Adolescência,
socialização e delinquência.
O presente texto foi elaborado com
base em apontamentos retirados de diversos artigos e livros que consultei,
configurando uma ordenação sistemática dessas notas, que acaba por ganhar
alguma autonomia. Todavia, muitas vezes se transcrevem textualmente frases e
parágrafos desses textos consultados.
I. Introdução
1. A delinquência juvenil é o fenómeno mais
importante dentro do mundo do delito. Senão vejamos:
-
A grande maioria dos reincidentes foi delinquente juvenil;
-
É raro iniciar-se uma carreira criminosa na idade adulta;
-
Para o delinquente juvenil o crime transcende o simples
"carácter profissional" para se converter em modo de vida;
-
A um incremento da delinquência juvenil corresponderá no futuro
uma maior delinquência em termos gerais.
Por outro lado, denota-se hoje um
incremento da delinquência juvenil (que tem vindo a fazer-se sentir desde as
grandes guerras mundiais), tanto em volume como em gravidade. E o que é
preocupante é que o autor se inicia cada vez mais com idade mais baixa.
2. Se para o direito o delinquente é apenas,
por exigências do princípio da legalidade e de segurança jurídica, aquele que
comete uma infração à lei penal, já à simplicidade da definição jurídica
corresponde uma complexidade de noções psicológicas, psiquiátricas e
sociológicas utilizadas para compreender essa forma de inadaptação social.
Ora, o objeto deste escrito é
precisamente analisar os fatores e as diversas manifestações da delinquência
juvenil, cuja importância já se realçou.
II. Fatores
1. Fatores Individuais
1.1. É conhecida
a teoria do criminoso nato, desenvolvida por César Lombroso no fim do século
XIX. Para ele, uma grande parte dos delinquentes eram-no em consequência de uma
constituição especial que os caracterizava desde o nascimento. Impregnado das
ideias de Darwin sobre a seleção natural das espécies vivas, pensava ele, em
razão das particularidades morfológicas minuciosamente estudadas em vários
milhares de sujeitos, que esses malfeitores eram seres que ainda não tinham
acabado a evolução para a humanização e que, por isso mesmo, eram
necessariamente inaptos para obedecer a leis adaptadas a homens mais evoluídos
do ponto de vista biológico e psíquico.
Essa ideia tem sido objeto de várias
críticas.
Contudo, vários estudos estatísticos
demonstram uma maior frequência nos delinquentes de uma anomalia cromossómica:
a duplicação do cromossoma Y, que caracteriza o sexo masculino.
A fórmula genética destes sujeitos é
47 XYY (sabe-se que a mulher normal possui em cada célula do seu organismo dois
cromossomas sexuais idênticos – XX –, enquanto no homem os dois cromossomas
sexuais são diferentes – XY.
Repare-se que certas características
são comuns aos delinquentes portadores desta anomalia cromossómica:
·
São de estatura elevada (mais de 1, 80 m);
·
O nível intelectual deles é pouco inferior à média;
·
O seu comportamento é sobretudo inibido e imaturo; e
·
Os atos delituosos que cometem estão muitas vezes marcados por
forte agressividade e ligados à sexualidade.
Estas
considerações foram tomadas em consideração por certos tribunais, no
estrangeiro, para atenuar a responsabilidade de certos criminosos portadores
desta anomalia, o que suscitou viva discussão. Com efeito, se parece quase
certo que a frequência desta fórmula cromossomática é efetivamente superior em
certos delinquentes, ainda não dispomos de trabalhos que estabeleçam, ao invés,
a frequência da inadaptação nos sujeitos XYY.
Seja
como for, estudos psicológicos – incidindo embora sobre um pequeno número de
casos – indicam que o risco está muito longe dos 100 %, pois certo número
desses indivíduos fazem uma vida inteiramente normal. A opinião que podemos
avançar no estado atual dos nossos conhecimentos é que existem talvez uma ou
duas constituições genéticas que favorecem a inadaptação social, mas não
podemos considerá-las como fatalidades.
Por
outro lado, não há uma perfeita coincidência entre delinquência e inadaptação
social.
Interessante
será referir que um estudo que se propunha despistar, por meio de exames
sistemáticos, desde o nascimento, os sujeitos XYY, e seguir-lhes a evolução,
foi interdito nos USA em 1979.
1.2. A patologia mental
A ideia de que a inadaptação e a
delinquência são formas de patologia mental também não é nova e encontra-se com
frequência. É habitual mencionar, a este respeito:
-
A epilepsia;
-
A debilidade mental;
-
As perturbações da personalidade; e
-
As psicoses.
Cumpre
salientar que os psicopatas apresentam uma maior probabilidade de perpetuarem
as suas carreiras criminosas durante praticamente toda a sua vida.
Contudo,
as perturbações psicopatológicas (cuja despistagem é importante em cada caso
individual, tanto mais que existe a possibilidade de um tratamento apropriado)
nem sempre se encontram nos jovens inadaptados sociais. De facto, salvo no que
respeita à atitude deles em relação à moral e à transgressão das regras
estabelecidas, a maior parte não se diferencia psicologicamente da média dos
indivíduos. Esta verificação deve ser, todavia, um pouco atenuada.
1.3. As rebeldias da
insegurança
Parece-me que são estas que devem
ocupar lugar de primazia entre os fatores individuais que podem favorecer a
delinquência.
As rebeldias da insegurança podem
revestir diversas modalidades:
-
Rebeldia regressiva;
-
Rebeldia agressiva; e
-
Rebeldia transgressiva.
Trata-se
de rebeldias defensivas (defesa do “eu ameaçado”), negativas e de simples reação,
que nascem de sentimentos de autoafirmação, de insegurança e de imaturidade.
1.3.1.a). A atitude de autoafirmação
A adolescência é um período de
crescimento que se traduz, sobretudo, no nascimento da intimidade e descoberta
do «eu». Neste período a consciência infantil, ligada ao coletivo, é
substituída por uma consciência pessoal. Por outro lado, o adolescente adquire
capacidades novas:
-
O pensamento lógico; e
-
O sentido crítico.
Ora,
o adolescente está normalmente interessado em estrear as suas capacidades novas
e em pô-las ao serviço das necessidades de «autorrealização»:
-
«ser eu mesmo» (identidade pessoal);
-
«estar comigo mesmo » (intimidade);
-
«valer-me a mim mesmo» (autorrealização);
-
«poder escolher e decidir» (autonomia); e
-
«amar e ser amado» (aceitação).
Esta
atitude de autoafirmação, que se aponta como estando na origem das rebeldias da
insegurança, não é outra coisa que a afirmação da personalidade nascente.
Mas
se a atitude de autoafirmação é, em si mesma, necessária ao desenvolvimento da
personalidade, contudo, corre o risco de crescer desmesuradamente e de
radicalizar-se perante determinadas atitudes dos adultos ou certas influências
do ambiente. Surgem então:
-
a obstinação;
-
o espírito de contradição;
-
a busca de independência; e
-
a rebeldia perante as normas estabelecidas.
1.3.1.b). O sentimento de insegurança
Este
sentimento de insegurança é característico da adolescência, para ele contribuindo:
-
a enorme desproporção que existe entre a meta proposta e os meios
disponíveis para alcançá-la (dificuldade do objetivo); e
-
por outro lado, o que é ainda um dos conteúdos possíveis da afirmação
anterior, o adolescente debate-se com o problema de saber como comportar-se
perante situações novas e mais difíceis, isto é, «como adaptar-se ao seu novo
papel na vida».
Este
sentimento de insegurança tem, pois, a ver com a falta de recursos e de experiência,
com a ausência de metas claras e, em algumas ocasiões, a incompreensão dos mais
velhos.
1.3.1.c). A imaturidade
São suas manifestações:
-
o conceito de liberdade como simples ausência de limitações ou
condicionalismos externos;
-
a falta de vontade: os adolescentes são mais pessoas de projetos
do que de realizações – custa-lhes muito realizar o que decidiram e ser
perseverantes nas tarefas que empreenderam;
-
o radicalismo nos juízos; e
-
a ausência de raízes.
Estes
dois últimos aspetos são consequência tanto da pouca experiência prática da
vida como da carga emocional que costuma acompanhar as suas ações.
1.3.2. Caracterizemos agora as rebeldias da insegurança
Elas
estão relacionadas com a sensação de vazio ou carência de sentido da própria
existência.
A
rebeldia regressiva nasce do medo de
agir e traduz-se numa atitude encolhida, de reclusão em si mesmo. Equivale
muitas vezes a um regresso à vida despreocupada e livre de responsabilidades da
infância – e ao abrigo deste refúgio adota-se uma atitude de protesto mudo e
passivo contra tudo.
Este
tipo de rebeldia é próprio, sobretudo, da primeira fase da adolescência (puberdade).
O
púbere começa a deixar de ser menino, sentindo-se admirado e surpreendido com
as mudanças do seu corpo e forma de ser.
Tudo
isto pode levar ao medo de agir, com a consequente tentação de «regressar»
psicologicamente ao mundo infantil que se converte agora num refúgio. A partir
deste refúgio o púbere olhará o mundo dos adultos com uma hostilidade
silenciosa.
A rebeldia
agressiva expressa-se de forma violenta, sendo própria do fraco, daquele
que não podendo suportar as dificuldades que surgem da vida diária, tenta
aliviar o seu problema fazendo sofrer os outros.
Este
tipo de rebeldia costuma aparecer na adolescência média, fase em que se produz
a rutura definitiva com a infância e a busca de novas formas de comportamento.
Do «despertar do eu» passa-se à «descoberta consciente do eu». A análise de si
mesmo será o ponto de partida para o redescobrimento e crítica do mundo que o
rodeia. É a idade da impertinência ou fase negativa.
A
rebeldia transgressiva traduz-se em
arremeter contra as normas da sociedade, ou por egoísmo e entidade própria ou
pelo simples prazer de quebrá-las.
No
seu desenvolvimento podem ser decisivos certos problemas de personalidade, um
clima ruim na família e determinadas influências negativas do ambiente.
Este
tipo de rebeldia pode surgir também na adolescência média.
2.
Fatores do
meio
Os
fatores ligados ao meio sociológico e ao meio familiar desempenham um papel
considerável. Ressalta esse facto dos inquéritos estatísticos que são, porém,
de interpretação delicada, pois esses factos interpenetram-se muitas vezes de
tal maneira que é difícil isolar um só que seja para estabelecer com precisão a
sua influência. É ainda de acrescentar que as conclusões destes inquéritos nem
sempre são concordantes.
Todavia, a eficiência
social e o grau de coesão do «bairro» são das variáveis mais
explicativas da delinquência. Uma política de redução da delinquência deve
apostar nestes fatores e de forma coordenada.
2.1. O nível socioeconómico
Numerosos
estudos mostram que a inadaptação social e a delinquência dos jovens são mais
frequentes nas classes sociais mais desfavorecidas. Esta diferença deve ser todavia
matizada. Com efeito, ela não é tão marcante para todos os tipos de atividades
delinquentes: se é clara para os delitos de violência e a para a delinquência
de grupo, é menos clara e até inexistente para as toxicomanias, por exemplo. É
possível também que um maior número de jovens delinquentes dos meios
favorecidos escapem, graças à proteção da família, à ação policial e, por isso
mesmo, às estatísticas.
A
pobreza é um fator do crime. Não é, certamente, a causa do crime, pois há
muitos pobres que não delinquem. A pobreza releva indiretamente, pelas
condições frequentemente marginais que impõe, nomeadamente, a promiscuidade e a
formação de grupos de “subculturas” nas zonas das barracas.
2.2. A urbanização
A urbanização é acompanhada na maior
parte dos países por um crescimento da inadaptação juvenil e delinquência.
Concorrem para este aumento vários
elementos:
-
a maior complexidade da vida urbana (aumentaram as ocasiões de
transgredir os múltiplos regulamentos);
-
as exigências da sociedade industrial, que exclui dos circuitos económicos
os sujeitos portadores de deficiências, por pequenas que sejam;
-
as solicitações numerosas (lojas de grande área, necessidades suscitadas
por uma publicidade omnipresente, etc.) associadas ao anonimato, que torna mais
fácil a passagem ao ato;
-
enfim, as deslocações de população, que fazem desaparecer os
quadros tradicionais de vida e provocam a formação, na periferia das grandes
cidades, de verdadeiras zonas “subculturais”, que diferem de maneira mais ou
menos pronunciada do resto do grupo social, no seu modo de vida e, por vezes,
também na adesão às regras morais;
-
saliente-se ainda as condições de trabalho, sobretudo no que diz
respeito às do transporte dos pais, que aumenta o distanciamento e a falta de
tempo disponível.
2.3. As perturbações sociais
Observa-se
geralmente um decréscimo da delinquência tanto adulta como juvenil, no início
dos conflitos armados. Este decréscimo verificado nas estatísticas oficiais
pode ser apenas um reflexo das perturbações administrativas habituais nesses
períodos (desorganização dos serviços de polícia, falta de registo dos delitos,
etc.). Por consequência, quando o estado de guerra dura (como sucedeu com os
conflitos mundiais de 1914-1918 e 1939-1945), a delinquência, e em especial a
dos jovens, aumenta nitidamente.
Para
os sociólogos, a síntese destes diferentes fatores encontra-se na noção de anomia, que traduz a tendência para a
desorganização social. A sociedade está com efeito marcada pela existência, no
seu seio, de grupos diferentes do ponto de vista cultural e económico e,
todavia, submetida a uma única regra de vida. Resulta destas distorções uma falta
de coesão do corpo social, que será um dos fatores essenciais da delinquência.
2.4. O meio familiar
O papel desempenhado pela
dissociação dos lares é confirmado por numerosos inquéritos. Mas mesmo fora da rutura
completa da célula familiar, a ausência da relação de boa qualidade entre os
membros da família, o elitismo ou a patologia mental dos pais – todos eles fatores
bem conhecidos, que misturam mais ou menos carência afectiva e carência
educativa – levam muitos adolescentes a procurar noutra parte compensações afetivas
ou uma valorização.
Note-se que é grande a percentagem
de delinquentes juvenis que não se sentem amados pelas suas famílias.
Tem-se observado também que muitos
dos delinquentes provêm de famílias numerosas sem meios económicos, são filhos
únicos ou filhos primogénitos.
As famílias desses jovens
delinquentes têm, na sua maior parte, baixo nível de formação. Por outro lado,
os seus planos para a progressão na carreira profissional não existem.
É frequente em famílias de
delinquentes a punição corporal e severa, injustificada, utilizada muitas vezes
como meio de “ensinar”.
O desemprego da mãe é um fator mais
negativo do que o seu emprego: o emprego implica um melhor estatuto material e
mentalidade mais aberta.
Contudo, o absentismo da mãe por
razões de trabalho reforça o sentimento de insegurança e de abandono da
criança.
As carências afetivas precoces são
consideradas por um grande número de autores um fator essencial favorável. Elas
são consequência de separações precoces dos pais, do mau comportamento da mãe
ou do abandono da criança sem substituto materno válido.
Nas sociedades modernas tem-se
observado a desvalorização progressiva do estatuto dos pais enquanto
autoridade, desvalorização essa agravada pelo seu estatuto profissional muitas
vezes pouco atraente e pela sua atitude muitas vezes demissionária perante os
pedidos, exigências ou problemas da criança.
Os adultos são mais incitados (pelas
imagens impostas pelos mass media e publicidade) a assemelharem-se aos filhos
do que o inverso.
A incapacidade em que se encontram
certos pais em assumirem plenamente o seu papel educativo, numa sociedade em
que a moral é incerta, contestada, coincide com toda uma contestação do valores
tradicionais, sem que um consenso se tenha ainda feito à volta de uma ética
nova. Seja qual for a posição que se adote a este respeito, temos de reconhecer
que o desaparecimento das referências morais deixa um vazio que não favorece a
estabilização dos jovens.
Diga-se ainda, repetindo, que as
condições materiais de vida demasiadamente fáceis com carências afetivas e
educativas podem favorecer a delinquência.
A falta de vigilância dos pais,
sobretudo durante os tempos livres, é também apontada como sendo um fator
negativo.
É grande também a percentagem de
pais analfabetos com filhos delinquentes.
A estrutura familiar apresenta-se muitas
vezes desorganizada e incapaz de fornecer aos menores modelos de referência
adequados ao seu desenvolvimento harmonioso. Nestas famílias apesar de estarem
quase sempre associadas problemáticas múltiplas, evidenciam-se problemáticas
mais frequentes e que se configuram como relevantes na sua incidência e
intensidade.
A
avaliação diagnóstica dos sistemas familiares, revelam-nos, bastas vezes:
a) Problemática alcoólica;
b) Pobreza psicológica,
que se reporta às famílias com dificuldades sérias na gestão de recursos
pessoais, sociais e económicos. Há, de uma forma geral, uma situação socioeconómica
desajustada à satisfação das necessidades familiares básicas e logicamente às
expectativas que os estímulos ao consumo geram. São famílias que traduzem dificuldades
no desempenho dos papéis sociais e na assunção das
responsabilidades/compromissos, mantendo uma dependência estrutural das
prestações de ação social. Nestas famílias a coesão familiar não aparece
prejudicada já que existem elos afetivos entre os seus componentes, todavia é
relevante a falta de consistência na disciplina e controle parental.
c) Práticas de prostituição
– a singularidade destas famílias é que estão organizadas em sistema fechado e
com dificuldade de responderem aos estímulos de mudança. De uma forma geral os
progenitores estão associados a subculturas marginais e as crianças crescem
isoladas socialmente.
Esta
problemática tem por vezes contornos difusos passando as crianças despercebidas
quando da sua frequência no 1º ciclo de escolaridade, já que em termos objetivos
de uma forma geral as necessidades e bens básicos apresentam-se como bem
preenchidos.
d) Má qualidade na relação
afectiva – que se traduz na privação total dos laços afetivos normais que
toda a criança tem direito a receber duma mãe ou dum substituto materno. As
situações de maus-tratos estão associadas, numa fase precoce do desenvolvimento
destas crianças, à incapacidade das mães em estabelecerem relações afetivas e
calorosas, não conseguindo lidar com as situações de stress que a interação da díade suscita.
e) Toxicodependência – estas
crianças têm, muitas vezes, de ser retiradas das famílias de origem. O
comportamento toxicodependente encontra-se, por vezes, associado a mães com
práticas de prostituição, contudo, nestes casos nem sempre se determina esta
variável como fator principal de disfuncionalidade.
f) Reclusão do progenitor
– a perda neste caso do pai associada à incapacidade materna ou outras figuras
de substituição determinam o internamento das crianças.
g) Saúde mental onde estão
presentes patologias psiquiátricas.
h) Alcoolismo e saúde mental
enquanto problemáticas associadas.
i) Falta de controlo parental.
Este indicador apesar de estar associado a famílias estudadas com padrões de
disfuncionalidade, foi em vários casos isolado/autonomizado, já que apesar de
estarem ultrapassadas outras problemáticas e nomeadamente não existindo
deficiente enquadramento sociocultural, estas famílias revelaram de uma forma
determinante incapacidade na função reguladora/normativa.
j) Fragilidade sociocultural
respeitante a famílias detentoras de algum grau de coesão e socialmente
integradas, mas com precárias condições de vida e cujas preocupações estão
orientadas para as necessidades de sobrevivência. Trata-se assim de um
indicador menos prevalecente, o que leva a concluir que, de acordo com o
diagnóstico da situação familiar, a componente socioeconómica e cultural é a
menos dominante, já que apesar de estar presente noutras famílias, ela não
determina por si própria o padrão de disfuncionalidade.
Todavia, em
famílias em que existe capacidade na função reguladora/normativa, também
aparecem casos de delinquência juvenil. Trata-se, pois, de um problema que
requer uma análise mais detalhada.
2.4.1. O estilo de vinculação e o desenvolvimento de comportamentos delinquentes na
adolescência: fator de risco ou de proteção
As
características da mãe, ou da pessoa prestadora de cuidados, são apontadas como
diretamente implicadas no estilo de relação que a criança irá estabelecer.
As relações criança-adulto
constituem sistemas sociais em que a disponibilidade e responsividade
organizam o comportamento exploratório e a procura de proximidade, tal como
outras atividades cognitivas e afetivas.
Quando a criança se sente segura,
está apta a explorar o meio, afastando-se da figura de vinculação, sendo este o
padrão de interação típico entre pais e crianças, conhecido como exploração
a partir de uma base segura.
A criança utiliza as experiências
que tem com o seu progenitor para construir um modelo mental do «eu-em-relação»,
o que implica a capacidade de forma, manipular e integrar as representações de
tais experiências. Ao produto desta capacidade corresponde a noção de «internal working models».
Preconiza-se que se a figura de
vinculação reconhece as necessidades de segurança e proteção da criança,
respeitando a de exploração do ambiente, esta desenvolverá um modelo interno
dinâmico de si como alguém competente, ganhando autoconfiança. Se se passar
o oposto, a criança construirá um modelo interno de si como alguém
destituído de valor e dos outros como pessoas em quem não se pode confiar.
Conclusão:
i) O estilo de vinculação e o padrão relacional são fatores
preponderantes no desenvolvimento psicossocial posterior das crianças,
exercendo influência no seu comportamento e relacionamento com os outros nos
diversos contextos em que se movimentam;
ii) Existe uma ligação entre a qualidade da vinculação e a
adequação do comportamento e ajustamento psicossocial das crianças: por um
lado, os pais são os mais influentes na construção dos modelos dinâmicos de si
e da vinculação; por outro lado, existindo essa forte vinculação, cria-se uma
continuidade entre gerações.
