crime particular em relação a António, sê-lo-á também em relação a Berta ?
- Pelo facto de intervir Berta, o crime passa a semipúblico ?

No caso em apreço a ilicitude é a mesma, porquanto a moldura penal é a mesma ?

A diferença reside na natureza do crime.

Se se entender que a ilicitude permanece inalterada, não tem aplicação o art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal.

Como resolver a questão ?

Se o crime não revestir natureza particular em relação ambos, terá de ser semipúblico também em relação a ambos, em violação do art. 207º, al. a), do Cód. Penal ?

Outra solução seria ser particular em relação ao filho e semipúblico em relação a Berta, pelo que se o pai não apresentasse queixa ou não formulasse acusação particular em relação ao filho, também se não poderia perseguir Berta ( arts 115º, n.º 2, e 116º, n.º 3, do Cód. Penal ).

Como resolver a questão ?

Poder-se-á entender que, afinal, a desgraduação de um crime semipúblico em particular é ainda uma questão de ilicitude, pelo que o art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal tem aplicação, no sentido de que a qualidade de filho beneficia o co-autor ?

O art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal estabelece:

"1. Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora ".

Lendo o trabalho da Prof. Teresa Beleza, vejo que exclui a aplicabilidade do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal.
Como resolver ?

Concordando que a questão da ilicitude permanece inalterada com o art. 207º do Cód. Penal, não posso acompanhar quem defenda que o queixoso poderá escolher perseguir Berta e não o filho. Os arts. 115º, n.º 2, e 116º, n.º 3, do Cód . Penal estabelecem a regra inequívoca de que em caso de comparticipação o queixoso não pode escolher quem quer perseguir criminalmente - trata-se de uma decorrência do princípio da igualdade e não há motivo para tratar de forma desigual uma situação em tudo igual.

Assim, ou o procedimento criminal prossegue em relação a ambos ou é arquivado em relação a ambos.

Ora, sendo a questão da ilicitude a mesma, sustenta a doutrina que o art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal não se aplica.

Importa, pois, saber se o facto de um crime revestir natureza particular e outro natureza semipública cria ou não uma situação de desigualdade de tratamento.

Não cria, pois que a moldura abstracta da pena é a mesma.

O facto de o procedimento criminal de um crime depender de queixa e o outro depender de queixa, de constituição como assistente e de acusação particular não tem como consequência a conversão de ambos os crimes em crimes semipúblicos ou de ambos os crimes em crimes particulares.

A solução deverá ser encontrada nos moldes indicados acima, ou seja, o MP pode acusar um dos furtos e o pai terá de se constituir assistente e formular acusação particular pelo crime de furto cometido pelo filho, sendo certo que se não o fizer, os autos se arquivam em relação a ambos os arguidos.

Ou seja, tenho para mim que a questão é meramente processual e terá de ter os remédios do direito processual penal, conjugados com o acima sustentado por referência aos arts 115, n.º 2, e 116º, n.º 3, do Cód. Penal.