segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Bem-estar das crianças e jovens

BEM-ESTAR DAS CRIANÇAS E JOVENS
                         



Texto elaborado a partir de «A Análise do Bem-Estar das Crianças e Jovens e os Direitos da criança», Edições Húmus, e dados do PORDATA.

É reconhecido que as crianças e os jovens constituem o mais valioso capital humano com que se constrói o futuro de uma sociedade, todavia, a realidade dos dias de hoje não traduz este consenso, como prova o facto de que as crianças constituem o grupo etário mais vulnerável à pobreza e à exclusão social na generalidade dos países da União Europeia e de Portugal em particular.
As questões da infância e da juventude têm ficado relegadas para planos subalternizados em relação aos equilíbrios financeiros e ao objetivo do crescimento económico. Mas isto é um paradoxo, pois, como se disse, as crianças e os jovens constituem o mais valioso capital humano com que se constrói o futuro de uma sociedade.
É notório também que continua esquecida a necessidade de dar voz às próprias crianças e adolescentes no que se refere à expressão das suas necessidades e dos seus anseios, capacitando-as para a sua participação ativa na comunidade e exercício de uma cidadania correspondente à respetiva idade.
É em relação às crianças que se torna mais premente assegurar o direito à igualdade de oportunidades em relação a bens básicos (alimentação, cuidados de saúde, acesso à educação e ao sucesso escolar, segurança e cuidado parental), a prevalência do interesse superior das mesmas em caso de conflitos, a educação para a autonomia, a responsabilidade e a participação, o direito de audição em matérias que lhes digam respeito, consoante a idade.
A verdadeira medida do estado de uma nação está na forma como cuida das suas crianças – da sua saúde e proteção, da sua segurança material, da sua educação e socialização, e do modo como se sentem, conforme é afirmado pela UNICEF.
Tratar as crianças de forma indiferente traduz-se no futuro em perda de produtividade e de competitividade.
As crianças são pobres porque as famílias são pobres.
Não se pode ser «família» sem dinheiro.
Não existem sociedades sem famílias.
Queremos crianças felizes, mas precisamos também de adultos felizes para que possam educar e acompanhar o crescimento das crianças. Precisamos de adultos tranquilos, que confiem no futuro, que acreditem nas suas capacidades, que transmitam os valores da partilha, da solidariedade, do respeito aos mais novos.
A Recomendação de fevereiro de 2013 da União Europeia sobre a necessidade do investimento em políticas de apoio às crianças, nomeadamente nas áreas da saúde, educação, proteção social, como forma de combater as desigualdades, apelava no sentido de que a pobreza jamais deveria ser motivo para serem retirados os filhos aos pais.   
A felicidade não está, porém, associada apenas aos bens materiais e as crianças felizes não são necessariamente as crianças que «têm tudo».
A Assembleia da República Portuguesa teve a coragem de reconhecer a pobreza como uma violação dos direitos humanos. Mas a quem responsabilizar? Note-se que até a omissão é uma forma agressiva de negação dos direitos, quiçá, a mais complexa, por revelar indiferença sobre realidades que implicam, direta ou indiretamente, com a vida coletiva.
Assistimos cada vez mais a uma cultura individualista predominante, que tem levado a uma perda de sentido do bem comum. O sistema económico está orientado para o lucro e não para o bem-estar das pessoas. Todavia, esta opção tem mais custos do que proveitos, levando a uma clivagem cada vez maior entre os muito ricos e os pobres.
Por outro lado, há um excesso no que respeita às preocupações pedagógicas, ou seja, parece que estamos a ter tanto cuidado com o «aquário» que nos esquecemos do «peixe», como diz Eugénio Fonseca em “Política Social e Pobreza infantil”. Há uma desmesurada desproporção entre o tempo e esforço que utilizamos na transmissão de conhecimentos e aquele que empregamos na comunicação de afetos. Quem é que gosta da escola? Não se pode admitir uma diferenciação no tratamento dos alunos em função da desigualdade de oportunidades, muito embora se devam ter conteúdos peagógicos adaptados a cada realidade.
O combate à pobreza infantil não pode estar assente em mero assistencialismo, numa política de esmolas. É preciso perceber que se trata de respeitar direitos humanos essenciais para o futuro da sociedade. Existe uma relação direta entre qualidade da infância e da juventude e qualidade do futuro.
As crianças são o grupo etário mais vulnerável à pobreza e à exclusão social.
Na EU cerca de uma em cada cinco crianças vive abaixo do limiar de pobreza.
Recordemos neste contexto que os recursos da família não se repartem de forma igual por todos os seus membros, pois famílias com idênticos rendimentos podem proporcionar modos de vida bastante diferenciados às suas crianças.
É fundamental quebrar o ciclo de transmissão intergeracional da pobreza. E isto não se faz apenas através do aumento de rendimentos dos indivíduos, pressupondo uma intervenção progressiva.
A criança é pobre porque a família é pobre. Por outro lado, sendo a criança pobre, está legalmente impedida de trabalhar e o seu desenvolvimento depende de terceiros.
O conjunto de experiências sociais negativas que se acumula ao longo das infâncias desprotegidas tem uma forte probabilidade de se consubstanciar na construção de uma posição social baixa na idade adulta.
As crianças e jovens pobres apresentam desempenhos na aprendizagem marcadamente inferiores, algo que se consubstancia fisicamente em estruturas cerebrais distintas relativamente às restantes crianças. Na opinião de Hair, Nicole L., Jamie L. Hanson, Barbara L. Wolf, Seth D. Pollak, (2015), “Association of Child Poverty, Brain Development, and Academic  Achievement”, Jama Pediatrics, vol. 53706, pp. 1-8), estas estruturas explicam 20 % das desigualdades de desempenho nos testes cognitivos por si aplicados a indivíduos entre os 4 e os 22 anos. Os resultados em causa vêm mostrar uma relação íntima entre fatores biológicos e sociológicos com consequências globais e duradouras na vida dos indivíduos. A pobreza infantil tem impacto muito para além da infância.
Os dados estatísticos atuais não permitem compreender como é que a pobreza infantil se distribui no território nacional e quais os perfis dos indivíduos em situação de pobreza infantil, até porque as crianças não são unidades estatísticas.
Se em 2014 a taxa de pobreza em Portugal era de 19,5 %, ou seja, um em cada cinco portugueses, a taxa de pobreza infantil (0-17 anos) era maior, fixando-se nos 24,8 %, ou seja, uma em cada quatro crianças. E estes dados devem ter em consideração que a taxa de pobreza é calculada através da mediana dos rendimentos nacionais, a qual tem vindo a diminuir, o que leva a que a referida taxa não tenha sofrido aumentos. Por exemplo, um terço das crianças portuguesas seria  considerada pobre em 2013 se essa pobreza fosse medida com o limiar de pobreza de 2009 e não com o de 2013.
Repare-se também que isto acontece num país onde o número de crianças está abaixo do necessário para se proceder à substituição das gerações. Somos dos países mais envelhecidos do mundo. Com base em dados de 2015, podemos afirmar que há menos 1,5 milhões de jovens hoje do que há 40 anos. Em 1975 eram metade da população. Em 2015, já eram menos de um terço.
Aqueles valores colocam imediatamente a questão dos tipos de apoio que o Estado proporciona às crianças, quer diretamente, quer através das famílias que as enquadram, isto no sentido de minimizar a intensidade da pobreza ou mesmo eliminá-la.
Os principais apoios na matéria são o RSI e o abono de família, podendo ainda falar-se da Ação Social Escolar.
Para o RSI a criança tem um valor diário de 1,8 €, sendo difícil não classificar este valor como baixo. As estatísticas demonstram, todavia, que, a partir de 2010, se vem assistindo a uma queda constante do número de beneficiários de RSI, num, momento em que este apoio social de fim-de-linha é mais necessário. E o pior é que o grupo de das crianças e jovens tem vindo a ver o seu peso cada vez mais reduzido: passou de 40,35% em 2004 e 2005 para 33,8% em 2014. O número de pessoas entre os 0 e os 24 anos beneficiárias do RSI sofreu uma redução significativa a partir de 2010, ficando em 120.404 pessoas entre os 0 e os 24 anos..

O que explica este fenómeno ainda não está explicado, mas poderá dever-se ao facto de as modificações legislativas e de redução de prestações que o RSI tem sofrido ao longo dos últimos anos tenham afetado mais as famílias com crianças e jovens.
No que respeita ao bem-estar infantil nos países desenvolvidos, a nossa posição (15.ª em estudo da UNICEF de 2013) seria em muito afetada se tivessemos em conta apenas a componente «Alojamento e ambiente» (17.ª posição), «Educação» (18.ª posição) e «Bem-estar material» (21.ª posição).
Em novo estudo de 2016 da UNICEF, Portugal ocupa o lugar 33.º em 41 países analisados no indicador rendimento e o 19.º lugar no que respeita ao bem-estar infantil.
As crianças que pertencem ao escalão das 10% mais pobres tem um rendimento familiar equivalente a 40% do rendimento familiar médio.  
As tentativas parentais de proteger as crianças dos efeitos da pobreza têm limites e esses limites consubstanciam-se na escassez de todo o tipo de recursos, o que se reflete na concretização das capacidades, fazendo com que, mesmo nestes casos, a possibilidade de efeitos duradouros da pobreza infantil ao longo da vida dos indivíduos seja muito grande.
O indicador Risco de Pobreza ou Exclusão Social (RPES), definido no contexto da Estratégia Europa 2020 como indicador central no que toca à monitorização da pobreza e exclusão social, contém em si três subindicadores:
- o risco de pobreza (monetária);
- a privação material severa; e
- a baixa intensidade do trabalho na família.   
O risco de pobreza é medido como na percentagem de pessoas que vive abaixo de 60% do rendimento mediano.
A privação material severa diz respeito à proporção de população que não tem capacidade financeira para adquirir quatro ou mais dos nove itens definidos como relevantes no contexto europeu:

1) capacidade para fazer face a despesas inesperadas;
2) capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa;
3) existência de dívidas (de renda, eletricidade, etc.);
4) capacidade de fazer uma refeição com carne de frango ou peixe de dois em dois dias;
5) capacidade de manter a casa quente;
6) ter uma máquina de lavar;
7) ter uma TV a cores;
8) ter um telefone;
9) ter um carro próprio.    

A baixa intensidade do trabalho na família corresponde à proporção da população que vive em agregados  familiares onde, num dado ano, foi despendido um número reduzido de horas a trabalhar (cf. Quando o número de horas corresponde a 20% ou menos do total do potencial de trabalho).

Enquanto medida de bem-estar das crianças, o indicador RPES padece de algumas limitações:
- por um lado, não tem em conta fatores não materiais que possam afetar as crianças;
- por outro lado, não tem a criança como unidade de análise e não inclui qualquer informação que respeite o direito de opinião das crianças, consignado no art.º 12.º da Convenção dos Direitos das Crianças – a informação reportada pelas próprias crianças é muito importante para a análise do bem-estar infantil.    