Enquanto na infância a vinculação é
unidirecional, servindo o adulto de base segura, na adolescência a vinculação
passa a ser recíproca – os interlocutores vão alternando papéis, funcionando,
ora um, ora outro, como base segura.
Durante
a adolescência os adolescentes tendem a afastar-se das relações de vinculação
com os pais, sendo estas entendidas como limitadoras, e não como apoio e
suporte da procura de autonomia. Neste período, as necessidades de vinculação
não diminuem, simplesmente passam dos pais para os pares. Verifica-se uma
diminuição da confiança nos pais enquanto figuras de vinculação, o que reflete
o desejo do jovem se tornar cada vez menos dependente. Assim, com o início da
adolescência, as relações com os pares passam a ser essenciais. Neste período,
a aquisição de um sentido de pertença ao grupo de pares constitui uma tarefa
primordial: é com estes que eles experimentam formas de ser, estar e pensar
mais distintas, ao mesmo tempo que se traça e legitima o sentido de identidade
pessoal.
Contudo,
esta busca de autonomia é melhor
sucedida quando sustentada por uma figura de suporte, que constitua uma base
emocional segura, aspeto fulcral a ter em consideração em especial
tratando-se de jovens internados em Centros Educativos.
O
estabelecimento de relações com pares nesta fase do desenvolvimento – adolescência
– assume importantes funções no aperfeiçoamento das aptidões sociais,
sentimento de segurança e conceções de sentimentos acerca de si enquanto
distinto dos pais, no processo de individualização.
Os
pais não devem confundir o desenvolvimento da autonomia com a rejeição da
relação. Devem estar disponíveis para o adolescente, na negociação ativa de
autonomia e hetero/autoconfiança, exploração das normas sociais, preocupação
com a aceitação social e pressão dos pares e discussão de sentimentos, valores
e tomadas de decisões (projeto de vida, envolvimentos íntimos e sexuais).
Os jovens
que percecionam menor vinculação aos pais e pares são mais suscetíveis de
desenvolver níveis elevados de sensibilidade à rejeição.
Os
adolescentes seguros apresentam em regra um funcionamento superior em diversos
domínios desenvolvimentais relevantes. Apresentam um discurso afetivo mais
coerente e maior sensibilidade ao estado mental do outro, pelo que beneficiam
de melhor aceitação social.
Já
a insegurança no adolescente facilmente se transforma em hostilidade para com
os pais, daí decorrendo em casos limites, mas frequentes, a redução da afetividade do controlo e
monitorização, assim se eliminando um dos fatores que mais importância tem na
contenção de comportamentos desviantes.
Níveis
elevados de vinculação aos pais minimizam as probabilidades de envolvimento em
situações contrárias ao direito.
A
afinidade do jovem com a escola é também um fator de proteção, havendo uma
relação estreita com a vinculação parental, pois se os pais valorizam a escola,
o jovem procura um bom desempenho escolar para agradar aos pais.
Neste
plano devem referir-se três estilos
parentais:
- Permissivo: progenitor não punitivo,
pouco exigente na responsabilidade e que evita exercer controlo, não limitando
o comportamento do filho;
- Autoritário: progenitor que determina, controla e avalia os comportamentos do
filho numa autoridade suprema, valorizando a obediência e favorecendo medidas
punitivas, não encorajando discussões com o filho nem a sua autonomia;
- Democrático: progenitor que não dirigindo as ações do
filho fá-lo de modo racional, encorajando a discussão, partilhando raciocínios
que suportam a «política familiar» e valorizando atributos expressivos e
instrumentais (como a autonomia e a conformidade).
Os pais que
pautam a sua relação com os filhos por este estilo democrático estabelecem
normalmente com eles uma relação segura, marcada por mecanismos de suporte e
empatia.
A
vinculação materna revela-se como o mais importante fator de predição da
delinquência, suplantando a relevância da supervisão materna e do controlo
parental.
A
vinculação à figura paterna assume um papel de destaque na prevenção ou
predisposição para a adoção de comportamentos delinquentes.
A
monoparentalidade, associada a contextos sociais desfavorecidos, implica
usualmente o aumento dos níveis de stress
da família, relacionados com dificuldades de nível económico, já que a regulação
do exercício das responsabilidades parentais e o estabelecimento de uma pensão
de alimentos não são geralmente efetuados de forma efetiva ou adequada às
necessidades. Além do mais, a ausência de uma das figuras parentais implica
recorrentemente menor disponibilidade da figura presente, resultando numa menor
supervisão das crianças/jovens, enfraquecimento da eficácia da comunicação,
potencial envolvimento com pares desviantes e afastamento entre a criança/jovem
e a figura de suporte.
Podemos
identificar quatro modalidades de família, construindo uma estrutura parental detalhada:
- Família biológica: existem duas figuras parentais biológicas ou
adotivas;
- Família reconstruída: existem duas figuras parentais, das quais uma
é biológica;
- Família cuidadora:
casal que acolhe uma criança ou um jovem e desenvolve laços idênticos aos da
filiação natural (cf. famílias que assentam nos chamados laços de ternura, ou
seja, não biológicos, mas sustentados em torno de uma estrutura nuclear);
- Família monoparental: existe uma figura parental;
- Viver sem pais: viver em lares, com familiares, sozinho ou
casal amigo.
Ora, o funcionamento familiar
compõe-se de duas dimensões principais:
- por um
lado, o entendimento entre pais e filhos (cf. vinculação); e
- por outro
lado, a supervisão dos pais sobre os filhos.
A
combinação da estrutura familiar com o funcionamento familiar, traduzida na análise
da supervisão, permite concluir que a sua fraqueza aumenta particularmente a
delinquência dos que vivem fora de uma família clássica.
A
prevalência atual nas sociedades modernas de estruturas familiares não
tradicionais tem consequências a este nível, pois em muitas dessas famílias
não existe a figura paterna e assim não existe um cenário interativo pai/mãe
que possa suscitar a construção, atualização e generalização de um «script»
relacional (cf. roteiro relacional), muito menos de base segura.
Refira-se
ainda que, se a família é o ambiente para a criança, já quando esta se torna
adolescente, o ambiente exterior
à família torna-se, cada vez mais, o seu lugar. A família insere-se, pois, num
ambiente mais alargado que é, em boa parte, determinado pelo nível de
recursos do agregado. Estes recursos determinam o tipo de bairro de
residência, mais ou menos marcado por desordens em redor da habitação: isto
constitui o meio exterior onde o adolescente recruta as suas companhias, as
quais orientam o seu comportamento.
O
papel das incivilidades ou das desordens na vizinhança, a categoria socioprofissional
dos pais (em relação aos rapazes) e as taxas de atividade do casal, o tipo de
bairro têm efeitos modestos, mas significativos.
As
variáveis do ambiente são tão determinantes como as que estão relacionadas com
a estrutura familiar ou mesmo com o funcionamento familiar.
O
controlo parental traduzido no controlo indireto (através do laço de
qualidade da relação intergeracional) e direto (através da supervisão)
desempenha um papel na limitação das desviâncias e na formação do autocontrolo
da criança, que, por seu turno, conduzirá ou não à delinquência.
Mas
a estrutura familiar não
parece ser o principal fator que influencia diretamente a emergência da
delinquência. As relações positivas com as pessoas de referência na
família, com organizações como a escola ou a Igreja, reforçam os laços com a
sociedade e devido a isso, tornam-se numa proteção contra a delinquência.
O
convívio com pares tem sido sublinhado como uma variável muito
importante para a predição da delinquência.
A
acumulação de défices traduz-se num desmoronamento dos controlos sociais
informais. Na verdade, a concentração de desvantagens (pobreza,
combinada com composição étnica demográfica e grau de desestruturação
familiar), a falta de estabilidade residencial, contribuem para a
ausência de supervisão informal.
Fator
não desprezável é a vulnerabilidade dos alvos de delinquência na
sociedade de massas e a possibilidade de comissão de delitos em anonimato, o
que aparece associado ainda ao conceito de oportunidade para delinquir.
A
impossibilidade das pessoas em situação de desvantagem realizarem legalmente os objetivos que a
sociedade prescreve (culturalmente definidos, em oposição a imperativos
biológicos) cria sobre essas pessoas pressão no sentido de as mesmas se
envolverem em processos não conformistas.
Importa
realçar, desde já, a importância do «score»
fatorial de perceção da gravidade dos diferentes delitos (do roubo por
esticão à venda de drogas duras): quanto mais elevado se mostra este «score»,
mais jovens manifestam uma fraca perceção da gravidade dos delitos.
Por
outro lado, quanto maior é a diversidade
de delitos praticados, mais forte é a implicação. Esta diversidade
corresponde, de facto, a uma «polivalência
na delinquência», que pressupõe uma experiência importante, bem como
uma rede de relações ou de amigos com os quais se cometem delitos.
A
frustração socioeconómica ou a frustração escolar integra-se
num conjunto mais alargado de frustrações vividas, como tantas outras tensões,
no interior das pessoas.
Os
indivíduos quando estão privados da igualdade de oportunidades e passam a
dispor de meios ilegítimos para alcançar as metas culturais, tendem a
«adaptar-se» às alternativas não conformistas. O comportamento desviante será,
nesse sentido, uma conduta adaptada em certos meios às oportunidades
desses mesmos meios – que são, muitas vezes: toxicodependência/TRÁFICO; acesso
a bens/FURTO OU ROUBO; etc.
No
que diz respeito à família, as tensões têm a sua origem em acontecimentos
negativos, como, por exemplo, o divórcio dos pais, a morte deles. Estas fontes
de tensão podem desempenhar um papel na emergência de comportamentos
delinquentes, no sentido em que estes últimos desencadeiam emoções negativas,
tais como a cólera, a qual se pode manifestar através de atos violentos.
Podemos
assim assinalar a importância da:
- Socialização vertical, ou seja, o papel dos pais;
- Socialização horizontal,
ou seja, o papel dos pares; e
- O efeito de contexto,
ou seja, a importância do tipo de habitat.
As
estatísticas e os estudos que têm vindo a ser realizados demonstram que o facto
de se ter pais com baixo estatuto aumenta estatisticamente a delinquência para
as famílias monoparentais e para os que vivem sem pais.
Por
outro lado, o convívio com parceiros delinquentes afeta, particularmente, a delinquência dos
jovens que estão numa outra família que não a biológica. O tipo de habitat tem
o mesmo efeito – o comportamento delinquente é reforçado até pelo aspeto físico
degradado do meio envolvente (cf. Teoria do Vidro Partido).
Por
outro lado, os maus resultados escolares afastam da escola e provocam a procura
de formas de autorrealização no exterior do contexto escolar.
A supervisão
parental é mais importante do que o entendimento com os pais, na
prevenção da delinquência juvenil.
O modelo que
melhor prediz a delinquência é o que
combina a análise da supervisão (cf. teoria do controlo) com a da
integração escolar (cf. teoria da tensão). E aqui importa reter duas
variáveis:
- pode existir boa supervisão e má integração escolar, que leva à
inadaptação e depois ao delito; e
- a escola exclusiva cria inadaptação e delinquência.
