terça-feira, 24 de maio de 2011

Sigilo bancário

A autoridade judiciária competente, ou seja, o Ministério Público, hoje, procede às averiguações necessárias sobre a questão da legitimidade da escusa, incluindo a audição do organismo representativo da profissão (acórdão do TRL, de 18.1 .2001, in CJ, XXVI, 1, 136) . Obtidos os elementos os elementos necessários, o Ministério Público decide sobre a questão da legitimidade da escusa, enquanto autoridade judiciária, nos termos do artigo 135º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

A escusa é ilegítima quando a lei não prevê o segredo profissional em relação ao requerente da Escusa.



Sucede que a Lei 36/2010, de 2 de Setembro, alterou a referida alínea, passando agora a determinar que os factos e elementos podem ser revelados “às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”.

Com esta redacção, o legislador deixou de remeter para as leis penais e de processo penal o regime de excepção do segredo bancário, no âmbito de um processo criminal, determinando que os factos e elementos poderiam ser revelados desde que:

a) O fossem a uma autoridade judiciária;

b) No âmbito de um processo penal.

Desde a entrada em vigor da Lei 36/2010, de 2 de Setembro, as instituições bancárias e financeiras não podem recusar a relevação de factos e elementos cobertos por segredo bancário, desde que o pedido seja feito, na fase de inquérito criminal, pelo Ministério Público.

Neste caso, e precisamente ao abrigo deste regime especial, deixa de se suscitar o incidente junto do tribunal superior.

A este entendimento, não se opõe o regime das buscas e apreensões em estabelecimento bancário (cf. art. 181.º e 268.º, 1, al. c), ambos do CP), que não foi alterado.

Por um lado, porque a prestação de uma informação é “filtrada” por um pedido concreto anterior, que já delimita o que a entidade bancária vai informar, e, por outro, porque não está em causa privar a instituição ou o cliente dos bens e/ou documentos, mas apenas informar.

Numa busca e apreensão, não existe a obrigação de delimitar em concreto os bens que se vão apreender e priva-se a instituição e/ou cliente da posse dos mesmos.

Trata-se assim de um meio de obtenção de prova com maiores riscos de lesão dos direitos individuais, motivo pelo qual se justifica a presença do juiz no local. Veja-se que o art. 181.º, 1, in fine, permite a apreensão de coisas que não pertençam sequer ao arguido.

Em conclusão, tanto a letra da lei, como a análise de todo o processo legislativo, permitem afirmar que:

a) A Lei 36/2010, de 2 de Setembro, alterou o RJICSF no sentido de excepcionar do regime de segredo bancário o fornecimento de elementos às autoridades judiciárias, afastando a aplicação do regime geral de segredo profissional constante do art. 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal;

b) Desta forma, o Tribunal Superior deixa de ser a entidade competente para decidir a prestação de depoimento abrangido por segredo bancário;

c) Na fase de inquérito, as informações terão de ser prestadas à autoridade judiciária competente que, como resulta da Lei é o Ministério Público;

d) A recusa da prestação de informação ao Ministério Público será ilegítima, devendo aplicar-se o regime previsto no art. 135.º, 2, do CPP, que estatui o seguinte:

“2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

Neste sentido, a Informação n.º 27/11 de 17-05-2011, PGD de Lisboa CCE.



Faz sentido reproduzir aqui a anotação 29 ao artigo 135º do Cód. Proc. Penal de Paulo Pinto de Albuquerque:

“…A lei estabeleceu várias restrições à protecção do sigilo bancário, que têm

sido progressivamente alargadas a outros tipos de sigilo . O movimento legislativo

iniciou-se no âmbito da investigação dos crimes de tráfico de estupefacientes

e de branqueamento de capitais, alargou-se ao crime de emissão

de cheque sem provisão e, por fim, foi generalizada a toda a criminalidade

organizada ou económico-financeira. Em todos estes casos, a lei prescinde da

intervenção do TR e mesmo do juiz .A autoridade judiciária tem competência

para ordenar a prestação da informação pretendida à entidade obrigada pelo

dever de sigilo, sem que esta lhe possa opor o dito sigilo, não tendo lugar o

juízo do tribunal superior sobre a justificação do pedido de escusa (acórdão

do TRP, de 1.2 .2006, in CJ, XXXI, 1, 203) . Assim, no âmbito da investigação do

crime de tráfico de estupefacientes, o legislador fixou um regime especial de

quebra de segredo de "informações" ou "documentos respeitantes a bens, depósitos

ou quaisquer valores pertencentes a indivíduos ou arguidos da prática

de crimes previstos nos artigos 21.°, 23.°, 25.° e 28.° do Decreto-Lei n.° 15/93,