E por referência ao ano de 2014, temos os seguintes dados:
- o RPES nas crianças foi de 31,4%, ou seja, 584 mil crianças (30% em Portugal e Reino Unido, 14% na Suécia – taxa mais baixa na EU - em 2015);
- o RPES nas crianças (31,4%) foi o mais elevado quando comparado com outros grupos etários, nomeadamente adultos entre os 18 e os 64 anos, com um RPES de 28,3%, e pessoas com 65 anos ou mais, cujo RPES foi de 21,1%;
- 29% das famílias com crianças dependentes encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social e dentro deste grupo as famílias monoparentais e as famílias numerosas (compostas por dois adultos e três ou mais  crianças) são aquelas que apresentaram riscos superiores de 51,7% e 41,3%, respetivamente;
- o risco de pobreza ou exclusão social nas crianças variou também em função do nível de educação dos  pais, havendo a salientar que quando os pais têm um nível de educação superior o RPES foi de 7% e no caso contrário o RPES foi de 48,1%;
- por comparação a 2008, mesmo crianças com pais com nível de educação superior viram o RPES aumentar, pois em 2008 era de 3,8%;
- 25,6% das crianças encontravam-se em risco de pobreza (monetária), valor este que ascende a 36,5% antes de transferências sociais (ex.: abono de família);
- se nas crianças o valor atrás referido (valor antes de transferências sociais) era de 36,5%, já para a população entre 18 e 64 anos era de 19,1% e de 15,1% para a população com mais de 65 anos de idade, o que permite concluir que as crianças são o grupo etário no qual o impacto das transferências sociais  é menor;
- o risco de pobreza nos agregados familiares com crianças e com baixa intensidade de trabalho apresentou uma taxa de 73,9%, taxa essa que foi de 45,4% nos agregados sem crianças e baixa intensidade de trabalho;
- a taxa de privação material severa nas crianças foi de 12,9%, havendo a salientar a taxa de 43,3% no que respeita à incapacidade para fazer face a despesas inesperadas, 25,7% de incapacidade para manter a casa adequadamente aquecida e 16,4% de existência de dívidas.
            Em 2015, a taxa de pobreza, após transferências sociais, foi de :
- 0-17 anos: 22%;
- 18 – 64 anos: 18%
- 65 * : 18%
            Em Portugal, que entrou tarde na modernidade, as representações de uma infância pré-moderna, moderna e pós-moderna continuam intensamente presentes, interligadas e, paradoxalmente, no mesmo tempo e num mesmo espaço.
            Para um mesmo terreno e uma mesma época detetam-se em Portugal modos de viver a infância muito distintos, num processo de entrecruzamento denso e de difícil acesso.
            Em determinadas áreas urbanas verifica-se uma concentração territorial de problemas sociais, muito ligados a políticas de habitação erradas.
Em certos casos, a discriminação começa pelas dificuldades de acesso ao registo civil e a documentação pessoal.
            Verifica-se o crescer de uma cultura securitária e à diluição dos mecanismos informais de controlo social contrapõe-se o aumento das expectativas dos indivíduos sobre os sistemas formais, junto dos quais indivíduos e grupos sociais exigem um maior controlo e regulação dos comportamentos das crianças e jovens. É aos mecanismos de controlo social formal que são delegadas funções que, até recentemente, eram  asseguradas de modo informal  nas comunidades, numa transposição de papéis sociais a que se associa um aumento para a tendência punitiva em reação a determinados comportamentos de crianças e jovens.
Cada criança participa da vida do seu grupo cultural através da família, dos pares e daqueles que lhe estão mais próximos, estabelecendo uma dialética entre o eu, o nós, o outro e os outros a partir da qual constrói e redefine a sua ação quotidiana. Muitas vezes, este processo continua a ser definido a partir da cor da pele ou da capacidade económica.
O acesso a cuidados básicos de saúde é um fator de diferenciação social, oculto sob múltiplas formas.
A violência no seio da família produz consequências a longo prazo.  
O envolvimento de crianças em situações de violência exige cuidados específicos no processo de avaliação de risco, sendo necessárias competências especializadas. Esta avaliação permite o acesso a informações sobre:
- A exposição da criança a situação de violência em todas as suas formas (por exemplo: abuso físico, emocional…);
- O impacto da violência e o potencial de danos futuros;
- O bem-estar e a experiência da criança, incluindo os seus sentimentos; o sentido de responsabilidade; a capacidade para extrair significado das suas experiências e recursos de suporte (estratégias de coping) que possuem e o sentimento de segurança e proteção.
É fundamental reconhecer que a proteção das crianças passa pela segurança e o empowerment das suas progenitoras (ou progenitores…).
O ter-se sido vítima de abuso na infância e a exposição a violência intraparental leva a uma aprendizagem da violência e a identificação com a figura do progenitor agressor, culminando tudo numa transmissão intergeracional da violência.
Existe uma necessidade de comunicação entre o processo criminal e o processo de promoção e de proteção.
As declarações para memória futura devem ser o primeiro ou um dos primeiros atos do inquérito por crime sexual ou por crime que demande idêntica lógica.
É crucial partilhar informação e trabalhar em Rede. As lógicas de privatização da democracia não nos devem levar a criar uma lógica de insulamento também nas instituições.
Mas a intervenção protetiva não pode ser concebida  como se as crianças e as famílias fossem objetos, destinatários ou utentes de serviços especializados, devendo antes ser concebida enquanto veículo de garantia de direitos, sendo para tal fundamental convocar uma imagem renovada das crianças como sujeitos ativos de direitos.
Se as crianças não estiverem alertadas para o direito que têm a não serem abusadas, ou acerca dos perigos que podem correr, serão com certeza mais vulneráveis ao abuso. Para tal é fundamental investir na informação e em formas renovadas de diálogo com as crianças, no sentido de se tornarem protetoras de si mesmas e também dos seus pares.
Todos sabemos que a falta de um rendimento familiar decente não é a única causa de pobreza infantil. O acesso a serviços essenciais como habitação, educação pré-escolar de qualidade e cuidados de saúde podem contribuir largamente para reduzir a privação entre o grupo etário das crianças.
O acesso ao desporto ou a atividades socioculturais é, muitas vezes, mais fácil do que seria de supor, sendo fundamental a constituiçao de uma política local de protocolos que permita às crianças mais  necessitadas usufruir dessas atividades gratuitamente ou a custos reduzidos, sem esquecer que o Estado deve ter aqui uma participação muitas vezes centrada única e exclusivamente no facilitar o transporte, cuja falta se configura como o principal obstáculo à implementação desses protocolos.
Não devemos tomar o rendimento familiar como único indicador da pobreza infantil, pois existem muitas situações em que o rendimento da família pode não beneficiar a criança. Outras vezes, existe uma boa gestão do rendimento, mas os custos de transporte e logística associada não permitem às crianças beneficiar daqueles protocolos, que podem ser constituídos com filarmónicas, clubes desportivos, associações locais, etc.
Existe depois um grupo de crianças que demanda cuidados especiais: crianças com necessidades especiais, crianças em percurso de desinstitucionalização, crianças ciganas, crianças imigrantes, crianças com percursos marcados pelo absentismo e abandono escolar, crianças de áreas urbanas degradadas, etc.
O tempo da criança não é o tempo do adulto.
É urgente combater a pobreza infantil e todas as situações de que são vítimas.
O fundamental não é pensar que futuro queremos para as crianças e jovens, mas sim que crianças e jovens queremos para o futuro.
Para finalizar, alguns dados complementares, por referência ao ano de 2015:
- 16% de jovens em Portugal;
- 29% de taxa de desemprego de jovens (20-24) em Portugal;
- 1,31 filhos por mulher em idade fértil (taxa mais baixa da EU);
- idade média da mulher ao nascimento de um filho em Portugal: 31 anos;
- % jovens (18-24) sem o secundário (2016): 14%;




sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Adolescência, socialização e delinquência.

Adolescência, socialização e delinquência.


O presente texto foi elaborado com base em apontamentos retirados de diversos artigos e livros que consultei, configurando uma ordenação sistemática dessas notas, que acaba por ganhar alguma autonomia. Todavia, muitas vezes se transcrevem textualmente frases e parágrafos desses textos consultados.


I. Introdução
1.        A delinquência juvenil é o fenómeno mais importante dentro do mundo do delito. Senão vejamos:
-          A grande maioria dos reincidentes foi delinquente juvenil;
-          É raro iniciar-se uma carreira criminosa na idade adulta;
-          Para o delinquente juvenil o crime transcende o simples "carácter profissional" para se converter em modo de vida;
-          A um incremento da delinquência juvenil corresponderá no futuro uma maior delinquência em termos gerais.
Por outro lado, denota-se hoje um incremento da delinquência juvenil (que tem vindo a fazer-se sentir desde as grandes guerras mundiais), tanto em volume como em gravidade. E o que é preocupante é que o autor se inicia cada vez mais com idade mais baixa.

2.        Se para o direito o delinquente é apenas, por exigências do princípio da legalidade e de segurança jurídica, aquele que comete uma infração à lei penal, já à simplicidade da definição jurídica corresponde uma complexidade de noções psicológicas, psiquiátricas e sociológicas utilizadas para compreender essa forma de inadaptação social.
            Ora, o objeto deste escrito é precisamente analisar os fatores e as diversas manifestações da delinquência juvenil, cuja importância já se realçou.

II. Fatores
1.     Fatores Individuais
1.1. É conhecida a teoria do criminoso nato, desenvolvida por César Lombroso no fim do século XIX. Para ele, uma grande parte dos delinquentes eram-no em consequência de uma constituição especial que os caracterizava desde o nascimento. Impregnado das ideias de Darwin sobre a seleção natural das espécies vivas, pensava ele, em razão das particularidades morfológicas minuciosamente estudadas em vários milhares de sujeitos, que esses malfeitores eram seres que ainda não tinham acabado a evolução para a humanização e que, por isso mesmo, eram necessariamente inaptos para obedecer a leis adaptadas a homens mais evoluídos do ponto de vista biológico e psíquico.
            Essa ideia tem sido objeto de várias críticas.
            Contudo, vários estudos estatísticos demonstram uma maior frequência nos delinquentes de uma anomalia cromossómica: a duplicação do cromossoma Y, que caracteriza o sexo masculino.
            A fórmula genética destes sujeitos é 47 XYY (sabe-se que a mulher normal possui em cada célula do seu organismo dois cromossomas sexuais idênticos – XX –, enquanto no homem os dois cromossomas sexuais são diferentes – XY.
            Repare-se que certas características são comuns aos delinquentes portadores desta anomalia cromossómica:
·         São de estatura elevada (mais de 1, 80 m);
·         O nível intelectual deles é pouco inferior à média;
·         O seu comportamento é sobretudo inibido e imaturo; e
·         Os atos delituosos que cometem estão muitas vezes marcados por forte agressividade e ligados à sexualidade.
Estas considerações foram tomadas em consideração por certos tribunais, no estrangeiro, para atenuar a responsabilidade de certos criminosos portadores desta anomalia, o que suscitou viva discussão. Com efeito, se parece quase certo que a frequência desta fórmula cromossomática é efetivamente superior em certos delinquentes, ainda não dispomos de trabalhos que estabeleçam, ao invés, a frequência da inadaptação nos sujeitos XYY.
Seja como for, estudos psicológicos – incidindo embora sobre um pequeno número de casos – indicam que o risco está muito longe dos 100 %, pois certo número desses indivíduos fazem uma vida inteiramente normal. A opinião que podemos avançar no estado atual dos nossos conhecimentos é que existem talvez uma ou duas constituições genéticas que favorecem a inadaptação social, mas não podemos considerá-las como fatalidades.
Por outro lado, não há uma perfeita coincidência entre delinquência e inadaptação social.
Interessante será referir que um estudo que se propunha despistar, por meio de exames sistemáticos, desde o nascimento, os sujeitos XYY, e seguir-lhes a evolução, foi interdito nos USA em 1979.

1.2. A patologia mental
            A ideia de que a inadaptação e a delinquência são formas de patologia mental também não é nova e encontra-se com frequência. É habitual mencionar, a este respeito:
-          A epilepsia;
-          A debilidade mental;
-          As perturbações da personalidade; e
-          As psicoses.
Cumpre salientar que os psicopatas apresentam uma maior probabilidade de perpetuarem as suas carreiras criminosas durante praticamente toda a sua vida.
Contudo, as perturbações psicopatológicas (cuja despistagem é importante em cada caso individual, tanto mais que existe a possibilidade de um tratamento apropriado) nem sempre se encontram nos jovens inadaptados sociais. De facto, salvo no que respeita à atitude deles em relação à moral e à transgressão das regras estabelecidas, a maior parte não se diferencia psicologicamente da média dos indivíduos. Esta verificação deve ser, todavia, um pouco atenuada.

1.3. As rebeldias da insegurança
            Parece-me que são estas que devem ocupar lugar de primazia entre os fatores individuais que podem favorecer a delinquência.
            As rebeldias da insegurança podem revestir diversas modalidades:
-          Rebeldia regressiva;
-          Rebeldia agressiva; e
-          Rebeldia transgressiva.
Trata-se de rebeldias defensivas (defesa do “eu ameaçado”), negativas e de simples reação, que nascem de sentimentos de autoafirmação, de insegurança e de imaturidade.

1.3.1.a). A atitude de autoafirmação
            A adolescência é um período de crescimento que se traduz, sobretudo, no nascimento da intimidade e descoberta do «eu». Neste período a consciência infantil, ligada ao coletivo, é substituída por uma consciência pessoal. Por outro lado, o adolescente adquire capacidades novas:
-          O pensamento lógico; e
-          O sentido crítico.
Ora, o adolescente está normalmente interessado em estrear as suas capacidades novas e em pô-las ao serviço das necessidades de «autorrealização»:
-          «ser eu mesmo» (identidade pessoal);
-          «estar comigo mesmo » (intimidade);
-          «valer-me a mim mesmo» (autorrealização);
-          «poder escolher e decidir» (autonomia); e
-          «amar e ser amado» (aceitação).
Esta atitude de autoafirmação, que se aponta como estando na origem das rebeldias da insegurança, não é outra coisa que a afirmação da personalidade nascente.
Mas se a atitude de autoafirmação é, em si mesma, necessária ao desenvolvimento da personalidade, contudo, corre o risco de crescer desmesuradamente e de radicalizar-se perante determinadas atitudes dos adultos ou certas influências do ambiente. Surgem então:
-          a obstinação;
-          o espírito de contradição;
-          a busca de independência; e
-          a rebeldia perante as normas estabelecidas.

1.3.1.b). O sentimento de insegurança
            Este sentimento de insegurança é característico da adolescência, para ele contribuindo:
-          a enorme desproporção que existe entre a meta proposta e os meios disponíveis para alcançá-la (dificuldade do objetivo); e
-          por outro lado, o que é ainda um dos conteúdos possíveis da afirmação anterior, o adolescente debate-se com o problema de saber como comportar-se perante situações novas e mais difíceis, isto é, «como adaptar-se ao seu novo papel na vida».
Este sentimento de insegurança tem, pois, a ver com a falta de recursos e de experiência, com a ausência de metas claras e, em algumas ocasiões, a incompreensão dos mais velhos.

1.3.1.c). A imaturidade
            São suas manifestações:
-          o conceito de liberdade como simples ausência de limitações ou condicionalismos externos;
-          a falta de vontade: os adolescentes são mais pessoas de projetos do que de realizações – custa-lhes muito realizar o que decidiram e ser perseverantes nas tarefas que empreenderam;
-          o radicalismo nos juízos; e
-          a ausência de raízes.
Estes dois últimos aspetos são consequência tanto da pouca experiência prática da vida como da carga emocional que costuma acompanhar as suas ações.

1.3.2. Caracterizemos agora as rebeldias da insegurança
Elas estão relacionadas com a sensação de vazio ou carência de sentido da própria existência.
A rebeldia regressiva nasce do medo de agir e traduz-se numa atitude encolhida, de reclusão em si mesmo. Equivale muitas vezes a um regresso à vida despreocupada e livre de responsabilidades da infância – e ao abrigo deste refúgio adota-se uma atitude de protesto mudo e passivo contra tudo.
Este tipo de rebeldia é próprio, sobretudo, da primeira fase da adolescência (puberdade).
O púbere começa a deixar de ser menino, sentindo-se admirado e surpreendido com as mudanças do seu corpo e forma de ser.
Tudo isto pode levar ao medo de agir, com a consequente tentação de «regressar» psicologicamente ao mundo infantil que se converte agora num refúgio. A partir deste refúgio o púbere olhará o mundo dos adultos com uma hostilidade silenciosa.
  A rebeldia agressiva expressa-se de forma violenta, sendo própria do fraco, daquele que não podendo suportar as dificuldades que surgem da vida diária, tenta aliviar o seu problema fazendo sofrer os outros.
Este tipo de rebeldia costuma aparecer na adolescência média, fase em que se produz a rutura definitiva com a infância e a busca de novas formas de comportamento. Do «despertar do eu» passa-se à «descoberta consciente do eu». A análise de si mesmo será o ponto de partida para o redescobrimento e crítica do mundo que o rodeia. É a idade da impertinência ou fase negativa.
A rebeldia transgressiva traduz-se em arremeter contra as normas da sociedade, ou por egoísmo e entidade própria ou pelo simples prazer de quebrá-las.
No seu desenvolvimento podem ser decisivos certos problemas de personalidade, um clima ruim na família e determinadas influências negativas do ambiente.
Este tipo de rebeldia pode surgir também na adolescência média.

2.     Fatores do meio
Os fatores ligados ao meio sociológico e ao meio familiar desempenham um papel considerável. Ressalta esse facto dos inquéritos estatísticos que são, porém, de interpretação delicada, pois esses factos interpenetram-se muitas vezes de tal maneira que é difícil isolar um só que seja para estabelecer com precisão a sua influência. É ainda de acrescentar que as conclusões destes inquéritos nem sempre são concordantes.
Todavia, a eficiência social e o grau de coesão do «bairro» são das variáveis mais explicativas da delinquência. Uma política de redução da delinquência deve apostar nestes fatores e de forma coordenada.

2.1. O nível socioeconómico
            Numerosos estudos mostram que a inadaptação social e a delinquência dos jovens são mais frequentes nas classes sociais mais desfavorecidas. Esta diferença deve ser todavia matizada. Com efeito, ela não é tão marcante para todos os tipos de atividades delinquentes: se é clara para os delitos de violência e a para a delinquência de grupo, é menos clara e até inexistente para as toxicomanias, por exemplo. É possível também que um maior número de jovens delinquentes dos meios favorecidos escapem, graças à proteção da família, à ação policial e, por isso mesmo, às estatísticas.
            A pobreza é um fator do crime. Não é, certamente, a causa do crime, pois há muitos pobres que não delinquem. A pobreza releva indiretamente, pelas condições frequentemente marginais que impõe, nomeadamente, a promiscuidade e a formação de grupos de “subculturas” nas zonas das barracas.

2.2. A urbanização
            A urbanização é acompanhada na maior parte dos países por um crescimento da inadaptação juvenil e delinquência.
            Concorrem para este aumento vários elementos:
-          a maior complexidade da vida urbana (aumentaram as ocasiões de transgredir os múltiplos regulamentos);
-          as exigências da sociedade industrial, que exclui dos circuitos económicos os sujeitos portadores de deficiências, por pequenas que sejam;
-          as solicitações numerosas (lojas de grande área, necessidades suscitadas por uma publicidade omnipresente, etc.) associadas ao anonimato, que torna mais fácil a passagem ao ato;
-          enfim, as deslocações de população, que fazem desaparecer os quadros tradicionais de vida e provocam a formação, na periferia das grandes cidades, de verdadeiras zonas “subculturais”, que diferem de maneira mais ou menos pronunciada do resto do grupo social, no seu modo de vida e, por vezes, também na adesão às regras morais;
-          saliente-se ainda as condições de trabalho, sobretudo no que diz respeito às do transporte dos pais, que aumenta o distanciamento e a falta de tempo disponível.

2.3. As perturbações sociais
Observa-se geralmente um decréscimo da delinquência tanto adulta como juvenil, no início dos conflitos armados. Este decréscimo verificado nas estatísticas oficiais pode ser apenas um reflexo das perturbações administrativas habituais nesses períodos (desorganização dos serviços de polícia, falta de registo dos delitos, etc.). Por consequência, quando o estado de guerra dura (como sucedeu com os conflitos mundiais de 1914-1918 e 1939-1945), a delinquência, e em especial a dos jovens, aumenta nitidamente.
Para os sociólogos, a síntese destes diferentes fatores encontra-se na noção de anomia, que traduz a tendência para a desorganização social. A sociedade está com efeito marcada pela existência, no seu seio, de grupos diferentes do ponto de vista cultural e económico e, todavia, submetida a uma única regra de vida. Resulta destas distorções uma falta de coesão do corpo social, que será um dos fatores essenciais da delinquência.

2.4. O meio familiar
            O papel desempenhado pela dissociação dos lares é confirmado por numerosos inquéritos. Mas mesmo fora da rutura completa da célula familiar, a ausência da relação de boa qualidade entre os membros da família, o elitismo ou a patologia mental dos pais – todos eles fatores bem conhecidos, que misturam mais ou menos carência afectiva e carência educativa – levam muitos adolescentes a procurar noutra parte compensações afetivas ou uma valorização.
            Note-se que é grande a percentagem de delinquentes juvenis que não se sentem amados pelas suas famílias.
            Tem-se observado também que muitos dos delinquentes provêm de famílias numerosas sem meios económicos, são filhos únicos ou filhos primogénitos.
            As famílias desses jovens delinquentes têm, na sua maior parte, baixo nível de formação. Por outro lado, os seus planos para a progressão na carreira profissional não existem.
            É frequente em famílias de delinquentes a punição corporal e severa, injustificada, utilizada muitas vezes como meio de “ensinar”.
            O desemprego da mãe é um fator mais negativo do que o seu emprego: o emprego implica um melhor estatuto material e mentalidade mais aberta.
            Contudo, o absentismo da mãe por razões de trabalho reforça o sentimento de insegurança e de abandono da criança.
            As carências afetivas precoces são consideradas por um grande número de autores um fator essencial favorável. Elas são consequência de separações precoces dos pais, do mau comportamento da mãe ou do abandono da criança sem substituto materno válido.
            Nas sociedades modernas tem-se observado a desvalorização progressiva do estatuto dos pais enquanto autoridade, desvalorização essa agravada pelo seu estatuto profissional muitas vezes pouco atraente e pela sua atitude muitas vezes demissionária perante os pedidos, exigências ou problemas da criança.
            Os adultos são mais incitados (pelas imagens impostas pelos mass media e publicidade) a assemelharem-se aos filhos do que o inverso.
            A incapacidade em que se encontram certos pais em assumirem plenamente o seu papel educativo, numa sociedade em que a moral é incerta, contestada, coincide com toda uma contestação do valores tradicionais, sem que um consenso se tenha ainda feito à volta de uma ética nova. Seja qual for a posição que se adote a este respeito, temos de reconhecer que o desaparecimento das referências morais deixa um vazio que não favorece a estabilização dos jovens.
            Diga-se ainda, repetindo, que as condições materiais de vida demasiadamente fáceis com carências afetivas e educativas podem favorecer a delinquência.
            A falta de vigilância dos pais, sobretudo durante os tempos livres, é também apontada como sendo um fator negativo.
            É grande também a percentagem de pais analfabetos com filhos delinquentes.
            A estrutura familiar apresenta-se muitas vezes desorganizada e incapaz de fornecer aos menores modelos de referência adequados ao seu desenvolvimento harmonioso. Nestas famílias apesar de estarem quase sempre associadas problemáticas múltiplas, evidenciam-se problemáticas mais frequentes e que se configuram como relevantes na sua incidência e intensidade.
A avaliação diagnóstica dos sistemas familiares, revelam-nos, bastas vezes:
a) Problemática alcoólica;
b) Pobreza psicológica, que se reporta às famílias com dificuldades sérias na gestão de recursos pessoais, sociais e económicos. Há, de uma forma geral, uma situação socioeconómica desajustada à satisfação das necessidades familiares básicas e logicamente às expectativas que os estímulos ao consumo geram. São famílias que traduzem dificuldades no desempenho dos papéis sociais e na assunção das responsabilidades/compromissos, mantendo uma dependência estrutural das prestações de ação social. Nestas famílias a coesão familiar não aparece prejudicada já que existem elos afetivos entre os seus componentes, todavia é relevante a falta de consistência na disciplina e controle parental.
c) Práticas de prostituição – a singularidade destas famílias é que estão organizadas em sistema fechado e com dificuldade de responderem aos estímulos de mudança. De uma forma geral os progenitores estão associados a subculturas marginais e as crianças crescem isoladas socialmente.
Esta problemática tem por vezes contornos difusos passando as crianças despercebidas quando da sua frequência no 1º ciclo de escolaridade, já que em termos objetivos de uma forma geral as necessidades e bens básicos apresentam-se como bem preenchidos.
d) Má qualidade na relação afectiva – que se traduz na privação total dos laços afetivos normais que toda a criança tem direito a receber duma mãe ou dum substituto materno. As situações de maus-tratos estão associadas, numa fase precoce do desenvolvimento destas crianças, à incapacidade das mães em estabelecerem relações afetivas e calorosas, não conseguindo lidar com as situações de stress que a interação da díade suscita.
e) Toxicodependência – estas crianças têm, muitas vezes, de ser retiradas das famílias de origem. O comportamento toxicodependente encontra-se, por vezes, associado a mães com práticas de prostituição, contudo, nestes casos nem sempre se determina esta variável como fator principal de disfuncionalidade.
f) Reclusão do progenitor – a perda neste caso do pai associada à incapacidade materna ou outras figuras de substituição determinam o internamento das crianças.
g) Saúde mental onde estão presentes patologias psiquiátricas.
h) Alcoolismo e saúde mental enquanto problemáticas associadas.
i) Falta de controlo parental. Este indicador apesar de estar associado a famílias estudadas com padrões de disfuncionalidade, foi em vários casos isolado/autonomizado, já que apesar de estarem ultrapassadas outras problemáticas e nomeadamente não existindo deficiente enquadramento sociocultural, estas famílias revelaram de uma forma determinante incapacidade na função reguladora/normativa.
j) Fragilidade sociocultural respeitante a famílias detentoras de algum grau de coesão e socialmente integradas, mas com precárias condições de vida e cujas preocupações estão orientadas para as necessidades de sobrevivência. Trata-se assim de um indicador menos prevalecente, o que leva a concluir que, de acordo com o diagnóstico da situação familiar, a componente socioeconómica e cultural é a menos dominante, já que apesar de estar presente noutras famílias, ela não determina por si própria o padrão de disfuncionalidade.
            Todavia, em famílias em que existe capacidade na função reguladora/normativa, também aparecem casos de delinquência juvenil. Trata-se, pois, de um problema que requer uma análise mais detalhada.

2.4.1. O estilo de vinculação[1] e o desenvolvimento de comportamentos delinquentes na adolescência: fator de risco ou de proteção
            As características da mãe, ou da pessoa prestadora de cuidados, são apontadas como diretamente implicadas no estilo de relação que a criança irá estabelecer.
            As relações criança-adulto constituem sistemas sociais em que a disponibilidade e responsividade organizam o comportamento exploratório e a procura de proximidade, tal como outras atividades cognitivas e afetivas.
            Quando a criança se sente segura, está apta a explorar o meio, afastando-se da figura de vinculação, sendo este o padrão de interação típico entre pais e crianças, conhecido como exploração a partir de uma base segura.
            A criança utiliza as experiências que tem com o seu progenitor para construir um modelo mental do «eu-em-relação», o que implica a capacidade de forma, manipular e integrar as representações de tais experiências. Ao produto desta capacidade corresponde a noção de «internal working models».  
            Preconiza-se que se a figura de vinculação reconhece as necessidades de segurança e proteção da criança, respeitando a de exploração do ambiente, esta desenvolverá um modelo interno dinâmico de si como alguém competente, ganhando autoconfiança. Se se passar o oposto, a criança construirá um modelo interno de si como alguém destituído de valor e dos outros como pessoas em quem não se pode confiar.
            Conclusão:
i) O estilo de vinculação e o padrão relacional são fatores preponderantes no desenvolvimento psicossocial posterior das crianças, exercendo influência no seu comportamento e relacionamento com os outros nos diversos contextos em que se movimentam;
ii) Existe uma ligação entre a qualidade da vinculação e a adequação do comportamento e ajustamento psicossocial das crianças: por um lado, os pais são os mais influentes na construção dos modelos dinâmicos de si e da vinculação; por outro lado, existindo essa forte vinculação, cria-se uma continuidade entre gerações.   
            Enquanto na infância a vinculação é unidirecional, servindo o adulto de base segura, na adolescência a vinculação passa a ser recíproca – os interlocutores vão alternando papéis, funcionando, ora um, ora outro, como base segura.
Durante a adolescência os adolescentes tendem a afastar-se das relações de vinculação com os pais, sendo estas entendidas como limitadoras, e não como apoio e suporte da procura de autonomia. Neste período, as necessidades de vinculação não diminuem, simplesmente passam dos pais para os pares. Verifica-se uma diminuição da confiança nos pais enquanto figuras de vinculação, o que reflete o desejo do jovem se tornar cada vez menos dependente. Assim, com o início da adolescência, as relações com os pares passam a ser essenciais. Neste período, a aquisição de um sentido de pertença ao grupo de pares constitui uma tarefa primordial: é com estes que eles experimentam formas de ser, estar e pensar mais distintas, ao mesmo tempo que se traça e legitima o sentido de identidade pessoal.
Contudo, esta busca de autonomia é melhor sucedida quando sustentada por uma figura de suporte, que constitua uma base emocional segura, aspeto fulcral a ter em consideração em especial tratando-se de jovens internados em Centros Educativos.
O estabelecimento de relações com pares nesta fase do desenvolvimento – adolescência – assume importantes funções no aperfeiçoamento das aptidões sociais, sentimento de segurança e conceções de sentimentos acerca de si enquanto distinto dos pais, no processo de individualização.
Os pais não devem confundir o desenvolvimento da autonomia com a rejeição da relação. Devem estar disponíveis para o adolescente, na negociação ativa de autonomia e hetero/autoconfiança, exploração das normas sociais, preocupação com a aceitação social e pressão dos pares e discussão de sentimentos, valores e tomadas de decisões (projeto de vida, envolvimentos íntimos e sexuais).
Os jovens que percecionam menor vinculação aos pais e pares são mais suscetíveis de desenvolver níveis elevados de sensibilidade à rejeição.
Os adolescentes seguros apresentam em regra um funcionamento superior em diversos domínios desenvolvimentais relevantes. Apresentam um discurso afetivo mais coerente e maior sensibilidade ao estado mental do outro, pelo que beneficiam de melhor aceitação social.
Já a insegurança no adolescente facilmente se transforma em hostilidade para com os pais, daí decorrendo em casos limites, mas frequentes, a redução da afetividade do controlo e monitorização, assim se eliminando um dos fatores que mais importância tem na contenção de comportamentos desviantes.
Níveis elevados de vinculação aos pais minimizam as probabilidades de envolvimento em situações contrárias ao direito.
A afinidade do jovem com a escola é também um fator de proteção, havendo uma relação estreita com a vinculação parental, pois se os pais valorizam a escola, o jovem procura um bom desempenho escolar para agradar aos pais. 
Neste plano devem referir-se três estilos parentais:
- Permissivo: progenitor não punitivo, pouco exigente na responsabilidade e que evita exercer controlo, não limitando o comportamento do filho;
- Autoritário: progenitor que determina, controla e avalia os comportamentos do filho numa autoridade suprema, valorizando a obediência e favorecendo medidas punitivas, não encorajando discussões com o filho nem a sua autonomia;
- Democrático: progenitor que não dirigindo as ações do filho fá-lo de modo racional, encorajando a discussão, partilhando raciocínios que suportam a «política familiar» e valorizando atributos expressivos e instrumentais (como a autonomia e a conformidade).
Os pais que pautam a sua relação com os filhos por este estilo democrático estabelecem normalmente com eles uma relação segura, marcada por mecanismos de suporte e empatia.   
A vinculação materna revela-se como o mais importante fator de predição da delinquência, suplantando a relevância da supervisão materna e do controlo parental.
A vinculação à figura paterna assume um papel de destaque na prevenção ou predisposição para a adoção de comportamentos delinquentes.
A monoparentalidade, associada a contextos sociais desfavorecidos, implica usualmente o aumento dos níveis de stress da família, relacionados com dificuldades de nível económico, já que a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o estabelecimento de uma pensão de alimentos não são geralmente efetuados de forma efetiva ou adequada às necessidades. Além do mais, a ausência de uma das figuras parentais implica recorrentemente menor disponibilidade da figura presente, resultando numa menor supervisão das crianças/jovens, enfraquecimento da eficácia da comunicação, potencial envolvimento com pares desviantes e afastamento entre a criança/jovem e a figura de suporte.
Podemos identificar quatro modalidades de família, construindo uma estrutura parental detalhada:
- Família biológica: existem duas figuras parentais biológicas ou adotivas;
- Família reconstruída: existem duas figuras parentais, das quais uma é biológica;
- Família cuidadora: casal que acolhe uma criança ou um jovem e desenvolve laços idênticos aos da filiação natural (cf. famílias que assentam nos chamados laços de ternura, ou seja, não biológicos, mas sustentados em torno de uma estrutura nuclear);
- Família monoparental: existe uma figura parental;
- Viver sem pais: viver em lares, com familiares, sozinho ou casal amigo.
Ora, o funcionamento familiar compõe-se de duas dimensões principais:
- por um lado, o entendimento entre pais e filhos (cf. vinculação); e
- por outro lado, a supervisão dos pais sobre os filhos[2].
A combinação da estrutura familiar com o funcionamento familiar, traduzida na análise da supervisão, permite concluir que a sua fraqueza aumenta particularmente a delinquência dos que vivem fora de uma família clássica.
A prevalência atual nas sociedades modernas de estruturas familiares não tradicionais tem consequências a este nível, pois em muitas dessas famílias não existe a figura paterna e assim não existe um cenário interativo pai/mãe que possa suscitar a construção, atualização e generalização de um «script» relacional (cf. roteiro relacional), muito menos de base segura.
Refira-se ainda que, se a família é o ambiente para a criança, já quando esta se torna adolescente, o ambiente exterior à família torna-se, cada vez mais, o seu lugar. A família insere-se, pois, num ambiente mais alargado que é, em boa parte, determinado pelo nível de recursos do agregado. Estes recursos determinam o tipo de bairro de residência, mais ou menos marcado por desordens em redor da habitação: isto constitui o meio exterior onde o adolescente recruta as suas companhias, as quais orientam o seu comportamento.
O papel das incivilidades ou das desordens na vizinhança, a categoria socioprofissional dos pais (em relação aos rapazes) e as taxas de atividade do casal, o tipo de bairro têm efeitos modestos, mas significativos.
As variáveis do ambiente são tão determinantes como as que estão relacionadas com a estrutura familiar ou mesmo com o funcionamento familiar.
O controlo parental traduzido no controlo indireto (através do laço de qualidade da relação intergeracional) e direto (através da supervisão) desempenha um papel na limitação das desviâncias e na formação do autocontrolo da criança, que, por seu turno, conduzirá ou não à delinquência.
Mas a estrutura familiar não parece ser o principal fator que influencia diretamente a emergência da delinquência. As relações positivas com as pessoas de referência na família, com organizações como a escola ou a Igreja, reforçam os laços com a sociedade e devido a isso, tornam-se numa proteção contra a delinquência.
O convívio com pares tem sido sublinhado como uma variável muito importante para a predição da delinquência.
A acumulação de défices traduz-se num desmoronamento dos controlos sociais informais. Na verdade, a concentração de desvantagens (pobreza, combinada com composição étnica demográfica e grau de desestruturação familiar), a falta de estabilidade residencial, contribuem para a ausência de supervisão informal.
Fator não desprezável é a vulnerabilidade dos alvos de delinquência na sociedade de massas e a possibilidade de comissão de delitos em anonimato, o que aparece associado ainda ao conceito de oportunidade para delinquir.
A impossibilidade das pessoas em situação de desvantagem realizarem legalmente os objetivos que a sociedade prescreve (culturalmente definidos, em oposição a imperativos biológicos) cria sobre essas pessoas pressão no sentido de as mesmas se envolverem em processos não conformistas.
Importa realçar, desde já, a importância do «score» fatorial de perceção da gravidade dos diferentes delitos (do roubo por esticão à venda de drogas duras): quanto mais elevado se mostra este «score», mais jovens manifestam uma fraca perceção da gravidade dos delitos.
Por outro lado, quanto maior é a diversidade de delitos praticados, mais forte é a implicação. Esta diversidade corresponde, de facto, a uma «polivalência na delinquência», que pressupõe uma experiência importante, bem como uma rede de relações ou de amigos com os quais se cometem delitos[3].
A frustração socioeconómica ou a frustração escolar[4] integra-se num conjunto mais alargado de frustrações vividas, como tantas outras tensões, no interior das pessoas.
Os indivíduos quando estão privados da igualdade de oportunidades e passam a dispor de meios ilegítimos para alcançar as metas culturais, tendem a «adaptar-se» às alternativas não conformistas. O comportamento desviante será, nesse sentido, uma conduta adaptada em certos meios às oportunidades desses mesmos meios – que são, muitas vezes: toxicodependência/TRÁFICO; acesso a bens/FURTO OU ROUBO; etc.
No que diz respeito à família, as tensões têm a sua origem em acontecimentos negativos, como, por exemplo, o divórcio dos pais, a morte deles. Estas fontes de tensão podem desempenhar um papel na emergência de comportamentos delinquentes, no sentido em que estes últimos desencadeiam emoções negativas, tais como a cólera, a qual se pode manifestar através de atos violentos.
Podemos assim assinalar a importância da:
- Socialização vertical, ou seja, o papel dos pais;
- Socialização horizontal, ou seja, o papel dos pares; e
- O efeito de contexto, ou seja, a importância do tipo de habitat.  
As estatísticas e os estudos que têm vindo a ser realizados demonstram que o facto de se ter pais com baixo estatuto aumenta estatisticamente a delinquência para as famílias monoparentais e para os que vivem sem pais.
Por outro lado, o convívio com parceiros delinquentes afeta, particularmente, a delinquência dos jovens que estão numa outra família que não a biológica. O tipo de habitat tem o mesmo efeito – o comportamento delinquente é reforçado até pelo aspeto físico degradado do meio envolvente (cf. Teoria do Vidro Partido).
Por outro lado, os maus resultados escolares afastam da escola e provocam a procura de formas de autorrealização no exterior do contexto escolar.
A supervisão parental é mais importante do que o entendimento com os pais, na prevenção da delinquência juvenil.
O modelo que melhor prediz a delinquência é o que combina a análise da supervisão (cf. teoria do controlo) com a da integração escolar (cf. teoria da tensão). E aqui importa reter duas variáveis:
- pode existir boa supervisão e má integração escolar, que leva à inadaptação e depois ao delito; e
- a escola exclusiva cria inadaptação e delinquência. 
A estrutura familiar (cf. em cima) não está associada às perceções sobre a gravidade dos delitos. Em compensação, a supervisão parental interage de forma limitada, mas significativa, com a perceção normativa
A redução da afetividade do controlo e monitorização elimina um dos fatores que mais importância tem na contenção de comportamentos desviantes.
O aumento da supervisão favorece uma rejeição dos delitos, mas unicamente relativamente aos rapazes.
Aspeto importante a reter é o facto de os adolescentes agirem em função dos seus valores e se reprovam ou se se inquietam com um comportamento, tendem a evitá-lo. Existe, aliás, uma forte evidência de que a conformidade com a lei por parte dos cidadãos se deve mais à concordância com a mesma do que ao medo das sanções oficiais.