A estrutura
familiar (cf. em cima) não está associada às perceções sobre a gravidade
dos delitos. Em compensação, a supervisão parental interage de forma limitada,
mas significativa, com a perceção normativa.
A redução da
afetividade do controlo e monitorização elimina um dos fatores que mais
importância tem na contenção de comportamentos desviantes.
O aumento da
supervisão favorece uma rejeição dos delitos, mas unicamente relativamente aos
rapazes.
Aspeto
importante a reter é o facto de os adolescentes agirem em função dos seus
valores e se reprovam ou se se inquietam com um comportamento, tendem a
evitá-lo. Existe, aliás, uma forte evidência de que a conformidade com a lei
por parte dos cidadãos se deve mais à concordância com a mesma do que ao medo
das sanções oficiais.
2.4.2. Órfãos de Pais Vivos
"Órfãos de Pais
Vivos" são geralmente
crianças mais vulneráveis, que viram desrespeitados os seus direitos à
preservação dos laços psicológicos e à boa imagem de um dos pais e se
desenvolvem com baixa autoestima e sentimentos de insegurança, provocados pela
ausência de um deles.
Destaca-se cada vez mais
a importância da colaboração ativa dos pais na reparação de situações
episódicas de conflito entre o outro progenitor e o seu respetivo filho, nunca
utilizando "essas experiências como âncoras de apoio às suas vivências
negativas da imagem do outro progenitor". A saúde mental da criança é colocada em risco sempre que um dos pais
priva ou dificulta a relação necessária do outro progenitor com o seu filho.
Resulta de uma
interpretação sistemática da lei, para além do estatuído no art.º 3º da Lei de
Promoção e de Proteção (cf. art.º 3.º, n.º 2, al. c): conceito de «falta da
afeição»), o direito ao afeto, que inclui o direito da criança à
continuidade das relações afetivas gratificantes e do seu interesse.
Fala-se cada vez mais no abuso do direito de guarda (cf.
art.º 1878.º do Cód. Civil- "no interesse dos filhos" e não dos pais;
e 1905.º, 1906.º, n.º 2, 5 e 7 do Cód. Civil - referência ao superior interesse
do menor) quando se priva o menor do afeto do outro progenitor ou se sujeita o
mesmo ao denegrir da imagem do outro progenitor.
Por outro lado e como
decorrência do direito ao afeto, saliente-se a existência do princípio
da prevalência das ligações psicológicas profundas, no caso de não
exercício prolongado da função parental acompanhado da substituição das
responsabilidades e cuidados parentais por terceiros que detêm a guarda de
facto (cf. art.º 5.º, al. b), da LPP, entre outros, a respeito da guarda de
facto). A privação da criança dos afetos de quem detém a guarda de facto de
forma gratificante e segurizante para a mesma e a sua substituição por um vazio
e meramente simbólico "poder paternal" constitui uma violação
flagrante do superior interesse da criança - cabe ainda aqui invocar o direito
à continuidade das relações afetivas gratificantes e do seu interesse. A
substituição de tais afetos tem de ser justificada em função do superior
interesse do menor e não de direitos subjetivos de terceiros, pais incluídos.
Por outro lado, o direito
ao afeto impõe um conteúdo próprio ao exercício das responsabilidades
parentais, falando-se hoje de responsabilidades parentais acrescidas em
caso de separação ou divórcio e recomenda-se aos progenitores:
.Que não envolvam os filhos
nas disputas que têm;
.Que estimulem a relação
do filho com o outro progenitor e ambas as famílias alargadas;
.Que entreguem o filho ao
outro progenitor no caso de férias ou ausências e não a terceiros;
.Que facilitem o contacto
telefónico do filho com o outro progenitor;
.Que seja entregue ao
menor toda a correspondência e prendas do outro progenitor;
.Que se valorize sempre (ou,
pelo menos, que não se desvalorize) o outro progenitor;
.Que não se permitam
críticas na presença dos filhos em relação ao outro progenitor;
.Que se facultem ao outro
progenitor todas as informações escolares e de saúde;
.Que haja participação
conjunta dos pais nas idas ao médico e às reuniões da escola;
.Que se avise o outro
progenitor do evoluir das situações (ex.: novas consultas, resultados de exames
médicos, etc.);
.Que se consulte o outro
antes de se decidir;
.Que se facultem
informações ao outro progenitor a respeito da escola, desporto, etc.; e
.Que não se marquem
atividades nos fins de semana em que o menor vai para o outro progenitor.
Para além das situações
suscetíveis de darem origem a processo de promoção e de proteção - cf. art.º 3.º
da Lei n.º 147/99, de 01.09, na redação da Lei n.º 31/03, de 22.08 -, no qual é
possível a aplicação das medidas de apoio junto de outro familiar (cf. art.º 40.º)
ou de confiança a pessoa idónea (cf. art.º 43.º), passaram a existir as
seguintes possibilidades legais de confiança de menor a terceira pessoa:
- A tutela, verificados
os pressupostos do art.º 1921º do Cód. Civil, designadamente se os pais
houverem falecido, estiverem inibidos, estiverem há mais de seis meses
impedidos de facto de exercer as responsabilidades parentais ou se forem
incógnitos;
- A limitação ao
exercício das responsabilidades parentais, por via de ação tutelar comum do
art.º 210.º da O.T.M. ( cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 01-04-2004,
Processo n.º 2476/2004-6, Relator: Pereira Rodrigues; in www.dgsi.pt);
- A inibição total ou
parcial do exercício das responsabilidades parentais pela via dos arts. 1913.º
ou 1915.º do Cód. Civil, conjugados com os arts. 194º e seguintes da O.T.M.;
- A limitação ao
exercício das responsabilidades parentais pela via dos arts. 1918.º e 1907.º do
Cód. Civil, conjugados com os arts. 194º e seguintes da O.T.M.;
- A confiança a terceira
pessoa por acordo prévio, homologado judicialmente, nos termos do art.º 1903º
do Cód. Civil, na redação da Lei n.º 61/08, de 31.10, homologação essa que
seguirá a forma de ação tutelar comum do art.º 210.º da O.T.M..;
- A confiança a terceira
pessoa no âmbito de ação de regulação ou de alteração do exercício das
responsabilidades parentais, na sequência de acordo ou de sentença.
Tais ações devem servir
para proteger o menor, sobretudo quando os pais não demonstrem idoneidade para
o exercício das responsabilidades parentais, devendo evitar-se a mera propositura de ação de regulação do exercício
das responsabilidades parentais.
2.5. A influência dos mass media e de certo tipo de literatura
Por vezes,
este tipo de influência pode ser negativo em jovens de espírito sugestionável.
Com efeito, nota-se, por vezes, que os jovens não só copiam as façanhas dos
personagens televisivos e do cinema, personagens que glorificam muitas vezes a
violência, o erotismo e o desprezo pelas instituições sociais, como
inclusivamente lhes adotam os apelidos.
Certa espécie de literatura,
sobretudo pornográfica, pode, ou melhor, exerce uma influência preocupante
sobre os jovens, contestando toda a ideia de sexualidade em função do amor,
para a converter em simples instrumento de prazer.
O cinema, a publicidade e a
televisão contribuem também muitas vezes para a criação de um mundo jovem
oposto ao dos adultos e que se traduz por modas no vestuário e tempos livres
específicos, tendentes a deixar crer que os adolescentes possuem um estatuto à
parte e que a juventude é um fim em si. Isto tem muito a ver com a exploração
do poder de compra dos adolescentes.
2.6. Outros fatores ou consequências da inadaptação social
relativos ao meio ou com ele relacionados.
-
É frequente observar-se nos delinquentes juvenis um coeficiente de
inteligência indicativo de deficiência;
-
O delinquente juvenil geralmente alimenta-se mal e não tem hábitos
de higiene;
-
É frequente observar-se nos delinquentes juvenis: medo do futuro,
completa indecisão, imaturidade, imediatismo, sugestibilidade, falta de
resistência a estímulos criminógenos e presença de neurose de ansiedade,
traumas infantis, traços paranoicos e esquizoides,
-
Muitos delinquentes desconhecem o fim da mãe, não conhecem os pais
ou são órfãos;
-
A um aumento da religiosidade do jovem corresponde uma conduta
melhor, regra geral;
-
A insuficiência da frequência escolar contribui para lançar
crianças na rua, onde vivem em bandos ou grupos marginais, muitas vezes dirigidos
por um chefe mais velho.
A escola é um lugar privilegiado para as
primeiras manifestações da inadaptação social. Quase não há jovem delinquente
em que não se encontre um longo passado de inadaptação escolar.
Os
insucessos constituem frustrações que o jovem mal tolera. Uma indisciplina que
toma cada vez mais o ar de provocação procura, pela fanfarronice, compensar a
imagem desvalorizada que de si próprio dão os insucessos. Paralelamente, o meio
escolar tende a rejeitar esse perturbador.
-
Estes elementos atrás referidos, associados ao absentismo escolar,
às faltas esporádicas e vagabundagem convergem para a delinquência do
jovem.
-
As faltas e a vagabundagem podem levar o jovem à delinquência de
necessidade (furtos e roubos de subsistência) e, por outro lado, não raro estes
jovens procuram refúgio em comunidades marginais e, por vezes, fazem nelas a
sua primeira experiência de toxicomania.
-
Contudo, a violência na escola não deve ser explicada apenas por
características individuais, mas também por fatores contextuais. Assim, estudos
recentes comprovam que a exposição a violência doméstica leva a uma maior taxa
de violência nas escolas. Por outro lado, estudantes que beneficiam de elevados
níveis de suporte parental em relação às atividades escolares são menos
violentos na escola.
-
O trabalho a tempo parcial tem consequências nefastas sobre os projetos
de carreira a longo prazo.
-
Fatores importantes são também a droga, o álcool, a instabilidade
laboral e a atração pela vida fácil.
2.7. As amizades nocivas
As amizades
nocivas têm sido apontadas como o fator principal, segundo inquéritos
feitos a delinquentes juvenis, da delinquência juvenil.
Elas assumem particular relevo
quando o jovem delinquente se encontra inserido num bando ou num grupo de
delinquentes.
Este é um fator difícil de combater,
pois é muito difícil e problemático afastar os jovens dos seus companheiros.
Um adolescente cujos laços com a
família são frágeis é mais afetado pelas influências presentes no meio
ambiente, as quais podem conduzi-lo à delinquência.
