segunda-feira, 28 de março de 2011

Desnecessidade de identificação concreta de suspeito para obtenção de facturação detalhada através do Juiz de Instrução.

 

223/10.4JACBR-A.C1

Nº Convencional:
JTRC

Relator:
FREDERICO CEBOLA

Descritores:
ESCUTAS TELEFÓNICAS
REGISTOS DE CONVERSAÇÕES OU COMUNICAÇÕES

Data do Acordão:
23-03-2011


Sumário:
1. Para o efeito de serem ordenadas ou autorizadas a obtenção e junção aos autos de registos da realização de conversações ou comunicações, em caso de desaparecimento de determinada pessoa, existindo indícios de crime de sequestro e/ou eventualmente crime de homicídio de que terá sido vítima, suspeitos serão as pessoas que, segundo os elementos constantes dos autos, poderão estar envolvidos no desaparecimento da vítima.
2. E, quanto à vítima, porque os elementos a obter se destinam a conhecer o seu eventual paradeiro, no pressuposto de que terá sido vítima de crime, deve considerar-se o seu consentimento presumido para a sua obtenção, uma vez que está em causa a defesa da mesma contra crime que contra ela terá sido cometido.

 

 

TEXTO PARCIAL:

“…Analisando.
O art.º 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, estabelece que «A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.»
Por sua vez o n.º 1 do art.º 187.º daquele diploma estipula que «A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.»
E o n.º 4 que «A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.»
E analisando os presentes autos, o que se verifica é que MN... desapareceu no dia 10/05/2010, que nunca mais foi vista, que transportava consigo quantia significativa, que tinha um relacionamento difícil com o seu filho AA..., e que acompanhava com um indivíduo do sexo masculino considerado pessoa da sua intimidade, embora fosse casada com outrém.
Ora, analisando os elementos acima referidos não há dúvidas que existem para já indícios da prática de crime de sequestro e/ou eventualmente crime de homicídio.
E relacionados com estes crimes podem estar os familiares AA... (filho) e BB... (marido), porque suspeitos serão as pessoas que segundo os elementos constantes dos autos poderão estar envolvidas no desaparecimento da vítima.
Ora, segundo esses mesmos elementos filho e marido eram as pessoas que conheciam bem as rotinas de MN…, sabiam onde e a que horas poderiam encontrá-la sozinha e conheciam o hábito de depositar, às Segundas-feiras o dinheiro apurado durante a semana.
E quanto à vítima, porque os elementos a obter se destinam a conhecer o seu eventual paradeiro no pressuposto de que terá sido vítima de crime, deve considerar-se o seu consentimento presumido para a sua obtenção, uma vez que está em causa a defesa da vítima contra crime que contra ela terá sido cometido.
Justifica-se assim e por ser legal o fornecimento dos elementos pretendidos.
Aliás, já no acórdão da Relação de Lisboa de 07/11/2007, disponível in www.dgsi.pt se expressou entendimento no sentido de que para a obtenção dos solicitados elementos não é necessário que o suspeito esteja identificado, do mesmo modo se devendo entender quando a suspeita possa incidir em diversas pessoas sem que existam elementos concretos que indiquem qual delas terá maior probabilidade de ser o autor dos factos.
Pelo que se deixa dito o recurso tem, forçosamente, que proceder.
III – Decisão
Nos termos expostos, julga-se procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que se proceda à recolha dos elementos pretendidos pelo Ministério Público.
Sem custas.
Elaborado, revisto e rubricado pelo Relator.
Coimbra, de de 2011

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