2.4.2. Órfãos de Pais Vivos

"Órfãos de Pais Vivos" são geralmente crianças mais vulneráveis, que viram desrespeitados os seus direitos à preservação dos laços psicológicos e à boa imagem de um dos pais e se desenvolvem com baixa autoestima e sentimentos de insegurança, provocados pela ausência de um deles.
Destaca-se cada vez mais a importância da colaboração ativa dos pais na reparação de situações episódicas de conflito entre o outro progenitor e o seu respetivo filho, nunca utilizando "essas experiências como âncoras de apoio às suas vivências negativas da imagem do outro progenitor". A saúde mental da criança é colocada em risco sempre que um dos pais priva ou dificulta a relação necessária do outro progenitor com o seu filho.
Resulta de uma interpretação sistemática da lei, para além do estatuído no art.º 3º da Lei de Promoção e de Proteção (cf. art.º 3.º, n.º 2, al. c): conceito de «falta da afeição»), o direito ao afeto, que inclui o direito da criança à continuidade das relações afetivas gratificantes e do seu interesse.
Fala-se cada vez mais no abuso do direito de guarda (cf. art.º 1878.º do Cód. Civil- "no interesse dos filhos" e não dos pais; e 1905.º, 1906.º, n.º 2, 5 e 7 do Cód. Civil - referência ao superior interesse do menor) quando se priva o menor do afeto do outro progenitor ou se sujeita o mesmo ao denegrir da imagem do outro progenitor.
Por outro lado e como decorrência do direito ao afeto, saliente-se a existência do princípio da prevalência das ligações psicológicas profundas, no caso de não exercício prolongado da função parental acompanhado da substituição das responsabilidades e cuidados parentais por terceiros que detêm a guarda de facto (cf. art.º 5.º, al. b), da LPP, entre outros, a respeito da guarda de facto). A privação da criança dos afetos de quem detém a guarda de facto de forma gratificante e segurizante para a mesma e a sua substituição por um vazio e meramente simbólico "poder paternal" constitui uma violação flagrante do superior interesse da criança - cabe ainda aqui invocar o direito à continuidade das relações afetivas gratificantes e do seu interesse. A substituição de tais afetos tem de ser justificada em função do superior interesse do menor e não de direitos subjetivos de terceiros, pais incluídos.
Por outro lado, o direito ao afeto impõe um conteúdo próprio ao exercício das responsabilidades parentais, falando-se hoje de responsabilidades parentais acrescidas em caso de separação ou divórcio e recomenda-se aos progenitores:

.Que não envolvam os filhos nas disputas que têm;
.Que estimulem a relação do filho com o outro progenitor e ambas as famílias alargadas;
.Que entreguem o filho ao outro progenitor no caso de férias ou ausências e não a terceiros;
.Que facilitem o contacto telefónico do filho com o outro progenitor;
.Que seja entregue ao menor toda a correspondência e prendas do outro progenitor;
.Que se valorize sempre (ou, pelo menos, que não se desvalorize) o outro progenitor;
.Que não se permitam críticas na presença dos filhos em relação ao outro progenitor;
.Que se facultem ao outro progenitor todas as informações escolares e de saúde;
.Que haja participação conjunta dos pais nas idas ao médico e às reuniões da escola;
.Que se avise o outro progenitor do evoluir das situações (ex.: novas consultas, resultados de exames médicos, etc.);
.Que se consulte o outro antes de se decidir;
.Que se facultem informações ao outro progenitor a respeito da escola, desporto, etc.; e
.Que não se marquem atividades nos fins de semana em que o menor vai para o outro progenitor.

Para além das situações suscetíveis de darem origem a processo de promoção e de proteção - cf. art.º 3.º da Lei n.º 147/99, de 01.09, na redação da Lei n.º 31/03, de 22.08 -, no qual é possível a aplicação das medidas de apoio junto de outro familiar (cf. art.º 40.º) ou de confiança a pessoa idónea (cf. art.º 43.º), passaram a existir as seguintes possibilidades legais de confiança de menor a terceira pessoa:

- A tutela, verificados os pressupostos do art.º 1921º do Cód. Civil, designadamente se os pais houverem falecido, estiverem inibidos, estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer as responsabilidades parentais ou se forem incógnitos;
- A limitação ao exercício das responsabilidades parentais, por via de ação tutelar comum do art.º 210.º da O.T.M. ( cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 01-04-2004, Processo n.º 2476/2004-6, Relator: Pereira Rodrigues; in www.dgsi.pt);
- A inibição total ou parcial do exercício das responsabilidades parentais pela via dos arts. 1913.º ou 1915.º do Cód. Civil, conjugados com os arts. 194º e seguintes da O.T.M.;
- A limitação ao exercício das responsabilidades parentais pela via dos arts. 1918.º e 1907.º do Cód. Civil, conjugados com os arts. 194º e seguintes da O.T.M.;
- A confiança a terceira pessoa por acordo prévio, homologado judicialmente, nos termos do art.º 1903º do Cód. Civil, na redação da Lei n.º 61/08, de 31.10, homologação essa que seguirá a forma de ação tutelar comum do art.º 210.º da O.T.M..;
- A confiança a terceira pessoa no âmbito de ação de regulação ou de alteração do exercício das responsabilidades parentais, na sequência de acordo ou de sentença.
Tais ações devem servir para proteger o menor, sobretudo quando os pais não demonstrem idoneidade para o exercício das responsabilidades parentais, devendo evitar-se a mera propositura de ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2.5. A influência dos mass media e de certo tipo de literatura
            Por vezes, este tipo de influência pode ser negativo em jovens de espírito sugestionável. Com efeito, nota-se, por vezes, que os jovens não só copiam as façanhas dos personagens televisivos e do cinema, personagens que glorificam muitas vezes a violência, o erotismo e o desprezo pelas instituições sociais, como inclusivamente lhes adotam os apelidos.
            Certa espécie de literatura, sobretudo pornográfica, pode, ou melhor, exerce uma influência preocupante sobre os jovens, contestando toda a ideia de sexualidade em função do amor, para a converter em simples instrumento de prazer.
            O cinema, a publicidade e a televisão contribuem também muitas vezes para a criação de um mundo jovem oposto ao dos adultos e que se traduz por modas no vestuário e tempos livres específicos, tendentes a deixar crer que os adolescentes possuem um estatuto à parte e que a juventude é um fim em si. Isto tem muito a ver com a exploração do poder de compra dos adolescentes.

2.6. Outros fatores ou consequências da inadaptação social relativos ao meio ou com ele relacionados.
-          É frequente observar-se nos delinquentes juvenis um coeficiente de inteligência indicativo de deficiência;
-          O delinquente juvenil geralmente alimenta-se mal e não tem hábitos de higiene;
-          É frequente observar-se nos delinquentes juvenis: medo do futuro, completa indecisão, imaturidade, imediatismo, sugestibilidade, falta de resistência a estímulos criminógenos e presença de neurose de ansiedade, traumas infantis, traços paranoicos e esquizoides,
-          Muitos delinquentes desconhecem o fim da mãe, não conhecem os pais ou são órfãos;
-          A um aumento da religiosidade do jovem corresponde uma conduta melhor, regra geral;
-          A insuficiência da frequência escolar contribui para lançar crianças na rua, onde vivem em bandos ou grupos marginais, muitas vezes dirigidos por um chefe mais velho.
 A escola é um lugar privilegiado para as primeiras manifestações da inadaptação social. Quase não há jovem delinquente em que não se encontre um longo passado de inadaptação escolar.
Os insucessos constituem frustrações que o jovem mal tolera. Uma indisciplina que toma cada vez mais o ar de provocação procura, pela fanfarronice, compensar a imagem desvalorizada que de si próprio dão os insucessos. Paralelamente, o meio escolar tende a rejeitar esse perturbador.
-          Estes elementos atrás referidos, associados ao absentismo escolar, às faltas esporádicas e vagabundagem convergem para a delinquência do jovem. 
-          As faltas e a vagabundagem podem levar o jovem à delinquência de necessidade (furtos e roubos de subsistência) e, por outro lado, não raro estes jovens procuram refúgio em comunidades marginais e, por vezes, fazem nelas a sua primeira experiência de toxicomania.
-          Contudo, a violência na escola não deve ser explicada apenas por características individuais, mas também por fatores contextuais. Assim, estudos recentes comprovam que a exposição a violência doméstica leva a uma maior taxa de violência nas escolas. Por outro lado, estudantes que beneficiam de elevados níveis de suporte parental em relação às atividades escolares são menos violentos na escola.
-          O trabalho a tempo parcial tem consequências nefastas sobre os projetos de carreira a longo prazo.
-          Fatores importantes são também a droga, o álcool, a instabilidade laboral e a atração pela vida fácil.

2.7. As amizades nocivas
            As amizades nocivas têm sido apontadas como o fator principal, segundo inquéritos feitos a delinquentes juvenis, da delinquência juvenil.
            Elas assumem particular relevo quando o jovem delinquente se encontra inserido num bando ou num grupo de delinquentes.
            Este é um fator difícil de combater, pois é muito difícil e problemático afastar os jovens dos seus companheiros.
            Um adolescente cujos laços com a família são frágeis é mais afetado pelas influências presentes no meio ambiente, as quais podem conduzi-lo à delinquência.
            Neste contexto, importa recordar:
- O espírito influenciável é favorecido por laços familiares frágeis;
- A ausência de supervisão deve ser analisada sob duas vertentes: a familiar e a informal;
- Os fatores socioeconómicos favorecem de forma indireta a delinquência pela localização do domicílio;
- A má integração escolar favorece o surgimento de amizades nocivas; e
- A delinquência dos adolescentes é predominantemente coletiva: não se concebe sem um grupo (cf. «associação diferencial»);
- Importa ter presente a importância dos «mentores delinquentes» (cf. líderes);
- A supervisão familiar é ineficaz para anular estes fatores de associação grupal;
- A reincidência não depende unicamente das características do indivíduo, mas também do tipo de meio envolvente e, portanto, do bairro de residência;
- De forma significativa, e tal deve ter-se em conta na prevenção da reincidência, os reincidentes consomem mais substâncias tóxicas do que os não reincidentes;
- Os estudos que têm vindo a ser realizados têm constatado que os jovens violentos consomem habitualmente mais álcool do que os não violentos.

3. A jovem delinquente
            Retratada como vítima, a mulher tornou-se invisível como agressora. E quando surge no quadro da delinquência, perpetua imagens e representações estereotipadas relacionadas com a ideia “tradicional” de que a mulher delinquente é vítima do seu passado, do seu ambiente e da sua condição feminina, incompatível com o mundo criminoso e com a cultura de rua. Esta invisibilidade torna-se ainda mais patente quando falamos de jovens raparigas.
            A secundarização do fenómeno da delinquência feminina é agravada pelo facto de esta delinquência não ser devidamente retratada nos inquéritos. O desvio entre sexos diminui em cerca de metade quando a delinquência feminina é avaliada mediante inquéritos de autorrelato.
            Assiste-se nesta área a uma democratização da delinquência, pois a percentagem de jovens que admitem ter delinquido é praticamente a mesma em todas as classes sociais.
O comportamento delinquente entre jovens é bastante frequente indiferentemente da idade, género, classe social e estatuto educacional.
O tratamento cavalheiresco das mulheres pela justiça e a discriminação positiva generalizada das mulheres retratam atitudes paternalistas associadas a estereótipos femininos ligados à fraqueza, submissão, passividade e domesticidade, estereótipos esses produzidos pelo controlo social.
Assim, mesmo na justiça de menores, verifica-se ser, por exemplo, mais difícil a institucionalização da rapariga perante comportamentos e situações sociais e familiares de igual gravidade.  
O envolvimento da família, a mobilização de familiares é mais forte no caso das raparigas. Os rapazes veem-se rejeitados ou abandonados, entregues a si próprios em idades muito novas.
Os técnicos consideram, no entanto, ser mais fácil trabalhar com rapazes do que com raparigas, pois aqueles são mais facilmente controláveis, mais obedientes e menos problemáticos.
Os rapazes não são piores do que as raparigas, são apenas diferentes.
Num paradigma de mulher que almeja apenas casar e constituir família, os objetivos são facilmente realizáveis.
Mas a desregulação social, a alteração de paradigmas, a igualdade de género, levou a mulher a ambicionar algo mais e expô-la à criminalidade.
A exposição a situações criadoras de stress e frustração levam a mulher a expor-se à criminalidade como agente ativo.
A mulher, porém, está constrangida a um maior controlo e supervisão social, o que explica a sua maior conformidade às regras sociais, generalização esta que sofre muitas exceções.
O controlo social pode, porém, ao estigmatizar e rotular, levar os desviantes a construírem espaços sociais de identidade pessoal e coletiva.
A criminalidade feminina não se explica, porém, nem pela estrutura social apenas, nem por fatores de género, apenas.
A mulher ofensora tem sido vista como sendo duplamente desviante por transgredir, simultaneamente, a lei e os papéis de género convencionais (tradicionalmente as jovens adolescentes são socializadas para acreditar que as «boas raparigas» são quietas, passivas e sacrificam as suas necessidades pelos outros, e que a raiva deve ser internalizada e transformada em comportamentos autodestrutivos; as raparigas são premiadas pelo silêncio e passividade).
Uma mulher que transgride a lei, mas assegura os papéis de género que lhe são convencionalmente exigidos, pode ser menos punida do que uma mulher que não o faça.
Os papéis sociais de género são influenciados pela estrutura de classe e pela pertença étnica, ou seja, o desvio de expectativas sociais sobre a conformidade sexual e moral (por exemplo, fugas de casa, promiscuidade sexual, desobediência…) são mais toleradas e até esperadas nas raparigas de classe baixa e em alguns grupos étnicos.
Rapazes e raparigas não usam as mesmas expressões e não fazem as mesmas escolhas. Há especificidades nas condutas delinquentes de rapazes e de raparigas.
As dificuldades de adaptação das raparigas manifestam-se de forma diferente da dos rapazes. Daí que a agressão feminina seja qualitativamente diferente da dos rapazes.
O acesso ao espaço público é um exemplo dessa diferença – a cultura feminina tem estado localizada fora da esfera pública e caracteriza-se por formas culturais de expressão próprias.
A criação de um novo lar para escapar a situações de violência e ao controlo familiar é uma prática tipicamente feminina. As raparigas tendem a dar mais importância aos laços familiares, ainda que a família seja, também, uma importante fonte de raiva e de frustração, porque normalmente ela é a perpetradora de abusos vários, falhando na sua função de proteção.
A manipulação da sua sexualidade é mais intensa na mulher.
As raparigas, porém, são mais afetadas pelos relacionamentos do que os rapazes. Assim, o mau  relacionamento  com  os  pais (pobre  qualidade  da relação, negligência, maus-tratos) tem sido visto como determinante no envolvimento em atividades delinquentes.
A influência de amigos, ainda que marcante, não tem o mesmo peso que nos rapazes.
Em regra, as raparigas quando praticam crimes tradicionalmente masculinos, normalmente não agem sozinhas, mas como “cúmplices” (não no sentido técnico-jurídico), principalmente do companheiro.
A participação da rapariga no crime tende a seguir uma linha de atuação individual, sendo poucas as que surgem claramente referenciadas a grupos. Quando tal acontece, surgem, sobretudo, em grupos mistos (cf. a importância deste índice no combate ao tráfico de droga).
A maioria das raparigas valoriza a solidariedade de grupo, descrevendo as suas relações de amizade como uma das coisas mais importantes da sua vida. E aqui é curioso notar, também, uma diferença entre rapazes e raparigas: as disputas entre rapazes dizem respeito sobretudo a manter a lealdade no grupo e solidariedade entre os rapazes do grupo. Pelo contrário, o confronto entre raparigas é mais frequentemente de natureza pessoal.



II. Associações para delinquir
            Dada a sua especial importância, cabe agora falar das associações para delinquir.
            Elas são de duas espécies: o bando e o grupo.
            Quando as instituições sociais não podem satisfazer a necessidade que o adolescente tem de aceder à virilidade (“ser ou não ser homem”), ele elabora substitutos psicológicos da condição de adulto que lhe é barrada.
            Entre esses substitutos, o bando é um dos mais significativos. Verdadeira contrassociedade, com os seus ritos, as suas leis, os seus interditos, o bando traz ao adolescente que dele faz parte uma segurança psicológica e a garantia de um estatuto valorizado por aqueles mesmos cujo julgamento ele forma, os seus pares.
            Uma vez que o bando esteja formado entra em competição séria com outras instituições, a título de fator dominante na vida do rapaz. A importância do bando está em relação com a qualidade do mundo social cívico da mesma idade do rapaz que ele representa e com o facto de o bando ser criação de si mesmo. Todas as outras organizações pertencem aos mais velhos; o bando pertence aos rapazes.
            Contrariamente a certas ideias correntes, segundo as quais este fenómeno de agrupamento de jovens delinquentes remonta a tempos imemoriais, temos de ver nos bandos de adolescentes das nossas sociedades industriais um fenómeno específico e que se vai acentuando.
            Atrás do fenómeno do bando encontra-se a dificuldade em que a sociedade industrial está para responder ao problema que lhe é posto por uma adolescência cada vez mais longa, cada vez mais disponível, cada vez mais impaciente.
            Foi sobretudo na década de 50 que se viu formarem-se, nos arredores das grandes cidades, bandos que reúnem jovens dos treze aos vinte ou vinte e dois anos. Se esses grupos só raramente tiveram a organização que os literatos ou cineastas lhes atribuíram, é verdade que se observa neles uma certa estruturação que se exprime essencialmente em regras impostas aos recém-vindos. Nesses bandos a violência e os atos delinquentes são a expressão da vida do grupo – para a coesão do qual contribuem – e não a sua finalidade primitiva. Reside aí a diferença com os bandos delinquentes adultos, que se juntam com o fim de realizar certos atos, tais como roubos.
            Entre os fatores que mais contribuem para a constituição de bandos encontra-se a urbanização, quando esta leva a más condições de vida e, paralelamente, se verifica a dissociação da vida familiar.
            Os jovens de hoje têm uma consciência de grupo muito marcante, uma forte solidariedade quando colocados em face dos adultos. Fala-se até em consciência de classe. Nos grupos de adolescentes, a adolescência não é só um período de transição, uma simples situação de passagem, mas uma forma de viver e um mundo com sentido próprio.
            Os jovens estão a formar a sua própria sociedade à margem da sociedade dos adultos, de tal modo que muitas vezes não há conflito de gerações, mas vidas justapostas que se ignoram mutuamente.
            Disse-se atrás que o bando delinquente e grupo delinquente são coisas distintas. Na verdade:
a)     Os bandos delinquentes formam-se pela união de três ou mais sujeitos, são dirigidos por um deles, constituem-se por um período de tempo relativamente definido e com finalidade delituosa.
Quando falta algum desses elementos não existe bando, mas grupo criminal. Contudo, repare-se que o bando pode surgir para a comissão de um só ato criminoso – pense-se na organização para cometer um delito que necessita de certa preparação, como, por exemplo, um assalto a um banco; uma vez cometido o delito, o bando pode continuar ou dissolver-se.
b)     Os rasgos mais importantes que diferenciam o grupo delinquente do bando delinquente são os seguintes:
-          os grupos têm menor período de gestação, podendo até nem existir, pois, basta a proposta de um para cometer um delito, configurando-se o grupo com a aceitação dos outros;
-          nos grupos o chefe – caso exista – tem menor relevo; por outro lado, nem sempre é o sujeito mais inteligente ou de maior capacidade criminal;
-          no bando os interesses individuais são subalternizados, enquanto que no grupo eles assumem lugar de relevo;
-          ao bando é inerente maior independência, considerando-se por vezes autossuficiente, não necessitando do apoio da família, amigos ou do próprio trabalho;
-          o grupo pode ser constituído por apenas dois sujeitos; do bando exclui-se a parelha criminal, pois apesar de ser o grupo onde existe maior concentração, contudo, na parelha criminal não é possível falar-se de uma estrutura hierárquica do género atrás descrito – as tarefas dividem-se por igual e com grande autonomia de execução;
-          o delinquente profissional dá-se melhor no bando do que no grupo;
-          os comportamentos do grupo costumam variar com frequência, o que não acontece no bando;
-          o bando apresenta maior perigosidade e prepara melhor os seus delitos;
Note-se, porém, que a maior parte dos bandos são evoluções de grupos criminosos.
Repare-se ainda que a participação dos jovens em associações para delinquir é elevada.
Por outro lado, a tendência para a constituição de grupos e bandos é mais elevada nas zonas urbanas.
No trabalho de intervenção em jovens inseridos em gangs juvenis é essencial perceber a interação que os mesmos estabelecem com os seus pais ou outros adultos significativos:
- Até que ponto confiam neles para os protegerem do meio, muitas vezes hostil?
- De que modo os adultos cuidadores estão presentes, conhecem os seus filhos, sabem a que atividades se dedicam, com quem convivem?
- A relação entre ambos é meramente funcional, isto é, são apenas asseguradas as necessidades básicas?
Os jovens delinquentes inseridos em gangs juvenis que estabelecem uma relação de vinculação segura com os seus pais sabem que a sua proteção é incondicional e que os sinais de medo ou de insegurança que apresentem serão detetados por aqueles que tudo farão para os apoiar. Sabem, também, que podem confiar noutros adultos que representem funções de apoio: polícias, professores e outros agentes da comunidade escolar.
Muitas vezes, os jovens que pertencem a gangs não conhecem essa interação com os seus pais/adultos cuidadores. Por outro lado, os seus pais, ainda que quisessem proporcionar-lhes esse auxílio, não reconhecem os sinais de medo e de desconforto emitidos por aqueles. O grupo de pares está mais atento, tem maiores afinidades, está em melhores condições para a desejada proteção e conforto.
É fundamental, no trabalho de intervenção em jovens inseridos em gangs juvenis e com as suas famílias, procurar que haja um (re)encontro, de forma a ajudá-los a (re)vincularem-se, e a vincularem-se à comunidade. É fundamental ajudar os pais a conhecerem os filhos, a estarem presentes nas atividades daqueles e a perceberem quando devem agir. Por outro lado, é essencial ajudar os jovens a confiarem nos adultos e na comunidade em geral e a saberem pedir ajuda aos mesmos.
A prevenção do fenómeno dos gangs só é possível dando condições para que os jovens se vinculem e se integrem na comunidade, da mesma forma que se vinculam aos gangs – os gangs formam-se, na maioria das vezes, para suprirem as necessidades que os adolescentes têm de amizade, orgulho, identidade, aumento da autoestima, excitação, aquisição.
A seleção dos pares fortalece as atitudes e cognições sociais do adolescente. Os jovens que têm uma boa relação com os pais e que estão bem integrados na escola tenderão a escolher a companhia de pares com as mesmas características. Estas associações fortalecerão os padrões morais e pró-sociais e afastá-los-ão de uma moral inadequada.       

III. Manifestações da delinquência
            A delinquência juvenil é mais forte nos rapazes do que nas raparigas; mas também é verdade que é de natureza diferente, na maior parte dos casos.
            Por outro lado, as formas mais correntes de “delinquência” são o furto para o rapaz e a prostituição para a rapariga (repare-se que a prostituição não é constitutiva de um tipo legal de crime em muitos países; sempre se dirá, porém, que é uma situação que favorece a delinquência).

III.1. Manifestações da delinquência juvenil

a) Crimes contra o património:
Ocupam um lugar cimeiro entre as formas de delinquência juvenil.

a1) Furto e roubo
Entre os crimes contra o património, o furto e o roubo ocupam lugar cimeiro.
O furto é muito banal na criança e pode revelar uma situação conflitual. Nestes casos a apropriação de um objeto em si mesmo tem uma importância muito secundária e o produto do furto é muitas vezes destruído, distribuído pelos outros e até entregue ao dono; o que conta aqui é a vítima, simbolicamente enfraquecida pela perda daquilo que lhe foi tirado – não é de admirar observarem-se tais furtos, por vezes até repetidos, em crianças submetidas a constrangimentos educativos excessivos.
Outras formas de furtos e certos roubos de adolescentes aproximam-se do que acaba de ser descrito. Trata-se de pequenos furtos feitos por jovens, a maior parte das vezes em grupo e num momento em que estão afastados do seu meio habitual (em férias, por exemplo). Estes roubos e furtos, que tomam o ar de brincadeira, quase de desporto, têm também uma dimensão de provocação, de libertação das pulsões agressivas em relação à “boa sociedade” dos adultos.
São elementos essenciais do roubo e do furto praticados por delinquentes juvenis:
-          a dificuldade em deferir a satisfação dos desejos;
-          a atitude agressiva para com os adultos identificados como possuidores; e
-          muitas vezes, a droga.
A reincidência é cada vez mais frequente.
Os objetos subtraídos podem ser revendidos ou bem utilizados pelo próprio sujeito com a finalidade de se prestigiar junto dos outros adolescentes. Temos de lembrar a este respeito o valor simbólico que podem Ter os roubos ou furtos de motas ou carros que correspondem evidentemente a desejos de posse e de afirmação viril.
            Este tipo de furto ou roubo pode, aliás, integrar-se na atividade de bandos organizados: é um dos aspetos da delinquência de grupo.
Constata-se um ligeiro aumento da tendência para utilizar um veículo furtado para cometer outro delito, coexistindo a condução perigosa com a comissão prévia de crimes contra o património.

a.2) Estragos materiais
            Representam outra forma, mais recente e cada vez mais frequente, de ataque à propriedade. São muitas vezes cometidos por grupos de adolescentes que atacam casas desabitadas (residências secundárias) ou lugares públicos (cafés, locais de baile, etc.), que devastam de maneira gratuita. Neste caso a dimensão da agressividade para com a sociedade adulta é particularmente evidente.
            Saliente-se aqui a atividade de “hooligans” ligados a equipas desportivas que lhes servem de protesto para exercerem violência ou destruição – atrás deles observa-se em certos países o renascimento de ideais nazis (cf. neonazismo).

b) Os delitos de violência
            Os delitos de violência têm aumentado de forma acentuada. Trata-se de agressões físicas, de golpes e ferimentos cometidos produzidos por adolescentes já crescidos, por vezes acompanhados de jovens adultos. Estes atos são inteiramente gratuitos ou verificam-se por ocasião de pretextos menores, tais como acidentes de circulação. Os estudos psicológicos feitos a este propósito insistiram na presença latente de um estado de frustração na origem de uma agressividade maior suscetível de se revelar à menor causa. É de assinalar, de passagem, que o álcool ou certas drogas excitantes podem ter um papel estimulante sobre esses delitos.
            Estas agressões físicas podem igualmente fazer parte da atividade de bandos, em especial dos que se dedicam ao tráfico de drogas e ao furto lucrativo; então tomam, por vezes, o ar de verdadeiros confrontos organizados entre grupos adversários e as suas consequências são por vezes graves.

c) O homicídio
            É um facto excecional nas crianças e adolescentes.
            Importa salientar como elemento associado a posse de armas, sem segurança, por parte dos pais, que, por vezes, ensinam a criança ou o jovem a manuseá-las.   