Neste contexto, importa recordar:
- O espírito
influenciável é favorecido por laços familiares frágeis;
- A ausência
de supervisão deve ser analisada sob duas vertentes: a familiar e a informal;
- Os fatores
socioeconómicos favorecem de forma indireta a delinquência pela localização do
domicílio;
- A má
integração escolar favorece o surgimento de amizades nocivas; e
- A
delinquência dos adolescentes é predominantemente coletiva: não se concebe sem
um grupo (cf. «associação diferencial»);
- Importa
ter presente a importância dos «mentores
delinquentes» (cf. líderes);
- A
supervisão familiar é ineficaz para anular estes fatores de associação grupal;
- A
reincidência não depende unicamente das características do indivíduo, mas
também do tipo de meio envolvente e, portanto, do bairro de residência;
- De forma
significativa, e tal deve ter-se em conta na prevenção da reincidência, os
reincidentes consomem mais substâncias tóxicas do que os não reincidentes;
- Os estudos
que têm vindo a ser realizados têm constatado que os jovens violentos consomem habitualmente
mais álcool do que os não violentos.
3. A jovem delinquente
Retratada
como vítima, a mulher tornou-se invisível como agressora. E quando surge no
quadro da delinquência, perpetua imagens e representações estereotipadas relacionadas
com a ideia “tradicional” de que a mulher delinquente é vítima do seu passado,
do seu ambiente e da sua condição feminina, incompatível com o mundo criminoso
e com a cultura de rua. Esta invisibilidade
torna-se ainda mais patente quando falamos de jovens raparigas.
A secundarização do fenómeno da
delinquência feminina é agravada pelo facto de esta delinquência não ser
devidamente retratada nos inquéritos. O desvio entre sexos diminui em cerca de
metade quando a delinquência feminina é avaliada mediante inquéritos de
autorrelato.
Assiste-se nesta área a uma
democratização da delinquência, pois a percentagem de jovens que admitem ter
delinquido é praticamente a mesma em todas as classes sociais.
O
comportamento delinquente entre jovens é bastante frequente indiferentemente da
idade, género, classe social e estatuto educacional.
O
tratamento cavalheiresco das mulheres pela justiça e a discriminação positiva
generalizada das mulheres retratam atitudes paternalistas associadas a
estereótipos femininos ligados à fraqueza, submissão, passividade e
domesticidade, estereótipos esses produzidos pelo controlo social.
Assim,
mesmo na justiça de menores, verifica-se ser, por exemplo, mais difícil a institucionalização
da rapariga perante comportamentos e situações sociais e familiares de igual
gravidade.
O
envolvimento da família, a mobilização de familiares é mais forte no caso das
raparigas. Os rapazes veem-se rejeitados ou abandonados, entregues a si
próprios em idades muito novas.
Os
técnicos consideram, no entanto, ser mais fácil trabalhar com rapazes do que
com raparigas, pois aqueles são mais facilmente controláveis, mais obedientes e
menos problemáticos.
Os
rapazes não são piores do que as raparigas, são apenas diferentes.
Num
paradigma de mulher que almeja apenas casar e constituir família, os objetivos
são facilmente realizáveis.
Mas
a desregulação social, a alteração de paradigmas, a igualdade de género, levou
a mulher a ambicionar algo mais e expô-la à criminalidade.
A
exposição a situações criadoras de stress
e frustração levam a mulher a expor-se à criminalidade como agente ativo.
A
mulher, porém, está constrangida a um maior controlo e supervisão social, o que
explica a sua maior conformidade às regras sociais, generalização esta que
sofre muitas exceções.
O
controlo social pode, porém, ao estigmatizar e rotular, levar os desviantes a
construírem espaços sociais de
identidade pessoal e coletiva.
A
criminalidade feminina não se explica, porém, nem pela estrutura social apenas,
nem por fatores de género, apenas.
A
mulher ofensora tem sido vista como sendo duplamente desviante por transgredir,
simultaneamente, a lei e os papéis de género convencionais
(tradicionalmente as jovens adolescentes são socializadas para acreditar que as
«boas raparigas» são quietas, passivas e sacrificam as suas necessidades pelos
outros, e que a raiva deve ser internalizada e transformada em comportamentos
autodestrutivos; as raparigas são premiadas pelo silêncio e passividade).
Uma
mulher que transgride a lei, mas assegura os papéis de género que lhe são convencionalmente
exigidos, pode ser menos punida do que uma mulher que não o faça.
Os
papéis sociais de género são influenciados pela estrutura de classe e pela
pertença étnica, ou seja, o desvio de expectativas sociais sobre a conformidade
sexual e moral (por exemplo, fugas de casa, promiscuidade sexual,
desobediência…) são mais toleradas e até esperadas nas raparigas de classe
baixa e em alguns grupos étnicos.
Rapazes
e raparigas não usam as mesmas expressões e não fazem as mesmas escolhas. Há
especificidades nas condutas delinquentes de rapazes e de raparigas.
As
dificuldades de adaptação das raparigas manifestam-se de forma diferente da dos
rapazes. Daí que a agressão feminina seja qualitativamente diferente da dos
rapazes.
O
acesso ao espaço público é um exemplo dessa diferença – a cultura feminina tem
estado localizada fora da esfera pública e caracteriza-se por formas culturais
de expressão próprias.
A
criação de um novo lar para escapar a situações de violência e ao
controlo familiar é uma prática tipicamente feminina. As raparigas tendem a dar
mais importância aos laços familiares, ainda que a família seja, também, uma
importante fonte de raiva e de frustração, porque normalmente ela é a
perpetradora de abusos vários, falhando na sua função de proteção.
A
manipulação da sua sexualidade é mais intensa na mulher.
As
raparigas, porém, são mais afetadas pelos relacionamentos do que os rapazes.
Assim, o mau relacionamento com os pais (pobre qualidade
da relação, negligência, maus-tratos) tem sido visto como determinante
no envolvimento em atividades delinquentes.
A
influência de amigos, ainda que marcante, não tem o mesmo peso que nos rapazes.
Em
regra, as raparigas quando praticam crimes tradicionalmente masculinos, normalmente
não agem sozinhas, mas como “cúmplices” (não no sentido técnico-jurídico),
principalmente do companheiro.
A
participação da rapariga no crime tende a seguir uma linha de atuação individual,
sendo poucas as que surgem claramente referenciadas a grupos. Quando tal
acontece, surgem, sobretudo, em grupos mistos (cf. a importância deste índice
no combate ao tráfico de droga).
A
maioria das raparigas valoriza a solidariedade de grupo, descrevendo as suas
relações de amizade como uma das coisas mais importantes da sua vida. E aqui é
curioso notar, também, uma diferença entre rapazes e raparigas: as disputas
entre rapazes dizem respeito sobretudo a manter a lealdade no grupo e solidariedade
entre os rapazes do grupo. Pelo contrário, o confronto entre raparigas é mais
frequentemente de natureza pessoal.
II. Associações para delinquir
Dada a sua
especial importância, cabe agora falar das associações para delinquir.
Elas são de duas espécies: o bando e
o grupo.
Quando as instituições sociais não
podem satisfazer a necessidade que o adolescente tem de aceder à virilidade
(“ser ou não ser homem”), ele elabora substitutos psicológicos da condição de
adulto que lhe é barrada.
Entre esses substitutos, o bando é
um dos mais significativos. Verdadeira contrassociedade, com os seus ritos, as
suas leis, os seus interditos, o bando traz ao adolescente que dele faz parte
uma segurança psicológica e a garantia de um estatuto valorizado por aqueles
mesmos cujo julgamento ele forma, os seus pares.
Uma vez que o bando esteja formado
entra em competição séria com outras instituições, a título de fator dominante
na vida do rapaz. A importância do bando está em relação com a qualidade do
mundo social cívico da mesma idade do rapaz que ele representa e com o facto de
o bando ser criação de si mesmo. Todas as outras organizações pertencem aos
mais velhos; o bando pertence aos rapazes.
Contrariamente a certas ideias
correntes, segundo as quais este fenómeno de agrupamento de jovens delinquentes
remonta a tempos imemoriais, temos de ver nos bandos de adolescentes das nossas
sociedades industriais um fenómeno específico e que se vai acentuando.
Atrás do fenómeno do bando
encontra-se a dificuldade em que a sociedade industrial está para responder ao
problema que lhe é posto por uma adolescência cada vez mais longa, cada vez
mais disponível, cada vez mais impaciente.
Foi sobretudo na década de 50 que se
viu formarem-se, nos arredores das grandes cidades, bandos que reúnem jovens
dos treze aos vinte ou vinte e dois anos. Se esses grupos só raramente tiveram
a organização que os literatos ou cineastas lhes atribuíram, é verdade que se
observa neles uma certa estruturação que se exprime essencialmente em regras
impostas aos recém-vindos. Nesses bandos a violência e os atos delinquentes são
a expressão da vida do grupo – para a coesão do qual contribuem – e não a sua
finalidade primitiva. Reside aí a diferença com os bandos delinquentes adultos,
que se juntam com o fim de realizar certos atos, tais como roubos.
Entre os fatores que mais contribuem
para a constituição de bandos encontra-se a urbanização, quando esta leva a más
condições de vida e, paralelamente, se verifica a dissociação da vida familiar.
Os jovens de hoje têm uma
consciência de grupo muito marcante, uma forte solidariedade quando colocados
em face dos adultos. Fala-se até em consciência de classe. Nos grupos de
adolescentes, a adolescência não é só um período de transição, uma simples
situação de passagem, mas uma forma de viver e um mundo com sentido próprio.
Os jovens estão a formar a sua
própria sociedade à margem da sociedade dos adultos, de tal modo que muitas
vezes não há conflito de gerações, mas vidas justapostas que se ignoram mutuamente.
Disse-se atrás que o bando
delinquente e grupo delinquente são coisas distintas. Na verdade:
a) Os bandos
delinquentes formam-se pela união de três ou mais sujeitos, são dirigidos por
um deles, constituem-se por um período de tempo relativamente definido e com
finalidade delituosa.
Quando falta
algum desses elementos não existe bando, mas grupo criminal. Contudo, repare-se
que o bando pode surgir para a comissão de um só ato criminoso – pense-se na
organização para cometer um delito que necessita de certa preparação, como, por
exemplo, um assalto a um banco; uma vez cometido o delito, o bando pode
continuar ou dissolver-se.
b) Os rasgos
mais importantes que diferenciam o grupo delinquente do bando delinquente são
os seguintes:
-
os grupos têm menor período de gestação, podendo até nem existir,
pois, basta a proposta de um para cometer um delito, configurando-se o grupo
com a aceitação dos outros;
-
nos grupos o chefe – caso exista – tem menor relevo; por outro
lado, nem sempre é o sujeito mais inteligente ou de maior capacidade criminal;
-
no bando os interesses individuais são subalternizados, enquanto
que no grupo eles assumem lugar de relevo;
-
ao bando é inerente maior independência, considerando-se por vezes
autossuficiente, não necessitando do apoio da família, amigos ou do próprio
trabalho;
-
o grupo pode ser constituído por apenas dois sujeitos; do bando
exclui-se a parelha criminal, pois apesar de ser o grupo onde existe maior
concentração, contudo, na parelha criminal não é possível falar-se de uma
estrutura hierárquica do género atrás descrito – as tarefas dividem-se por
igual e com grande autonomia de execução;
-
o delinquente profissional dá-se melhor no bando do que no grupo;
-
os comportamentos do grupo costumam variar com frequência, o que
não acontece no bando;
-
o bando apresenta maior perigosidade e prepara melhor os seus delitos;
Note-se,
porém, que a maior parte dos bandos são evoluções de grupos criminosos.
Repare-se
ainda que a participação dos jovens em associações para delinquir é elevada.
Por outro
lado, a tendência para a constituição de grupos e bandos é mais elevada nas
zonas urbanas.
No
trabalho de intervenção em jovens
inseridos em gangs juvenis é
essencial perceber a interação que os mesmos estabelecem com os seus pais ou
outros adultos significativos:
- Até que ponto confiam neles para os protegerem do meio, muitas
vezes hostil?
- De que modo os adultos cuidadores estão presentes, conhecem os
seus filhos, sabem a que atividades se dedicam, com quem convivem?
- A relação entre ambos é meramente funcional, isto é, são apenas
asseguradas as necessidades básicas?
Os
jovens delinquentes inseridos em gangs
juvenis que estabelecem uma relação de vinculação segura com os seus pais sabem
que a sua proteção é incondicional e que os sinais de medo ou de insegurança
que apresentem serão detetados por aqueles que tudo farão para os apoiar.
Sabem, também, que podem confiar noutros adultos que representem funções de
apoio: polícias, professores e outros agentes da comunidade escolar.
Muitas
vezes, os jovens que pertencem a gangs
não conhecem essa interação com os seus pais/adultos cuidadores. Por outro
lado, os seus pais, ainda que quisessem proporcionar-lhes esse auxílio, não
reconhecem os sinais de medo e de desconforto emitidos por aqueles. O grupo de
pares está mais atento, tem maiores afinidades, está em melhores condições para
a desejada proteção e conforto.
É
fundamental, no trabalho de intervenção em jovens inseridos em gangs juvenis e com as suas famílias,
procurar que haja um (re)encontro,
de forma a ajudá-los a (re)vincularem-se, e a vincularem-se à comunidade. É
fundamental ajudar os pais a conhecerem os filhos, a estarem presentes nas
atividades daqueles e a perceberem quando devem agir. Por outro lado, é
essencial ajudar os jovens a confiarem nos adultos e na comunidade em geral e a
saberem pedir ajuda aos mesmos.
A prevenção
do fenómeno dos gangs só é possível
dando condições para que os jovens se vinculem e se integrem na comunidade, da
mesma forma que se vinculam aos gangs – os gangs formam-se, na maioria das vezes, para suprirem as necessidades
que os adolescentes têm de amizade, orgulho, identidade, aumento da autoestima,
excitação, aquisição.
A
seleção dos pares fortalece as atitudes e cognições sociais do
adolescente. Os jovens que têm uma boa relação com os pais e que estão bem
integrados na escola tenderão a escolher a companhia de pares com as mesmas
características. Estas associações fortalecerão os padrões morais e pró-sociais
e afastá-los-ão de uma moral inadequada.
III. Manifestações da delinquência
A delinquência juvenil é mais forte
nos rapazes do que nas raparigas; mas também é verdade que é de natureza
diferente, na maior parte dos casos.
Por outro lado, as formas mais
correntes de “delinquência” são o furto para o rapaz e a prostituição para a
rapariga (repare-se que a prostituição não é constitutiva de um tipo legal de
crime em muitos países; sempre se dirá, porém, que é uma situação que favorece
a delinquência).
III.1. Manifestações da delinquência juvenil
a) Crimes contra o património:
Ocupam um lugar cimeiro entre as
formas de delinquência juvenil.
a1) Furto e roubo
Entre
os crimes contra o património, o furto e o roubo ocupam lugar cimeiro.
O
furto é muito banal na criança e pode revelar uma situação conflitual. Nestes
casos a apropriação de um objeto em si mesmo tem uma importância muito
secundária e o produto do furto é muitas vezes destruído, distribuído pelos
outros e até entregue ao dono; o que conta aqui é a vítima, simbolicamente
enfraquecida pela perda daquilo que lhe foi tirado – não é de admirar
observarem-se tais furtos, por vezes até repetidos, em crianças submetidas a
constrangimentos educativos excessivos.
Outras
formas de furtos e certos roubos de adolescentes aproximam-se do que acaba de ser
descrito. Trata-se de pequenos furtos feitos por jovens, a maior parte das
vezes em grupo e num momento em que estão afastados do seu meio habitual (em
férias, por exemplo). Estes roubos e furtos, que tomam o ar de brincadeira,
quase de desporto, têm também uma dimensão de provocação, de libertação das
pulsões agressivas em relação à “boa sociedade” dos adultos.
São
elementos essenciais do roubo e do furto praticados por delinquentes juvenis:
-
a dificuldade em deferir a satisfação dos desejos;
-
a atitude agressiva para com os adultos identificados como
possuidores; e
-
muitas vezes, a droga.
A reincidência é cada vez mais
frequente.
Os
objetos subtraídos podem ser revendidos ou bem utilizados pelo próprio sujeito
com a finalidade de se prestigiar junto dos outros adolescentes. Temos de
lembrar a este respeito o valor simbólico que podem Ter os roubos ou furtos de
motas ou carros que correspondem evidentemente a desejos de posse e de
afirmação viril.
Este tipo de furto ou roubo pode,
aliás, integrar-se na atividade de bandos organizados: é um dos aspetos da
delinquência de grupo.
Constata-se
um ligeiro aumento da tendência para utilizar um veículo furtado para cometer
outro delito, coexistindo a condução perigosa com a comissão prévia de crimes
contra o património.
a.2) Estragos materiais
Representam
outra forma, mais recente e cada vez mais frequente, de ataque à propriedade.
São muitas vezes cometidos por grupos de adolescentes que atacam casas desabitadas
(residências secundárias) ou lugares públicos (cafés, locais de baile, etc.),
que devastam de maneira gratuita. Neste caso a dimensão da agressividade para
com a sociedade adulta é particularmente evidente.
Saliente-se aqui a atividade de
“hooligans” ligados a equipas desportivas que lhes servem de protesto para
exercerem violência ou destruição – atrás deles observa-se em certos países o
renascimento de ideais nazis (cf. neonazismo).
b) Os delitos de violência
Os delitos
de violência têm aumentado de forma acentuada. Trata-se de agressões físicas,
de golpes e ferimentos cometidos produzidos por adolescentes já crescidos, por
vezes acompanhados de jovens adultos. Estes atos são inteiramente gratuitos ou
verificam-se por ocasião de pretextos menores, tais como acidentes de
circulação. Os estudos psicológicos feitos a este propósito insistiram na
presença latente de um estado de frustração na origem de uma agressividade
maior suscetível de se revelar à menor causa. É de assinalar, de passagem, que
o álcool ou certas drogas excitantes podem ter um papel estimulante sobre esses
delitos.
Estas agressões físicas podem
igualmente fazer parte da atividade de bandos, em especial dos que se dedicam
ao tráfico de drogas e ao furto lucrativo; então tomam, por vezes, o ar de
verdadeiros confrontos organizados entre grupos adversários e as suas consequências
são por vezes graves.
c) O homicídio
É um facto
excecional nas crianças e adolescentes.
Importa salientar como elemento
associado a posse de armas, sem segurança, por parte dos pais, que, por vezes,
ensinam a criança ou o jovem a manuseá-las.
d) Infanticídios
São frequentes os infanticídios
cometidos por raparigas muito jovens que conseguiram dissimular até ao fim a
gravidez.
e) Parricídios
Foi
notado que, em especial no caso de parricídio, o próprio ato é muitas vezes
cometido num clima de desrealização, de semi-inconsciência.
f) Delitos sexuais
Este tipo de delitos diz respeito a
jovens em fase pubertária: as idades em que são mais frequentes situam-se entre
os 14 e os 16 anos; mas o número de menores de 13 não é de desprezar – a
frequência reduz-se consideravelmente depois dos 17 anos, o que se explica em
parte pela maturação da personalidade, que permite um maior controle das pulsões,
mas também, sem dúvida, pelo facto de que, cada vez mais, os jovens desta idade
terem relações sexuais de tipo adulto.
Os delitos registados são diversos:
-
atentados ao pudor;
-
exibicionismo neurótico, em subtensão por uma forte carga ansiosa
(de certa frequência nos adolescentes masculinos);
-
violações, muitas vezes coletivas; e
-
prostituição.
A
toxicomania é um fator importante de passagem à prostituição. Nas grandes toxicomanias
– em particular a heroinomania – que são praticamente incompatíveis com um
trabalho regular, quase não há outro modo de conseguir o dinheiro necessário á
compra das drogas que não seja o tráfico e a prostituição.
Ainda
sobre a prostituição são de salientar fatores que a ela podem levar:
-
a atração pelo dinheiro face à indigência do meio familiar;
-
nível intelectual muitas vezes medíocre;
-
imaturidade, muitas vezes grosseira, de uma personalidade passiva
e sugestionável; e
-
tendências depressivas ligadas a componentes neuróticas,
conducentes à busca masoquista da punição.
Relações
sexuais precoces, realizadas de maneira ostensiva, com diversidade de parceiros
e frequência, que lhes confere um carácter espetacular e até provocador, são o
modo de expressão da inadaptação de certas raparigas. Todavia, tal
comportamento pode ter apenas o significado de uma tentativa de se ver
reconhecer mais depressa um estatuto de adulto.
g) Toxicomanias
Contrariamente
aos intoxicados de outrora, que permaneciam fieis ao mesmo produto, os jovens
toxicómanos de hoje utilizam múltiplos produtos.
Tem-se observado um aumento
acentuado de consumidores de drogas. Por outro lado, há cada vez mais crianças
e mais jovens no grupo dos consumidores de drogas.
g.1) Motivações que conduzem à
toxicomania
As
motivações sociológicas desempenham um papel determinante nos primeiros ensaios
de consumo de drogas. Além da busca dos estados psíquicos artificiais (sobre os
quais uma publicidade um tanto suspeita tem sido feita pela imprensa), a
toxicomania inscreve-se numa tentativa de integração num universo especial.
Esta
“subcultura”, que se define em oposição à sociedade atual, possui as suas próprias
normas, os seus costumes vestimentários, a sua música e até a sua própria
linguagem.
Entre
as motivações individuais podem referir-se:
-
o desejo de experimentar;
-
o desejo de apaziguar a angústia ou os sentimentos de vazio;
-
a pretensão de encontrar uma forma de passar por cima da
incapacidade de viver;
-
a descoberta de si próprio; e
-
a procura de prazeres novos.
Mas,
para além de motivações mais ou menos conscientemente exprimidas, existe, na
maior parte das toxicomanias importantes um desejo inconsciente de
autodestruição, que se exprime especialmente na escalada das doses – nem sempre
justificada pela habituação – e pelo ensaio de cocktails de drogas cada vez
mais perigosas.
Em
relação às toxicomanias é de salientar que as mulheres se iniciam em idades
mais baixas. Por outro lado, do consumo facilmente se passa à revenda de droga.
Os
assaltos a farmácias têm muitas vezes a ver com as toxicomanias.
h) Atos incendiários
Estes atos são pouco frequentes.
O que parece ressaltar do exame de
crianças que cometeram tais atos é que se trata de um modo de expressão entre
outros de uma agressividade ligada a dificuldades familiares ou até a
frustrações encontradas no domínio escolar.
O incêndio surge sobretudo como meio
de agressão fácil e ao mesmo tempo espetacular, e por isso mais facilmente
utilizado por seres fracos ou diminuídos.
IV. Prevenir e curar a delinquência juvenil
IV.1. É fácil compreender que a prevenção da
delinquência implica todas as medidas que favoreçam uma boa higiene mental da
infância. Estas medidas respeitam ao meio de vida da criança, familiar,
escolar, profissional ou de tempos livres. Importa, portanto, despistar
precocemente as primeiras manifestações de desequilíbrio (fugas, mentiras,
agressividade, vagabundagem, furtos, roubos, perturbações de comportamento e do
carácter, fracassos escolares, etc.) e favorecer as medidas de ordem social que
permitam um melhor desenvolvimento ou desabrochar familiar (proteção maternal e
infantil, educação dos pais, melhoramento geral das condições de vida, luta
contra o alcoolismo e as barracas ou pardieiros, intervenção de assistentes
sociais, médicos de ordem educativa e psicológica no quadro dos institutos
médico-profissionais e médico-psicopedagógicos de diagnóstico e de tratamento).
A melhor prevenção da delinquência é
constituída pelo próprio meio familiar. Os casais desunidos, sem harmonia, ou
simplesmente desequilibrados mostram-se com frequência incapazes de criar
filhos corretamente.
As famílias demasiado rígidas, ou
alternando os dois tipos de comportamentos, vão impedir a criança de adquirir
uma personalidade estável e adaptada às circunstâncias exteriores.
A ideia do bem e do mal deriva dos
sistemas de interdições dos pais. Punir a criança com lucidez e
proporcionalmente à falta cometida, desculpabiliza-a, dá-lhe os limites das
suas possibilidades pulsionais e diminui a sua angústia.
No período pubertário o grupo
paternal vê com frequência a sua autoridade contestada e criticada. Assim, a
demissão do pai enquanto representante simbólico da ordem favorece o desvio
para o comportamento associal e para a delinquência; mas uma atitude despótica
dá o mesmo resultado. A tendência para se fixar eletivamente na mãe, tendência
apresentada por muitos jovens delinquentes, não traduz a maior parte das vezes
senão a desunião do casal e a desvalorização da imagem do pai pela mãe.
IV.2. É bom
insistir contra os perigos de um certo “ativismo” que se encontra, por vezes,
nos serviços de assistência social. É tentador, na verdade, perante um meio
familiar deficiente ou considerado patogénico, propor que a criança dele seja
separada. Mas trata-se de uma decisão grave em que é preciso pesar os possíveis
inconvenientes. Mesmo se a qualidade dos serviços melhora, raras são ainda as
instituições que reúnem as condições educativas e afetivas ideais. É também de
ter em conta, na escolha de um eventual internamento, as influências que pode
sofrer um jovem em “perigo moral”, mas ainda não delinquente, posto em contacto
com outros jovens mais gravemente atingidos na inadaptação.
Todas estas observações reforçam
ainda o interesse que se deve consagrar ao outro tipo de medidas que, mesmo
quando são de execução mais difícil, mantêm a criança no seu meio natural
(educação em meio aberto) ou procuram reconstituir uma inserção familiar
estável (colocação familiar).
Muitos dos jovens delinquentes
abandonam o mundo do delito de forma espontânea – alguns logo após a primeira
experiência; outros após algum tempo de delinquência; outros quando se tornam
adultos. São muitos os fatores que levam ao abandono da delinquência:
-
encontrar trabalho;
-
medo de ser detido;
-
dissolução do grupo de delinquentes;
-
incorporação no serviço militar;
-
não querer problemas familiares; etc.
Ora,
por vezes, com o internamento em algum centro, está-se a colaborar para a
consolidação de uma carreira criminal.
Com
isto não se quer dizer que não se deva combater a criminalidade juvenil;
quer-se apenas dar preferência ao sistema de tratamento em liberdade, à
educação em meio aberto e à colocação familiar.
A
confirmar aquela preferência está a constatação da falta de estabelecimentos adequados
e a resistência das famílias ao trabalho dos centros.
Note-se,
contudo, que o sistema de tratamento em liberdade ainda não existe em muitos
países. Por outro lado, mesmo quando funciona, sucede, por vezes, que se limita
a um simples encontro periódico com o jovem delinquente em que se lhe pergunta
se se tem mantido afastado dos problemas, da criminalidade. Ora, as mentiras
são inevitáveis, por parte do jovem delinquente, entregue a si mesmo.
IV.3. Ações preventivas
e ressocializadoras de iniciativa privada têm um papel interessante. Certas
equipas procuram estabelecer um contacto permanente, por meio de atividades de
tempos livres, com jovens de sectores geográficos em que a delinquência está
particularmente espalhada. É de salientar o empenho de certos grupos cristãos.
Mas uma ação preventiva em grande
escala, que necessita de mobilização de equipamentos socioculturais e
educativos consideráveis, paralelamente à luta contra os fatores sociais não
pode ser empreendida senão ao nível do próprio Estado, sendo certo que os
tribunais também não o conseguirão fazer sozinhos.
IV.4. No que diz
respeito à delinquência juvenil em particular, é fundamental a investigação
científica da personalidade do delinquente, na fase da instrução do inquérito
tutelar crime. Esse exame criminológico permitiria o conhecimento integral do
homem, sem o qual não se poderá vislumbrar uma justiça eficaz e apropriada.
A personalidade do delinquente
juvenil é o fator mais importante para o estudo da sua perigosidade.
Esse exame criminológico reclama a
participação de sociólogos, médicos, psicólogos e assistentes sociais.
Até ao século XIX o ponto de vista
jurídico dominava amplamente o estudo da criminalidade: “o crime não é uma ação,
mas uma infração”, dizia-se.
O estudo do crime ficava limitado
pelas disposições do direito penal.
Já no final do século XIX, com o
desenvolvimento das ciências da observação, sobretudo as diretamente ligadas à
biologia e á medicina, a pessoa do delinquente chamou a atenção dos
pesquisadores e, como era um século do cientismo determinista, foram os traços
fisiológicos e os dados hereditários (dos criminosos submetidos a análise)
considerados como pedra de toque da personalidade criminógena.
Mais tarde, já no século XX, surgem
as correntes coletivas - todos os crimes são resultantes das condições
individuais e sociais e a influência desses fatores tem a ver na sua
intensidade e importância, com as posições particulares do corpo social: a cada
fase da evolução e a cada estágio de uma sociedade corresponde um dossiê dos fatores
individuais e sociais da delinquência (princípio da saturação criminal).
Quanto ao que fica dito, teremos,
porém, de dizer sucintamente que os fundamentos hereditários e as estruturas
biológicas do indivíduo não têm, à vista da criminalidade, o verdadeiro
significado, pois o crime não é frequentemente o resultado de uma falta de inteligência,
mas um defeito da vontade.
Em Portugal só com muito custo se
poderia afirmar a existência nos processos de menores de um verdadeiro exame
criminológico.
É premente evitar um intervalo prolongado
entre a detenção de menores e a aplicação de medidas.
O
comportamento antissocial atinge o estado de cristalização em diferentes idades
a partir do qual o tratamento se torna particularmente difícil.
Um
dos aspetos fundamentais é a integração social do jovem delinquente: é aqui que
tudo acaba ou recomeça.
Observa-se
hoje a tendência (que nasceu nos anos 50) para substituir a repressão da
delinquência juvenil pela reeducação.
É
prioritário o destaque para a prevenção primária e para formas de intervenção
em idades mais precoces do desenvolvimento. Todavia a extensão do problema
contrasta flagrantemente com a exiguidade dos meios de prevenção e
concretamente deverá apontar em especial para a organização e reorganização dos
serviços e instituições desde os primeiros anos do ensino básico e mesmo
pré-escolar. É escasso o trabalho individual que se faz com as crianças e a
vertente escolar não é dimensionada numa linha de desenvolvimento.
A
partir de uma avaliação diagnosticada das situações de forma individual, mas
abrangente ao nível dos diversos domínios de funcionamento, as atividades devem
ser planificadas de forma a melhorar as competências socioafetivas e morais, as
competências físicas e motoras e as cognitivas. O trabalho com as famílias deve
ser convergente à função educativa, ensinando os pais a identificar as
variáveis da família que possam ser responsáveis pelo comportamento antissocial
da criança e ensinar-lhes como alterar o padrão de interações muitas vezes
inadequadas e de contornos coercivos.
Os
comportamentos de agressividade em meio escolar devem ser alvo de intervenção
nos níveis de ensino mais precoce – 1.º ciclo. É no 2.º ciclo que eclodem os
fenómenos de indisciplina e de violência com a agravante de não existirem
técnicos de apoio psicossocial. Torna-se necessário diversificar os espaços de
escuta e de informação. Tendo como referência a vocação inclusiva da escola
urge criar equipas especializadas de apoio psicopedagógico e com o reforço da
colaboração entre os diversos agentes educativos.
Importa
reunir competências múltiplas que favoreçam o desenvolvimento de ações inovadoras,
sendo exemplo o desporto escolar e a animação social.
Todavia
a promoção de atividades só tem sentido se estiverem sustentadas num projeto
concertado e coerente.
Criação
de um centro de informação e divulgação dos recursos existentes que facilitem a
articulação entre os serviços e entidades tendentes à sua operacionalização, a
exemplo as atividades a nível de ocupação de tempos livres e desportivas, é um
bom ponto de partida.
As
expetativas positivas face aos outros e a si próprio promovem o empenho e a
motivação para iniciar e manter contactos sociais, bem como para diminuir a
incidência de problemáticas de internalização.
A
reabilitação e a reeducação têm que assumir-se como preocupações centrais do
poder central, principalmente no que respeita aos jovens que se enquadram na
Lei Tutelar Educativa.
Num
lugar onde se pretende ressocializar jovens, a opção não pode ser o isolamento,
a competição ou a existência de uma subcultura marginal dentro das instituições
que têm a seu cargo esta difícil tarefa. Pelo contrário, a aposta deve ser no
incitamento do trabalho de grupo, de cooperação, entreajuda, resolução de
conflitos e educação para objetivos, ou seja, promoção de competências pessoais
e sociais que diminuam os fatores de risco associados (consumo de substâncias,
contextos socioeconómicos desfavorecidos, sistemas familiares disfuncionais), e
que promovam os fatores de proteção (as próprias competências constituem por si
só fatores de proteção contra a adoção de comportamentos delinquentes).
