terça-feira, 9 de setembro de 2008

HOMICÍDIO QUALIFICADO «ATÍPICO» ( NEGAÇÃO, NO CASO CONCRETO )

Acórdão do STJ de 03-07-2008 [Ver ficha original em www.dgsi.pt]

I - O legislador, depois de, no art. 131.º do CP, proceder à descrição do tipo fundamental de homicídio, previu, no artigo seguinte, uma forma agravada de homicídio, fazendo uso da combinação de um critério generalizador - a especial censurabilidade ou perversidade - determinante dum especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão.
II - Segundo o MP recorrente, as circunstâncias susceptíveis de, no caso dos autos, indiciarem uma especial censurabilidade ou perversidade não integram nenhum exemplo-padrão; a agravação do crime seria obtida por aplicação directa do n.º 1 do art. 132.º do CP, constituindo um homicídio qualificado atípico.
III - Os exemplos-padrão têm uma função delimitadora dos casos atípicos, deles se devendo apreender não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa (Ac. de 15-05-2002, Proc. n.º 1214/02 - 3.ª). Por poder afectar o princípio da legalidade, não se permite, o apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplo-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga (Ac. de 13-07-2005, Proc. n.º 1833/05 - 5.ª).
IV -No caso em análise, o circunstancialismo que, segundo o recorrente, justifica a qualificação do crime resulta dos seguintes aspectos:
a) a primeira agressão, com uma garrafa de vidro, ter sido levada a efeito sem aviso prévio, quando o ofendido se encontrava de costas, sem possibilidade de defesa;
b) a asfixia da vítima, conseguida pela obstrução das vias respiratórias através da pressão da mão direita, ser demonstrativa de uma elevada insensibilidade do arguido perante a vida humana, que retirou à vítima, olhos nos olhos;
c) o furto de objectos pertencentes à vítima demonstrar que o arguido tem uma personalidade fria, calculista e insensível.
V - A atitude do agente é altamente reprovável, não só por pôr em causa o bem supremo que é a vida, mas também por a agressão, que culminou com a morte por asfixia, ter sido iniciada de surpresa, dificultando à vítima a possibilidade de defesa e colocando-a à mercê do arguido.
VI -Tal situação, não podendo ser tida como análoga à do exemplo-padrão da al. b), não mostrando uma grande persistência na intenção de matar, nem se tendo provado que a morte foi levada a cabo com o objectivo de facilitar a apropriação dos bens e dinheiro da vítima, não atinge o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado.
VII - (...)
Proc. 08P301
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR