sexta-feira, 15 de junho de 2007

Doação Mortis Causa

Vista:

Processo de Inventário nº.

*

Procede-se a inventário por óbito de Lúcia …, falecida a 19.03.2000, no estado de casada, segundo o regime de comunhão de adquiridos, com Gaspar …, cabeça-de-casal, em segundas núpcias dela e primeiras núpcias deste último, tendo deixado dois filhos menores: Daniel… e Inês ….
Aos dois filhos menores foi nomeado curador a fls. 8 dos autos.
Por escritura pública lavrada a …/…/… (cfr. fls. 83) a ora inventariada fez doação ao cabeça-de-casal, para o caso de este lhe sobreviver, da universalidade dos bens e direitos mobiliários e imóveis que venham a compor a sua herança, com estipulação de que no caso de existência de filhos do casamento, a doação abrangerá a maior quota permitida por lei entre casados, que caberá ao donatário escolher.
A doação foi aceite pelo donatário.
Tal disposição, traduzindo um acto de atribuição patrimonial gratuito a favor do cabeça-de-casal, feita com intenção de aumentar o património deste com bens e direitos do património da disponente, aqui inventariada, e cujos efeitos, designadamente a devolução de tais bens e direitos, apenas se produzem por morte daquela última, configura, atendendo ao disposto nos artigos 940º, nº. 1, 946º, nº. 1 e 2028º, nº. 1, todos do Código Civil, uma doação mortis causa que, na medida em que regula a própria sucessão da inventariada, integra uma situação de sucessão contratual, pois que consubstancia, no dizer de OLIVEIRA ASCENSÃO, Sucessões, 1967, p. 62, um pacto designativo.
Quer a doação por morte quer os pactos sucessórios estão, em princípio, proibidos, sendo que, de acordo com o disposto nos artigos 946º, nº. 1 e 2028º, nº. 2, ambos do Código Civil, só excepcionalmente, ou seja, apenas nos casos previstos na lei, são admissíveis.
Os casos especialmente previstos na lei em que são excepcionalmente admitidos os negócios mortis causa são os dos artigos 1700º, alíneas a) e b) e 1755º, nº. 2, ambos do Código Civil, ou seja, apenas nas doações para casamento são permitidos, não podendo ser unilateralmente revogados depois da aceitação e só com autorização escrita do donatário ou respectivo suprimento judicial pode o doador alienar os bens doados, nos termos do artigo 1701º, do Código Civil, ou deles dispor gratuitamente, segundo a regra do artigo 1702º, do mesmo diploma legal (neste sentido vide BAPTISTA LOPES, Doações, p. 35 e 36 e Revista dos Tribunais, 90º-205), sendo que, tais doações para casamento só podem ser feitas na convenção antenupcial, nos termos do disposto no artigo 1756º, do Código Civil.
Como ensina PEREIRA COELHO, Sucessões, 2ª ed., 1968, 279, “proíbem-se os pactos sucessórios para garantir ao de cujus a liberdade de disposição dos bens até ao último momento da sua vida; tal liberdade ficaria muito diminuída se se admitissem esses pactos que, como contratos, seriam irrevogáveis”.
Cominam os artigos 946º, nº. 1, em conjugação com o artigo 294º, e 2028º, nº. 2, todos do Código Civil, com a nulidade, os pactos de succedendo e as doações mortis causa não legalmente admitidos, negócios nulos esses, todavia, convertíveis, por força do nº. 2, do citado artigo 946º, do Código Civil, em testamento, desde que tenham sido observadas as formalidades dos testamentos, pois que tal dispositivo legal, para o qual também remete o nº. 2, do artigo 2028º, do Código Civil, consagra uma conversão de uma doação por morte numa disposição testamentária, conversão esta legal, por ser a própria lei que a ela procede, pelo que não há que atender à vontade presumida ou tendencial do autor do negócio jurídico, subjacente à conversão do negócio jurídico admitida em geral no artigo 293º, do Código Civil (neste sentido cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit, p. 102).
Para que a doação preencha o requisito a que alude a parte final do nº. 2, do referido artigo 946º, do Código Civil, ou seja, observância das formalidades dos testamentos, terá que constar de escritura pública, uma vez que esta é o acto notarial equiparado, na forma, aos testamentos, ficando satisfeita, deste modo, aquela exigência (cfr. Revista dos Tribunais, 90º-205 e OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit, p.102).
A estipulação ora em apreço, configurando, como supra se referiu, uma doação por morte, integradora de uma sucessão contratual, não prevista na lei, por não consubstanciar uma doação para casamento feita em convenção antenupcial e, consequentemente nula, foi celebrada mediante escritura pública, operando, portanto, ope legis a respectiva conversão em disposição testamentária, beneficiando o cabeça-de-casal com a quota disponível.
Existem bens próprios do de cujus e bens comuns do casal.
Não há passivo e não houve licitações.

Forma à partilha:

Somam-se os valores dos bens comuns do casal e o total divide-se por dois, sendo uma das partes a meação do cabeça-de-casal, que como tal se lhe adjudica, nos termos dos artigos 1688º, 1689º, nº. 1 e 1724, todos do Código Civil.
À outra metade soma-se o valor do bem próprio que constitui a verba nº. 1 da relação de bens, encontrando-se assim a herança a partilhar.
O total divide-se por três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e o restante o valor da quota disponível, nos termos do disposto nos artigos 2133, nº. 1, alínea a), 2157 e 2159º, nº. 1, do Código Civil.
O valor da quota indisponível divide-se por três partes iguais, adjudicando-se uma delas ao cabeça-de-casal e cada uma das outras a cada um dos dois filhos, conforme estatuído no artigo 2139º, nº. 1.
O valor da quota disponível confere-se ao cabeça-de-casal, em virtude da conversão ope legis em disposição testamentária da doação por morte celebrada pela inventariada a favor daquele, mediante escritura pública, nos termos do disposto nos artigos 946, nº. 2 e 2028, nº. 2, do Código Civil.
No preenchimento dos quinhões, atender-se-á ao acordado na conferência de interessados.

*

Processei, imprimi e assinei o texto, seguindo os versos em branco (artigo 138º, nº. 5, do Código de Processo Civil)

Data…
O Procurador-Adjunto

Sem comentários:

Enviar um comentário