O
paradigma a seguir é o da proximidade e empatia, verdadeiros agentes de mudança
e parceiros de relação.
Um
sistema que estenda a intervenção judicial muito para além das fronteiras do
facto de infração, judiciarizando a pobreza e recorrendo massivamente às
colocações em instituições, frequentemente por períodos excessivos num quadro
de medidas de duração indeterminada, não respeita os direitos dos menores na
justiça.
A
aproximação da justiça tutelar educativa à justiça penal de adultos, com o consequente
aumento da capacidade de internamento de jovens, é um caminho errado.
É
fundamental a desjudicialização, a desinstitucionalização e a manutenção do
jovem no seu meio de vida, estimulando a procura de novas formas de intervenção
e de alternativas à colocação em instituição, caminho que os tribunais não
poderão fazer sozinhos. Contudo, tratando-se de jovens delinquentes, não se
pode esquecer, neste trajeto, a necessidade de reparação da vítima e a
responsabilização dos jovens e de seus pais, que devem ser parceiros da escolha
e da execução da medida tutelar.
Importa,
porém, perceber que existe sempre um núcleo duro de menores delinquentes, em
que qualquer abordagem aparece, à partida, como impotente. Importa perceber
aqui que quem nasceu e cresceu sozinho não consegue, sem ajuda, viver em
sociedade, respeitando as regras do Estado de Direito. Ora, o modelo da punição
não é o mais adequado, mas sim o da intervenção, intervenção essa cujo fim deve
ser tratar e dar condições para que os jovens se vinculem e se integrem na
comunidade, da mesma forma que se vincularam aos comportamentos delinquentes.
O
espírito influenciável deve ser combatido pela criação de laços familiares ou
substitutivos fortes.
A
supervisão familiar e a informal devem ser reforçadas.
Os
fatores socioeconómicos devem ser combatidos, e desde logo pela análise do
local de residência.
A
má integração escolar favorece o surgimento de amizades nocivas. Assim, a integração
em programas pode produzir o mesmo efeito, se for competitiva e deixar o jovem
entregue às mesmas frustrações.
A
delinquência dos adolescentes é predominantemente coletiva: não se concebe sem
um grupo (cf. «associação diferencial»). E aqui importa ter presente a
importância dos «mentores delinquentes» (cf. líderes). Combater o grupo e a
influência do líder é fundamental. A rede de relações ou de amigos com os quais
se cometem delitos deve ser analisada e extinta.
A
busca de autonomia é melhor sucedida quando sustentada por uma figura de suporte, que constitua uma
base emocional segura.
A
insegurança no adolescente facilmente se transforma em hostilidade para com os
cuidadores, daí decorrendo, em casos limites, mas frequentes, a redução da
afetividade do controlo e monitorização, assim se eliminando um dos fatores que
mais importância tem na contenção de comportamentos desviantes.
O
jovem delinquente tem, desde logo, de ser trabalhado para que ganhe a perceção
da gravidade dos delitos que cometeu. Aspeto essencial a reter é também o facto
de a censura do comportamento
delinquente dever estar centrada no ato e não na pessoa, evitando-se
assim a estigmatização, pois o ato é
rejeitado mas o autor é respeitado. Ao contrário da estigmatização,
esta abordagem não corta os laços afetivos, reforça-os.
Aspeto
importante a reter é o facto de os adolescentes agirem em função dos seus
valores e se reprovam ou se se inquietam com um comportamento, tendem a
evitá-lo. Existe, aliás, uma forte evidência de que a conformidade com a lei
por parte dos cidadãos se deve mais à concordância com a mesma do que ao medo
das sanções oficiais. O abandono da crença no valor da pessoa humana leva a um caminho
de repressão institucional, a coberto da aparência de legalidade do
«judiciário», a todos os títulos ilegítima!
Se
é verdade que, muitas vezes, para se poder alterar um comportamento delinquente
é necessário ter conta a sua família, sendo necessário ter um conhecimento da
dinâmica intrínseca deste sistema para exercer uma ação sobre o seu
funcionamento, todavia, uma ideia de «polícia das famílias» ou a mistura de
intervenção tutelar com responsabilização criminal dos pais não parece ser um
caminho adequado. É pequeno-burguês e naif pensar-se sensibilizar os pais desta
maneira.
O
modelo de resolução da crise em matéria tutelar educativa vigente não dá prioridade
à solução restaurativa, e a vítima é submetida a uma instrumentalização em
benefício de um processo tutelar educativo ao serviço de um menor em
dificuldade.
E
quando se pretende alcançar uma restauração, o caminho não é claro, e a reparação
económica nunca é realizada.
Por
outro lado, o envolvimento dos jovens no processo de aplicação da medida tutelar
educativa não é acompanhado por um trabalho de intervenção de fundo sobre os problemas
identificados nos jovens em causa. E, como diz o ditado, «Quem não avança,
recua».
Por
outro lado, a sociedade está marcada pela existência, no seu seio, de grupos
diferentes do ponto de vista cultural e económico e, todavia, submetida a uma
única regra de vida. Resulta destas distorções uma falta de coesão do corpo
social, que será um dos fatores essenciais da delinquência. Fala-se em anomia, ideia
esta que traduz a tendência para a desorganização social.
No futuro
assistiremos, mesmo nas sociedades mais desenvolvidas, à emergência cada vez
mais frequente de grupos de jovens delinquentes funcionando como espaços
sociais de identidade pessoal e coletiva, numa
modelação privada de valores e de ideais, sem relação com uma visão do
acontecer global, com uma linguagem própria, e sofrendo todos o mesmo receio e
inquietação, decorrente da ausência de vinculação segura e de esperança num
mundo melhor.
Dar
esperança pressupõe acreditar na pessoa humana. E acreditar pressupõe
compromisso. Do compromisso nasce a relação. E a relação é libertadora, porque
nos restitui ao contexto global da humanidade, do ser com os outros, e com Deus.
Qual o lugar
dos tribunais de família e de menores neste cenário? Residual, se Deus quiser.
RESPONSABILIDADES
PARENTAIS ACRESCIDAS
.Não envolvas os vossos
filhos nas disputas que tens com o(a) teu(tua) ex-companheiro(a);
.Estimula a relação dos
vossos filhos com o outro progenitor e ambas as famílias alargadas;
.Entrega os vossos filhos
ao outro progenitor no caso de férias ou ausências e não a terceiros;
.Facilita o contacto
telefónico dos vossos filhos com o outro progenitor;
.Entrega aos vossos
filhos toda a correspondência e prendas do outro progenitor;
.Valoriza sempre (ou, pelo
menos, não desvalorizes) o outro progenitor;
.Não permitas críticas na
presença dos vossos filhos em relação ao outro progenitor;
.Faculta ao outro
progenitor todas as informações escolares e de saúde dos vossos filhos;
.Permite a participação
do outro progenitor, se for conveniente, nas idas ao médico e às reuniões da
escola;
.Avisa o outro progenitor
do evoluir das situações (ex.: novas consultas, resultados de exames médicos,
etc.);
.Consulta o outro
progenitor antes de decidires questões relevantes;
.Faculta informações ao
outro progenitor a respeito da escola, desporto, etc.;
.Não marques atividades
nos fins de semana em que os vossos filhos menores vão para o outro progenitor;
e
.Sê feliz com os teus
filhos!
ALGUMA DA
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
E CUJA
LEITURA SE RECOMENDA
. "Em Defesa da Criança", Teresa Ferreira, Ed. 2000.
. Representações Sociais de jovens institucionalizados em Centro Educativo/Perspectivas
sobre a educação para o direito, Ana Manso/Ana Tomás de Almeida, «ouSar
integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 2, jan. 2009, págs.
31 e seguintes.
. Violência escolar/Resultados de um estudo longitudinal realizado na
Bavária (Alemanha), Marek Fuchs/Stefanie Schmalz, «ouSar integrar», REVISTA
de reinserção social e prova, n.º 2, ano 2, jan. 2009, págs. 43 e seguintes.
. O estilo de vinculação e o desenvolvimento de comportamentos
delinquentes na adolescência/Factor de risco ou de protecção, Ana Zilda
Silva, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 2,
jan. 2009, páginas 55 e seguintes.
. Reincidência de jovens infractores na Comunidade de Madrid, José
Luis Gómez/Vicente Garrido Genoves/Luis González Cieza, Reincidência de jovens
infractores na Comunidade 6de Madrid, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção
social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 9 e seguintes.
. Transições para a vida adulta entre os jovens de um bairro social,
Alexandre Silva/Fernando Luís Machado, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção
social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 29 e seguintes.
. O Espaço físico na exposição ao medo do crime, José Brites, «ouSar
integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010,
páginas73 e seguintes.
. Evolução e desafios das respostas residenciais para jovens face ao
perigo e ao crime, Manuel Branco Mendes, «ouSar integrar», REVISTA de
reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 83 e seguintes.
. As relações de vinculação e a afiliação aos gangs, Ana Maria Lavado,
«ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio
2010, páginas 97 e seguintes.
. Lei Tutelar Educativa –
desafios e constrangimentos: contextos, protagonistas e administração da
justiça, Maria João Leote de
Carvalho, Socinova/CesNova, Centro de Estudos de Sociologia, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.
. A Delinquência
Juvenil Portuguesa em Perspectiva, Maria João Leote de Carvalho,
Socinova/CesNova, Centro de Estudos de Sociologia, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.
. Os
Maus Tratos Infantis na
Jurisdição Criminal, José Francisco Moreira das Neves, Juiz de Direito, Verbo Jurídico (www.verbojuridico.net | com |
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. Programas de intervenção em agressores de
violência conjugal/Intervenção psicológica e prevenção da violência doméstica,
Celina Manita, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 1,
ano 1, setembro 2008, páginas 21 e seguintes.
. Preditores de comportamentos desviantes na
adolescência, Validação da escala PBI – Parental
Bonding Instrument para a população portuguesa, Luísa Carrilho/Mafalda
Alexandre, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 1, ano
1, setembro 2008, páginas 33 e seguintes.
. Os efeitos dos maus-tratos e da negligência
sobre as representações da vinculação em crianças de idade pré-escolar,
Renata Benavente/João Justo/Manuela Veríssimo,
«Análise Psicológica» (2009), 1
(XXVII): 21-31.
. Indisciplina e Delitos em Ambiente Escolar - enquadramento jurídico
e respostas judiciárias, Rui do Carmo, Procurador da República, Texto da comunicação apresentada em Lisboa,
no dia 23 de março de 2012, em ação de formação contínua do Centro de Estudos
Judiciários, subordinada ao tema O bullying
e as novas formas de violência entre os jovens – indisciplina e delitos em
ambiente escolar.
. A Criança e a Família – uma questão de
Direito(s), Helena Bolieiro/Paulo Guerra, Coimbra Editora, 2009.