de 22.1", que confere à autoridade judiciária o poder de ordenar a prestação

dessas informações ou a apresentação desses documentos por "quaisquer entidades,

públicas ou provadas, nomeadamente instituições bancárias, financeiras

ou equiparadas, por sociedades civis ou comerciais", "repartições de

registo ou fiscais", bastando para tal que se identifique o suspeito ou arguido

(artigo 60.°, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22.1, na redacção da Lei n.° 45/96,

de 3.9) . No âmbito da investigação do crime de branqueamento de capitais,

a lei estabelece um "dever de colaboração" das entidades financeiras e não

financeiras previstas nos artigos 13.° e 20.° da Lei n.° 11 / 2004, de 27.3, que

revogou o DL n.° 313 /93, de 15.9, e o DL n.° 325/ 95, de 2.12, onde já se previa

semelhante dever. Este dever de colaboração consiste na obrigação de fornecimento

à autoridade judiciária responsável pela condução do processo ou à

autoridade competente para fiscalizar o cumprimento dos deveres fixados na

referida lei, "todas as informações " e "todos os documentos solicitados" por

aquelas entidades. Nos casos de obtenção dos elementos de identificação do

sacador e da ficha de assinatura de pessoa indiciada de crimes de emissão de

cheque sem provisão, o próprio legislador procedeu a um juízo definitivo de

prevalência absoluta do dever de colaboração das instituições de crédito sobre

o sigilo bancário, nos termos do artigo 13 .°-A do Decreto-Lei n.° 454/91, de

28.12, na redacção do Decreto-Lei n.° 316/97, de 19 .11, confirmando de lege

lata a jurisprudência anterior dos tribunais superiores (acórdão do TRC, de

6.7.1994, in CJ, XIX, 4, 46, e do acórdão do TRE, de 23.5 .1995, in CJ, XX, 3, 303,

embora esta última decisão fosse mesmo ao ponto de considerar justificada a

quebra para esclarecimento de qualquer crime público) . Nos casos da "criminalidade

organizada e económico-financeira", o legislador fixou um regime especial

de quebra de segredo bancário e fiscal, que confere à autoridade judiciária

titular do inquérito a decisão sobre o "interesse para a descoberta da

verdade" da quebra (artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 5/2002, de 11 .1, que revogou

o artigo 5.° da Lei n.° 36/94, de 29.9; ver ainda o acórdão do TC n.° 42/2007

sobre a constitucionalidade do referido artigo da Lei n.° 5/2002) e mesmo a

ratificação a posteriori pela autoridade judiciária do acesso em tempo real da

Polícia judiciária às bases de dados da administração tributária

(artigo 3.º, n.° 6, do Decreto-Lei n.° 93/2003, de 30.4)…”





Concluindo:



- A autoridade judiciária Ministério Público tem competência hoje, em face

da Lei 36/2010, de 2 de Setembro, que alterou o RJICSF, para ordenar a prestação

da informação pretendida à entidade obrigada pelo dever de sigilo, sem que esta

lhe possa opor o dito sigilo, não tendo lugar o juízo do tribunal superior

sobre a justificação do pedido de escusa.





E qual a consequência para a recusa?



Não me parece que a solução seja o recurso ao juiz de instrução, para aplicação do artigo 135º, n.º 2, do CPP.



A recusa de apresentar informação, sem justa causa, é conduta criminalmente

punível, nos termos do artigo 360.°, n.° 2, do Código Penal, mas apenas depois

de o Ministério Público comunicar a ilegitimidade da recusa e não antes! Decisivo,

para a realização deste tipo legal de crime, é não haver uma justa causa para a recusa.



Cumpre salientar aqui adicionalmente o disposto no artigo 9º do Código Processo Penal.



Em suma e concluindo: entendo que se deve advertir a entidade bancária, depois, caso a mesma não cumpra, promover a condenação em multa ao juiz de instrução, nos termos do art. 519º do C.P. Civil e, finalmente, recorrer ao artigo 360º, n.º 2, do Cód. Penal, crime este essencialmente doloso.





Querendo evitar-se a responsabilização criminal, pode recorrer-se ao juiz de instrução, para efeitos de busca e de apreensão (art. 181º do C. P. Penal).

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