d) Infanticídios
            São frequentes os infanticídios cometidos por raparigas muito jovens que conseguiram dissimular até ao fim a gravidez.

e) Parricídios
            Foi notado que, em especial no caso de parricídio, o próprio ato é muitas vezes cometido num clima de desrealização, de semi-inconsciência.

f) Delitos sexuais
            Este tipo de delitos diz respeito a jovens em fase pubertária: as idades em que são mais frequentes situam-se entre os 14 e os 16 anos; mas o número de menores de 13 não é de desprezar – a frequência reduz-se consideravelmente depois dos 17 anos, o que se explica em parte pela maturação da personalidade, que permite um maior controle das pulsões, mas também, sem dúvida, pelo facto de que, cada vez mais, os jovens desta idade terem relações sexuais de tipo adulto.
            Os delitos registados são diversos:
-          atentados ao pudor;
-          exibicionismo neurótico, em subtensão por uma forte carga ansiosa (de certa frequência nos adolescentes masculinos);
-          violações, muitas vezes coletivas; e
-          prostituição.
A toxicomania é um fator importante de passagem à prostituição. Nas grandes toxicomanias – em particular a heroinomania – que são praticamente incompatíveis com um trabalho regular, quase não há outro modo de conseguir o dinheiro necessário á compra das drogas que não seja o tráfico e a prostituição.
Ainda sobre a prostituição são de salientar fatores que a ela podem levar:
-          a atração pelo dinheiro face à indigência do meio familiar;
-          nível intelectual muitas vezes medíocre;
-          imaturidade, muitas vezes grosseira, de uma personalidade passiva e sugestionável; e
-          tendências depressivas ligadas a componentes neuróticas, conducentes à busca masoquista da punição.
Relações sexuais precoces, realizadas de maneira ostensiva, com diversidade de parceiros e frequência, que lhes confere um carácter espetacular e até provocador, são o modo de expressão da inadaptação de certas raparigas. Todavia, tal comportamento pode ter apenas o significado de uma tentativa de se ver reconhecer mais depressa um estatuto de adulto.

g) Toxicomanias
            Contrariamente aos intoxicados de outrora, que permaneciam fieis ao mesmo produto, os jovens toxicómanos de hoje utilizam múltiplos produtos.
            Tem-se observado um aumento acentuado de consumidores de drogas. Por outro lado, há cada vez mais crianças e mais jovens no grupo dos consumidores de drogas.

g.1) Motivações que conduzem à toxicomania
As motivações sociológicas desempenham um papel determinante nos primeiros ensaios de consumo de drogas. Além da busca dos estados psíquicos artificiais (sobre os quais uma publicidade um tanto suspeita tem sido feita pela imprensa), a toxicomania inscreve-se numa tentativa de integração num universo especial.
Esta “subcultura”, que se define em oposição à sociedade atual, possui as suas próprias normas, os seus costumes vestimentários, a sua música e até a sua própria linguagem.
Entre as motivações individuais podem referir-se:
-          o desejo de experimentar;
-          o desejo de apaziguar a angústia ou os sentimentos de vazio;
-          a pretensão de encontrar uma forma de passar por cima da incapacidade de viver;
-          a descoberta de si próprio; e
-          a procura de prazeres novos.
Mas, para além de motivações mais ou menos conscientemente exprimidas, existe, na maior parte das toxicomanias importantes um desejo inconsciente de autodestruição, que se exprime especialmente na escalada das doses – nem sempre justificada pela habituação – e pelo ensaio de cocktails de drogas cada vez mais perigosas.
Em relação às toxicomanias é de salientar que as mulheres se iniciam em idades mais baixas. Por outro lado, do consumo facilmente se passa à revenda de droga.
Os assaltos a farmácias têm muitas vezes a ver com as toxicomanias.

h) Atos incendiários
            Estes atos são pouco frequentes.
            O que parece ressaltar do exame de crianças que cometeram tais atos é que se trata de um modo de expressão entre outros de uma agressividade ligada a dificuldades familiares ou até a frustrações encontradas no domínio escolar.
            O incêndio surge sobretudo como meio de agressão fácil e ao mesmo tempo espetacular, e por isso mais facilmente utilizado por seres fracos ou diminuídos.

IV. Prevenir e curar a delinquência juvenil

IV.1.      É fácil compreender que a prevenção da delinquência implica todas as medidas que favoreçam uma boa higiene mental da infância. Estas medidas respeitam ao meio de vida da criança, familiar, escolar, profissional ou de tempos livres. Importa, portanto, despistar precocemente as primeiras manifestações de desequilíbrio (fugas, mentiras, agressividade, vagabundagem, furtos, roubos, perturbações de comportamento e do carácter, fracassos escolares, etc.) e favorecer as medidas de ordem social que permitam um melhor desenvolvimento ou desabrochar familiar (proteção maternal e infantil, educação dos pais, melhoramento geral das condições de vida, luta contra o alcoolismo e as barracas ou pardieiros, intervenção de assistentes sociais, médicos de ordem educativa e psicológica no quadro dos institutos médico-profissionais e médico-psicopedagógicos de diagnóstico e de tratamento).      
            A melhor prevenção da delinquência é constituída pelo próprio meio familiar. Os casais desunidos, sem harmonia, ou simplesmente desequilibrados mostram-se com frequência incapazes de criar filhos corretamente.
            As famílias demasiado rígidas, ou alternando os dois tipos de comportamentos, vão impedir a criança de adquirir uma personalidade estável e adaptada às circunstâncias exteriores.
            A ideia do bem e do mal deriva dos sistemas de interdições dos pais. Punir a criança com lucidez e proporcionalmente à falta cometida, desculpabiliza-a, dá-lhe os limites das suas possibilidades pulsionais e diminui a sua angústia.
            No período pubertário o grupo paternal vê com frequência a sua autoridade contestada e criticada. Assim, a demissão do pai enquanto representante simbólico da ordem favorece o desvio para o comportamento associal e para a delinquência; mas uma atitude despótica dá o mesmo resultado. A tendência para se fixar eletivamente na mãe, tendência apresentada por muitos jovens delinquentes, não traduz a maior parte das vezes senão a desunião do casal e a desvalorização da imagem do pai pela mãe.

IV.2.     É bom insistir contra os perigos de um certo “ativismo” que se encontra, por vezes, nos serviços de assistência social. É tentador, na verdade, perante um meio familiar deficiente ou considerado patogénico, propor que a criança dele seja separada. Mas trata-se de uma decisão grave em que é preciso pesar os possíveis inconvenientes. Mesmo se a qualidade dos serviços melhora, raras são ainda as instituições que reúnem as condições educativas e afetivas ideais. É também de ter em conta, na escolha de um eventual internamento, as influências que pode sofrer um jovem em “perigo moral”, mas ainda não delinquente, posto em contacto com outros jovens mais gravemente atingidos na inadaptação.
            Todas estas observações reforçam ainda o interesse que se deve consagrar ao outro tipo de medidas que, mesmo quando são de execução mais difícil, mantêm a criança no seu meio natural (educação em meio aberto) ou procuram reconstituir uma inserção familiar estável (colocação familiar).
            Muitos dos jovens delinquentes abandonam o mundo do delito de forma espontânea – alguns logo após a primeira experiência; outros após algum tempo de delinquência; outros quando se tornam adultos. São muitos os fatores que levam ao abandono da delinquência:
-          encontrar trabalho;
-          medo de ser detido;
-          dissolução do grupo de delinquentes;
-          incorporação no serviço militar;
-          não querer problemas familiares; etc.
Ora, por vezes, com o internamento em algum centro, está-se a colaborar para a consolidação de uma carreira criminal.
Com isto não se quer dizer que não se deva combater a criminalidade juvenil; quer-se apenas dar preferência ao sistema de tratamento em liberdade, à educação em meio aberto e à colocação familiar.
A confirmar aquela preferência está a constatação da falta de estabelecimentos adequados e a resistência das famílias ao trabalho dos centros.
Note-se, contudo, que o sistema de tratamento em liberdade ainda não existe em muitos países. Por outro lado, mesmo quando funciona, sucede, por vezes, que se limita a um simples encontro periódico com o jovem delinquente em que se lhe pergunta se se tem mantido afastado dos problemas, da criminalidade. Ora, as mentiras são inevitáveis, por parte do jovem delinquente, entregue a si mesmo.

IV.3.     Ações preventivas e ressocializadoras de iniciativa privada têm um papel interessante. Certas equipas procuram estabelecer um contacto permanente, por meio de atividades de tempos livres, com jovens de sectores geográficos em que a delinquência está particularmente espalhada. É de salientar o empenho de certos grupos cristãos.
            Mas uma ação preventiva em grande escala, que necessita de mobilização de equipamentos socioculturais e educativos consideráveis, paralelamente à luta contra os fatores sociais não pode ser empreendida senão ao nível do próprio Estado, sendo certo que os tribunais também não o conseguirão fazer sozinhos.

IV.4.     No que diz respeito à delinquência juvenil em particular, é fundamental a investigação científica da personalidade do delinquente, na fase da instrução do inquérito tutelar crime. Esse exame criminológico permitiria o conhecimento integral do homem, sem o qual não se poderá vislumbrar uma justiça eficaz e apropriada.
            A personalidade do delinquente juvenil é o fator mais importante para o estudo da sua perigosidade.
            Esse exame criminológico reclama a participação de sociólogos, médicos, psicólogos e assistentes sociais.
            Até ao século XIX o ponto de vista jurídico dominava amplamente o estudo da criminalidade: “o crime não é uma ação, mas uma infração”, dizia-se.
            O estudo do crime ficava limitado pelas disposições do direito penal.
            Já no final do século XIX, com o desenvolvimento das ciências da observação, sobretudo as diretamente ligadas à biologia e á medicina, a pessoa do delinquente chamou a atenção dos pesquisadores e, como era um século do cientismo determinista, foram os traços fisiológicos e os dados hereditários (dos criminosos submetidos a análise) considerados como pedra de toque da personalidade criminógena.
            Mais tarde, já no século XX, surgem as correntes coletivas - todos os crimes são resultantes das condições individuais e sociais e a influência desses fatores tem a ver na sua intensidade e importância, com as posições particulares do corpo social: a cada fase da evolução e a cada estágio de uma sociedade corresponde um dossiê dos fatores individuais e sociais da delinquência (princípio da saturação criminal).
            Quanto ao que fica dito, teremos, porém, de dizer sucintamente que os fundamentos hereditários e as estruturas biológicas do indivíduo não têm, à vista da criminalidade, o verdadeiro significado, pois o crime não é frequentemente o resultado de uma falta de inteligência, mas um defeito da vontade.
            Em Portugal só com muito custo se poderia afirmar a existência nos processos de menores de um verdadeiro exame criminológico. 
             É premente evitar um intervalo prolongado entre a detenção de menores e a aplicação de medidas.
O comportamento antissocial atinge o estado de cristalização em diferentes idades a partir do qual o tratamento se torna particularmente difícil.
Um dos aspetos fundamentais é a integração social do jovem delinquente: é aqui que tudo acaba ou recomeça.
Observa-se hoje a tendência (que nasceu nos anos 50) para substituir a repressão da delinquência juvenil pela reeducação.
É prioritário o destaque para a prevenção primária e para formas de intervenção em idades mais precoces do desenvolvimento. Todavia a extensão do problema contrasta flagrantemente com a exiguidade dos meios de prevenção e concretamente deverá apontar em especial para a organização e reorganização dos serviços e instituições desde os primeiros anos do ensino básico e mesmo pré-escolar. É escasso o trabalho individual que se faz com as crianças e a vertente escolar não é dimensionada numa linha de desenvolvimento.
A partir de uma avaliação diagnosticada das situações de forma individual, mas abrangente ao nível dos diversos domínios de funcionamento, as atividades devem ser planificadas de forma a melhorar as competências socioafetivas e morais, as competências físicas e motoras e as cognitivas. O trabalho com as famílias deve ser convergente à função educativa, ensinando os pais a identificar as variáveis da família que possam ser responsáveis pelo comportamento antissocial da criança e ensinar-lhes como alterar o padrão de interações muitas vezes inadequadas e de contornos coercivos.
Os comportamentos de agressividade em meio escolar devem ser alvo de intervenção nos níveis de ensino mais precoce – 1.º ciclo. É no 2.º ciclo que eclodem os fenómenos de indisciplina e de violência com a agravante de não existirem técnicos de apoio psicossocial. Torna-se necessário diversificar os espaços de escuta e de informação. Tendo como referência a vocação inclusiva da escola urge criar equipas especializadas de apoio psicopedagógico e com o reforço da colaboração entre os diversos agentes educativos.
Importa reunir competências múltiplas que favoreçam o desenvolvimento de ações inovadoras, sendo exemplo o desporto escolar e a animação social.
Todavia a promoção de atividades só tem sentido se estiverem sustentadas num projeto concertado e coerente.
Criação de um centro de informação e divulgação dos recursos existentes que facilitem a articulação entre os serviços e entidades tendentes à sua operacionalização, a exemplo as atividades a nível de ocupação de tempos livres e desportivas, é um bom ponto de partida.
As expetativas positivas face aos outros e a si próprio promovem o empenho e a motivação para iniciar e manter contactos sociais, bem como para diminuir a incidência de problemáticas de internalização.
A reabilitação e a reeducação têm que assumir-se como preocupações centrais do poder central, principalmente no que respeita aos jovens que se enquadram na Lei Tutelar Educativa.
Num lugar onde se pretende ressocializar jovens, a opção não pode ser o isolamento, a competição ou a existência de uma subcultura marginal dentro das instituições que têm a seu cargo esta difícil tarefa. Pelo contrário, a aposta deve ser no incitamento do trabalho de grupo, de cooperação, entreajuda, resolução de conflitos e educação para objetivos, ou seja, promoção de competências pessoais e sociais que diminuam os fatores de risco associados (consumo de substâncias, contextos socioeconómicos desfavorecidos, sistemas familiares disfuncionais), e que promovam os fatores de proteção (as próprias competências constituem por si só fatores de proteção contra a adoção de comportamentos delinquentes).
O paradigma a seguir é o da proximidade e empatia, verdadeiros agentes de mudança e parceiros de relação.
Um sistema que estenda a intervenção judicial muito para além das fronteiras do facto de infração, judiciarizando a pobreza e recorrendo massivamente às colocações em instituições, frequentemente por períodos excessivos num quadro de medidas de duração indeterminada, não respeita os direitos dos menores na justiça.
A aproximação da justiça tutelar educativa à justiça penal de adultos, com o consequente aumento da capacidade de internamento de jovens, é um caminho errado.
É fundamental a desjudicialização, a desinstitucionalização e a manutenção do jovem no seu meio de vida, estimulando a procura de novas formas de intervenção e de alternativas à colocação em instituição, caminho que os tribunais não poderão fazer sozinhos. Contudo, tratando-se de jovens delinquentes, não se pode esquecer, neste trajeto, a necessidade de reparação da vítima e a responsabilização dos jovens e de seus pais, que devem ser parceiros da escolha e da execução da medida tutelar.
Importa, porém, perceber que existe sempre um núcleo duro de menores delinquentes, em que qualquer abordagem aparece, à partida, como impotente. Importa perceber aqui que quem nasceu e cresceu sozinho não consegue, sem ajuda, viver em sociedade, respeitando as regras do Estado de Direito. Ora, o modelo da punição não é o mais adequado, mas sim o da intervenção, intervenção essa cujo fim deve ser tratar e dar condições para que os jovens se vinculem e se integrem na comunidade, da mesma forma que se vincularam aos comportamentos delinquentes.  
O espírito influenciável deve ser combatido pela criação de laços familiares ou substitutivos fortes.
A supervisão familiar e a informal devem ser reforçadas.
Os fatores socioeconómicos devem ser combatidos, e desde logo pela análise do local de residência.
A má integração escolar favorece o surgimento de amizades nocivas. Assim, a integração em programas pode produzir o mesmo efeito, se for competitiva e deixar o jovem entregue às mesmas frustrações.
A delinquência dos adolescentes é predominantemente coletiva: não se concebe sem um grupo (cf. «associação diferencial»). E aqui importa ter presente a importância dos «mentores delinquentes» (cf. líderes). Combater o grupo e a influência do líder é fundamental. A rede de relações ou de amigos com os quais se cometem delitos deve ser analisada e extinta.
A busca de autonomia é melhor sucedida quando sustentada por uma figura de suporte, que constitua uma base emocional segura.
A insegurança no adolescente facilmente se transforma em hostilidade para com os cuidadores, daí decorrendo, em casos limites, mas frequentes, a redução da afetividade do controlo e monitorização, assim se eliminando um dos fatores que mais importância tem na contenção de comportamentos desviantes.
O jovem delinquente tem, desde logo, de ser trabalhado para que ganhe a perceção da gravidade dos delitos que cometeu. Aspeto essencial a reter é também o facto de a censura do comportamento delinquente dever estar centrada no ato e não na pessoa, evitando-se assim a estigmatização, pois o ato é rejeitado mas o autor é respeitado. Ao contrário da estigmatização, esta abordagem não corta os laços afetivos, reforça-os.
Aspeto importante a reter é o facto de os adolescentes agirem em função dos seus valores e se reprovam ou se se inquietam com um comportamento, tendem a evitá-lo. Existe, aliás, uma forte evidência de que a conformidade com a lei por parte dos cidadãos se deve mais à concordância com a mesma do que ao medo das sanções oficiais. O abandono da crença no valor da pessoa humana leva a um caminho de repressão institucional, a coberto da aparência de legalidade do «judiciário», a todos os títulos ilegítima!
Se é verdade que, muitas vezes, para se poder alterar um comportamento delinquente é necessário ter conta a sua família, sendo necessário ter um conhecimento da dinâmica intrínseca deste sistema para exercer uma ação sobre o seu funcionamento, todavia, uma ideia de «polícia das famílias» ou a mistura de intervenção tutelar com responsabilização criminal dos pais não parece ser um caminho adequado. É pequeno-burguês e naif pensar-se sensibilizar os pais desta maneira.
O modelo de resolução da crise em matéria tutelar educativa vigente não dá prioridade à solução restaurativa, e a vítima é submetida a uma instrumentalização em benefício de um processo tutelar educativo ao serviço de um menor em dificuldade.
E quando se pretende alcançar uma restauração, o caminho não é claro, e a reparação económica nunca é realizada.
Por outro lado, o envolvimento dos jovens no processo de aplicação da medida tutelar educativa não é acompanhado por um trabalho de intervenção de fundo sobre os problemas identificados nos jovens em causa. E, como diz o ditado, «Quem não avança, recua».
Por outro lado, a sociedade está marcada pela existência, no seu seio, de grupos diferentes do ponto de vista cultural e económico e, todavia, submetida a uma única regra de vida. Resulta destas distorções uma falta de coesão do corpo social, que será um dos fatores essenciais da delinquência. Fala-se em anomia, ideia esta que traduz a tendência para a desorganização social.
No futuro assistiremos, mesmo nas sociedades mais desenvolvidas, à emergência cada vez mais frequente de grupos de jovens delinquentes funcionando como espaços sociais de identidade pessoal e coletiva, numa modelação privada de valores e de ideais, sem relação com uma visão do acontecer global, com uma linguagem própria, e sofrendo todos o mesmo receio e inquietação, decorrente da ausência de vinculação segura e de esperança num mundo melhor.
Dar esperança pressupõe acreditar na pessoa humana. E acreditar pressupõe compromisso. Do compromisso nasce a relação. E a relação é libertadora, porque nos restitui ao contexto global da humanidade, do ser com os outros, e com Deus.
Qual o lugar dos tribunais de família e de menores neste cenário? Residual, se Deus quiser.




RESPONSABILIDADES PARENTAIS ACRESCIDAS

.Não envolvas os vossos filhos nas disputas que tens com o(a) teu(tua) ex-companheiro(a);
.Estimula a relação dos vossos filhos com o outro progenitor e ambas as famílias alargadas;
.Entrega os vossos filhos ao outro progenitor no caso de férias ou ausências e não a terceiros;
.Facilita o contacto telefónico dos vossos filhos com o outro progenitor;
.Entrega aos vossos filhos toda a correspondência e prendas do outro progenitor;
.Valoriza sempre (ou, pelo menos, não desvalorizes) o outro progenitor;
.Não permitas críticas na presença dos vossos filhos em relação ao outro progenitor;
.Faculta ao outro progenitor todas as informações escolares e de saúde dos vossos filhos;
.Permite a participação do outro progenitor, se for conveniente, nas idas ao médico e às reuniões da escola;
.Avisa o outro progenitor do evoluir das situações (ex.: novas consultas, resultados de exames médicos, etc.);
.Consulta o outro progenitor antes de decidires questões relevantes;
.Faculta informações ao outro progenitor a respeito da escola, desporto, etc.;
.Não marques atividades nos fins de semana em que os vossos filhos menores vão para o outro progenitor; e
.Sê feliz com os teus filhos!


  

 
ALGUMA DA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
E CUJA LEITURA SE RECOMENDA

. "Em Defesa da Criança", Teresa Ferreira, Ed. 2000.

. Representações Sociais de jovens institucionalizados em Centro Educativo/Perspectivas sobre a educação para o direito, Ana Manso/Ana Tomás de Almeida, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 2, jan. 2009, págs. 31 e seguintes.

. Violência escolar/Resultados de um estudo longitudinal realizado na Bavária (Alemanha), Marek Fuchs/Stefanie Schmalz, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 2, jan. 2009, págs. 43 e seguintes.

. O estilo de vinculação e o desenvolvimento de comportamentos delinquentes na adolescência/Factor de risco ou de protecção, Ana Zilda Silva, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 2, jan. 2009, páginas 55 e seguintes.

. Reincidência de jovens infractores na Comunidade de Madrid, José Luis Gómez/Vicente Garrido Genoves/Luis González Cieza, Reincidência de jovens infractores na Comunidade 6de Madrid, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 9 e seguintes.

. Transições para a vida adulta entre os jovens de um bairro social, Alexandre Silva/Fernando Luís Machado, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 29 e seguintes.

. O Espaço físico na exposição ao medo do crime, José Brites, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas73 e seguintes.

. Evolução e desafios das respostas residenciais para jovens face ao perigo e ao crime, Manuel Branco Mendes, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 83 e seguintes.

. As relações de vinculação e a afiliação aos gangs, Ana Maria Lavado, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 2, ano 3, maio 2010, páginas 97 e seguintes.

. Lei Tutelar Educativa – desafios e constrangimentos: contextos, protagonistas e administração da justiça, Maria João Leote de Carvalho, Socinova/CesNova, Centro de Estudos de Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.

. A Delinquência Juvenil Portuguesa em Perspectiva, Maria João Leote de Carvalho, Socinova/CesNova, Centro de Estudos de Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.

. Os Maus Tratos Infantis na Jurisdição Criminal, José Francisco Moreira das Neves, Juiz de Direito, Verbo Jurídico (www.verbojuridico.net | com | org), Data de Publicação: Dezembro 2003.
. Programas de intervenção em agressores de violência conjugal/Intervenção psicológica e prevenção da violência doméstica, Celina Manita, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 1, ano 1, setembro 2008, páginas 21 e seguintes.

. Preditores de comportamentos desviantes na adolescência, Validação da escala PBI – Parental Bonding Instrument para a população portuguesa, Luísa Carrilho/Mafalda Alexandre, «ouSar integrar», REVISTA de reinserção social e prova, n.º 1, ano 1, setembro 2008, páginas 33 e seguintes.

. Os efeitos dos maus-tratos e da negligência sobre as representações da vinculação em crianças de idade pré-escolar, Renata Benavente/João Justo/Manuela Veríssimo,  «Análise Psicológica» (2009), 1 (XXVII): 21-31.

. Indisciplina e Delitos em Ambiente Escolar - enquadramento jurídico e respostas judiciárias, Rui do Carmo, Procurador da República, Texto da comunicação apresentada em Lisboa, no dia 23 de março de 2012, em ação de formação contínua do Centro de Estudos Judiciários, subordinada ao tema O bullying e as novas formas de violência entre os jovens – indisciplina e delitos em ambiente escolar. 

. A Criança e a Família – uma questão de Direito(s), Helena Bolieiro/Paulo Guerra, Coimbra Editora, 2009.











[1] O conceito de vinculação enquadra-se na Teoria da Vinculação, que teve como fundador John Bowlby.
   Uma das ideias principais é que a evolução resolveu a necessidade de proteção e suporte da espécie humana (mais especificamente, mas também nos outros primatas), facilitando-nos um sistema de comportamentos de vinculação, que aumentam a possibilidade de estabelecer relações próximas. Se a criança tem confiança na disponibilidade da figura de vinculação terá menos probabilidade de ter medo e ansiedade crónica. Esta confiança desenvolve-se no princípio da infância e persiste ao longo do desenvolvimento e as expectativas acerca da disponibilidade da figura de vinculação vão influenciar as relações estabelecidas com as outras pessoas. 
[2] Podemos constituir um índice de supervisão parental desta forma: a) Inexistente; b) Fraca; c) Lacunar; d) Forte; e) Excessiva.
Em matéria de supervisão são instrumento de análise as «modalidades de saída»:
- saídas sozinho/a à noite;
- número mensal de saídas para bares e discotecas;
- respeito pelas horas de saída/regresso;
- conhecimento do local de saída por parte dos pais.
[3] Indagar se existem amigos do jovem que tenham tido contacto com a polícia enquanto autores de delitos é um instrumento de análise fundamental, pois quanto mais elevado é este número, maiores são as probabilidades dos pares com que ele mantém relação poderem levar o adolescente a cometer delitos.
   Noutro lugar se falará da importância das amizades nocivas.
[4] O «score» de integração escolar pode ser constituído por quatro itens: a) o tempo consagrado aos deveres escolares de casa; b) o interesse pela aprendizagem escolar; c) a autoavaliação do nível escolar; d) o número de repetições de ano.